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Maria Cristina Fernandes

Por que Warren Buffett deveria ter ouvido funcionários da Kraft-Heinz

Emnovembro do ano passado, um funcionário da Kraft-Heinz havia mais dequatro anos escreveu: "O orçamentobase-zero é uma ferr

Publicado em 17/03/2019
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Em novembro do ano passado, um funcionário da Kraft-Heinz havia mais de quatro anos escreveu: "O orçamento base-zero é uma ferramenta orçamentária. Nunca deveria ser usado como um princípio de gestão. O volume de vendas da empresa não cresce e não há espaço para mais cortes". A crítica, anônima, foi uma das mais ponderadas entre mais de 3 mil resenhas sobre a Kraft-Heinz no Glassdoor. 

Maior site de empregos do mundo, com 64 milhões de visitantes mensais, o Glassdoor recolhe impressões de atuais e ex-colaboradores de empresas. Acumula 47 milhões de resenhas sobre 900 mil empresas de todo o planeta sob o compromisso de não excluir quaisquer comentários, por mais críticos que sejam. Dois meses antes do cauteloso funcionário comentar sobre KraftHeinz, um ex-colega de fábrica em Pittsburgh, no Estado americano de Pensilvânia, deixou a empresa, depois de dois anos, com um sucinto conselho aos seus acionistas: "Vendam suas ações antes que elas caiam ainda mais".

Um extrato restrito às avaliações escritas ao longo dos últimos 12 meses mostra que os funcionários há muito já sabiam aquilo que Warren Buffett divulgou na carta a investidores no fim de fevereiro. No texto, uma bíblia dos pregões, disse ter pago caro demais pela associação com a 3G Capital para a aquisição da Kraft-Heinz em 2015.

Fundador de um dos maiores guarda-chuvas de investimentos do mundo, o Berkshire Hathaway, Buffett perdeu, em 2018, US$ 2,7 bilhões, apenas com a desvalorização do investimento feito em associação com o fundo dos brasileiros Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Beto Sicupira. Aos dois anos de perdas, que cortou pela metade o valor da Kraft-Heinz na Nasdaq, somouse a investigação da SEC (Securities and Exchange Comission), o órgão de fiscalização do mercado acionário americano, sobre os registros contábeis da empresa.

Os analistas do mercado de alimentos atribuíram as perdas ao avanço das empresas concorrentes no desenvolvimento e na aquisição de marcas mais afeitas ao gosto contemporâneo por produtos orgânicos. O avanço desses produtos, elaborados a partir de ingredientes frescos, estaria alavancando empresas como a Whole Foods e deixando para trás os ícones mundias da Kraft-Heinz, como o Macaroni&Cheese e o Philadelphia Cream Cheese. Para quem conheceu a empresa por dentro, no entanto, a crise vai além do seu descompasso com o mercado consumidor.

Como há um maior número de ex-funcionários do que de colaboradores atualmente a serviço da empresa, entre os autores das resenhas da Glassdoor, é natural que os comentários, a despeito da garantia de sigilo, sejam mais ácidos. Mas a insatisfação média na Heinz-Kraft é bem superior, por exemplo àquela observada entre os funcionários da Whole Foods ou da Unilever, gigante do consumo que o 3G fracassou em comprar no ano passado.

Na avaliação de até cinco estrelas da Glassdoor, a Unilever tem quatro, a Whole Foods, 3,6 e a Kraft-Heinz, 3,1. Entre os resenhistas, 54% recomendariam a parentes e amigos a empresa dirigida pelo brasileiro Bernardo Hees, enquanto 66% fariam o mesmo com a Whole Foods e 84% com a Unilever.

Em comum, as críticas às três empresas revelam dissabores com os chefes imediatos, com o desequilíbrio entre o tempo dedicado ao trabalho e aquele reservado para a família, além das políticas de ascensão na carreira de cada local de trabalho. É a tríade de queixas universais de empregados em relação a seus patrões. Na Kraft-Heinz, no entanto, as resenhas vão além. Há um reconhecimento de que os salários são mais elevados do que na média das empresas do ramo, mas a paga não compensa o desgaste das relações de trabalho em curso, como sintetiza a recomendação de um funcionário com seis anos de casa: "As pessoas geralmente largam chefes, não empresas".

As queixas vão da ausência de laptops adequados a uma cultura empresarial mais focada no "orçamento base-zero" do que na colaboração entre os funcionários para o desenvolvimento do negócio. O 3G fez fama pela tesoura. O orçamento de cada ano não leva em consideração os gastos do exercício anterior. Cada centavo deve ser justificado, preferencialmente, em patamares mais baixos do que aqueles previamente feitos - de despesas com papel às viagens.

Quando indagados sobre a exportação de seu modelo, os gestores do 3G sempre se remetem aos seus gurus são americanos, mas os funcionários mais antigos da Kraft-Heinz atribuem o agravamento de seus problemas à chegada dos investidores tupiniquins. Um ex-gerente, que vê como única vantagem da empresa oferecer carro e combustível para deslocamentos de seus vendedores, descreve os brasileiros de sua unidade como chefes, por um lado, estritos na cobrança das metas, e, por outro, como criadores de panelinhas de escolhidos que se cumprimentam com "beijinhos".

Um analista financeiro, que ficou quatro anos na unidade de Chicago, diz que não se sentia trabalhando numa empresa americana. Identifica os líderes da empresa como um time de brasileiros unicamente focados numa gestão barata. "Desistam e voltem para o Brasil", recomenda. Este mesmo time levou a uma gerente da mesma unidade a pedir mais diversidade: "São todos homens brasileiros".

Um funcionário da unidade de Fullerton, na Califórnia, chegou a citar diretamente o CEO, Bernardo Hess, questionando sua dupla condição de gestor da companhia e investidor do 3G, o que o levaria a dar prioridade à remuneração do capital em detrimento da empresa. "O valor de mercado da companhia caiu mais de 40% em quase dois anos. Seu time gere a KraftHeinz a partir do modelo da General Electric, que faliu", disse, citando a empresa um dia gerida por Jack Welch, reconhecidamente, fonte de inspiração dos brasileiros do 3G.

Um ex-analista sênior de finanças da unidade de Chicago se queixa da crença de que escrivaninhas minimalistas, com apenas dois itens pessoais permitidos, incrementam a produtividade - "O CEO Bernardo Hees chegou a andar pelas mesas do escritório deixando bilhetes naquelas que estavam em desacordo com a regra".

Elizabeth Vassolo, funcionária de recursos humanos encarregada de responder os comentários e repassá-los aos gestores da Kraft-Heinz, passa apuros. "Meritocracia é um código para favoritismo", diz um funcionário. "Foquem mais na concorrência externa do que em fomentar a disputa interna", diz outro, lotado em Chicago. Elizabeth segue o manual. Agradece, diz que a empresa busca sempre se aperfeiçoar e promete passar adiante os comentários. Em alguns casos, recomenda que os funcionários contactem, anonimamente, o departamento de ética da empresa para relatar as situações que os levaram a tanto azedume.

Muitos dos resenhistas aconselham os leitores a não acreditar em nada positivo que venham a ler sobre a Kraft-Heinz. "Em vez de resolver os problemas que lhes chegam, os gestores se ocupam em mandar e-mails para as pessoas pedindo que deixem avaliações positivas no Glassdoor, mas é difícil fazê-lo quando há muito pouca clareza se a empresa se importa com o que pensamos", diz um funcionário.

Elizabeth não perde a linha: "Periodicamente pedimos aos nossos funcionários que considerem a possibilidade de deixar depoimentos honestos e anônimos porque estes nos ajudam a melhorar a empresa. Compartilharei seu retorno com a chefia de maneira a identificar áreas em que possamos melhorar. Seus comentários são muito úteis. Obrigado por tomar seu tempo".

Ao discursar, no ano passado, num evento de investidores, Lemann reconheceu os limites da eficiência. "Vivia no mundo aconchegante das velhas marcas e dos grandes volumes. Bastava você se concentrar em ser altamente eficiente e tudo ficaria bem. Mas, de repente, estamos sofrendo toda espécie de desordenamento", disse o confundador da 3G, ao se definir como um "dinossauro apavorado" e reconhecer que teria de se ajustar às novas demandas dos clientes.

A julgar pelas opiniões dos funcionários da Whole Foods, no entanto, se a Kraft-Heinz só levar em conta o mercado consumidor, não vai prover um ambiente de trabalho propício a inovações. É uma empresa distinta porque centrada no varejo de orgânicos, mas, por esta razão, é apontada como rumo das mudanças a serem adotadas pela gigante de alimentos industrializados do 3G.

Em comum, têm a aquisição recente por conglomerados sem expertise no negócio. Há um ano a Whole Foods foi comprada pela Amazon, segunda maior empregadora dos EUA. A aquisição é citada por muitos resenhistas da empresa no Glassdoor como negativa. A queixa mais frequente, presente em mais de 600 comentários, no entanto, é a de que as reclamações de clientes sempre se sobrepõem àquelas dos seus trabalhadores.

Por ser uma empresa de varejo de alimentos, o contato com consumidores é muito mais direto do que aquele experimentado pelos trabalhadores da Heinz-Kraft. Uma funcionária de meio expediente chega a dizer que a empresa se preocupa mais com a qualidade de seus produtos do que com o ambiente de trabalho. Numa cultura empresarial como a do negócio do 3G que, na avaliação de seus funcionários, foca mais a meta individual do que a colaboração, uma guinada para absorver as novas tendências do mercado de consumo custará a motivar o esforço - e a imaginação - coletiva.

Maria Cristina Fernandes, jornalista

Fonte: Valor

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