Privilégios fiscais e paraíso dos ricos
Reformismo regressivo: renúncias fiscais para os mais abastados e cortes de direitos para a população.
O Brasil é um paraíso fiscal para os mais ricos. Sua carga tributária regressiva é histórica e privilegia estruturalmente uma parcela minoritária, porém poderosa, da sociedade. Muitos livros já foram escritos sobre o assunto. Farei, portanto, alguns breves comentários sobre o tema.
Em artigo publicado neste espaço, em 11 de março, citei o pesquisador Pedro Ferreira de Souza, autor do livro ‘Uma história de desigualdade’, editado pela Hucitec, em 2018. Quando a concentração de rendas e patrimônios é muito alta, os ricos conduzem a política em benefício próprio, inclusive com o uso da violência, se for “necessária”.
Segundo o pesquisador, a grande peculiaridade que tornou a América Latina mais desigual do que o mundo desenvolvido se originou no século XX, quando a região perdeu o “grande nivelamento” promovido pela tributação progressiva sobre a renda e o patrimônio experimentado nos Estados Unidos e boa parte da Europa, principalmente após a Segunda Guerra.
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Para Souza, “o golpe de 1964 é o exemplo mais bem-acabado, no Brasil, de ruptura que permitiu, pelo uso da força, o enfraquecimento da resistência e o redesenho de instituições de modo que alterasse bruscamente a distribuição de renda”. As tabulações públicas do Imposto de Renda das Pessoas Físicas (IRPF) foram utilizadas pelo autor.
Tomei conhecimento de que a Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Unafisco) desenvolveu o “Privilegiômetro Tributário”. Conforme consta na respectiva página digital, “até o fim de 2024, o Brasil deverá conceder R$ 537,6 bilhões em privilégios tributários só na esfera federal”.
Como síntese, a Unafisco afirma que “a característica essencial desses privilégios é não trazer, na prática, qualquer retorno em desenvolvimento econômico (geração de emprego e renda), e assim, não contribuir para a diminuição das desigualdades no País”. Precisamos cortar privilégios fiscais, inclusive aqueles concedidos pelas unidades federativas.
De acordo com a Unafisco, só com o que é concedido de renúncia fiscal na instância federal seria possível investir na construção, por exemplo, de: 1) 37.230 escolas com capacidade para 225 alunos; 2) 59.729 Unidades Básicas de Saúde (UBS); 3) 33.978 Unidades de Pronto Atendimento (UPA); 4) 2.438.126 unidades habitacionais de 47m².
Para a Unafisco, “são privilégios tributários os gastos tributários – oriundos da omissão na criação de tributo constitucionalmente previsto e das isenções, anistias, remissões, subsídios, benefícios de natureza financeira, tributária e creditícia – concedidos a setores ou parcelas específicas de contribuintes sem que exista contrapartida adequada, notória ou comprovada por estudos técnicos para o desenvolvimento econômico sustentável sem aumento da concentração de renda, com diminuição das desigualdades sociais no País”. Precisamos cortar privilégios.
A reforma tributária não irá alterar a lógica estrutural dos privilégios no Brasil, ou seja, o caráter regressivo da tributação. Renúncias fiscais para os mais abastados e cortes de direitos para a população. Esse é o tom do reformismo regressivo: darwinismo social para a população e estado de bem-estar para o capital, algo insustentável em uma democracia liberal.
Rodrigo Medeiros - Professor do Ifes (Instituto Federal do Espírito Santo) e Doutor pela UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro). Escreve às segundas-feiras.
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