
Queimem, amigos, queimem
Conforme expliquei na coluna de hoje, ela demonstrou que a desregulamentação extrema não funciona – quando até mesmo o senador Ted Cr
Conforme expliquei na coluna de hoje, ela demonstrou que a desregulamentação extrema não funciona – quando até mesmo o senador Ted Cruz (Rep. Texas) começou a exigir que os reguladores passassem a controlar lucros imprevistos, fica-se sabendo que o jogo terminou.
Mas, quando Cruz passou a depreciar a especulação e a demandar controle de preços, a situação se assemelha muito à história do homem que mordeu o cachorro. Acredito que também valha a pena mergulhar na história anterior à do homem que mordeu o cachorro. Quando o Texas sofreu as catastróficas faltas de energia – nomeadamente por causa do congelamento de suas usinas movidas a gás que, juntamente com os gasodutos que as alimentavam e os poços que alimentavam esses dutos - a reação imediata de boa parte da mídia de direita foi culpar – a força dos ventos e declarar que o episódio em sua totalidade mostrou loucura que seria um Novo Pacto Verde (Green New Deal).
A única posição discordante que pude observar naquele lado era a de Larry Kudlow, que tinha sido economista-chefe de Donald Trump, e que jogou a culpa do colapso da rede do Texas em ... Joe Biden. Eu também não consegui ainda entender a lógica dele.
Em alguma medida, esse jogo de culpas não nos surpreendeu: todos sabemos que os Republicanos amam os combustíveis fósseis e veem o crescimento do uso de fontes energias renováveis como a encarnação do diabo. Mas por que, exatamente, o conservadorismo e o desejo de queimar os resíduos da vida vegetal pré-histórica caminham juntos?
Esta não foi sempre a realidade. Recentemente, em 1990, as contribuições às campanhas políticas oriundas da indústria do carvão eram repartidas de forma justa entre os partidos. A Virgínia Ocidental, hoje entre os estados mais favoráveis a Trump na América, apoiou os Democratas até 2000.
Então, o que aconteceu? Em primeiro lugar, na altura dos anos 1970 e 1980, os Republicanos se tornaram um partido contra o meio ambiente. Isto não é a mesma coisa que ser um partido a favor do livre mercado: Mesmo que você creia nas virtudes dos mercados, o Econ 101 (curso de introdução à economia nos EUA) ensina que os poluidores devem receber incentivos financeiros para reduzirem as emissões, sob a forma de taxas sobre a poluição ou licenças para poluição comercializáveis. Todavia, a ideia de um livre mercado com incentivos ao comportamento responsável pode ser algo por demais sutil para que se torne um slogan de campanha.
Também, os políticos e estrategistas políticos em geral acreditam – corretamente, a meu ver – em algo que pode ser chamado de “efeito de halo”. O partido que quer menos governo tende a se opor a qualquer intervenção pública, não importa quão justificada ela possa ser, por medo de que isso legitime um papel maior do governo nas mentes dos eleitores.
Para ser justo, o partido que quer mais gastos sociais tende a apoiar o governo pela mesma razão.
E aqui está a questão: os combustíveis fósseis são, digamos, sujos. O carvão é o pior, mas mesmo o gás natural tem lá seus problemas. E não se trata apenas das emissões gases do efeito estufa; a queima de combustíveis fósseis libera partículas, mercúrio e outros itens desagradáveis que prejudicam a saúde e aumentam a mortalidade.
Os Democratas têm mais vontade que os Republicanos de fazerem algo a respeito, o que torna a indústria de combustíveis fósseis favorável aos Republicanos. E isto reforça a diferença entre os partidos, o que leva a uma maior disparidade no apoio político.
Neste ponto, parecemos, de fato, estar chegando ao fim de um ciclo de desgraças, no qual o Partido Republicano tornou-se o partido dos combustíveis fósseis, pelos combustíveis fósseis e para os combustíveis fósseis. Na eleição de 2020, o ciclo da indústria de petróleo e gás doou somente 16 por cento de suas contribuições aos Democratas; a indústria do carvão doou apenas 4 por cento.
O problema que os Republicanos e seus amigos fósseis enfrentam é que eles estão do lado derrotado da história. Um incrível progresso tecnológico no campo da energia renovável tornou o carvão quase que totalmente não competitivo, com o óleo não muito atrás e o gás assistindo o que se passa à sua frente.
Daí resultou a loucura do recente ataque à força do vento. Não se tratava apenas de troca de culpas e da rotineira desinformação; era também, em certo sentido, um grito de desespero.
Curtas
O mercado de energia elétrica do Texas não aplica o laissez-faire (o mercado livre). A rigor, ele faz uso de uma série de regramentos para tornar o livre mercado possível.
A cidade de El Paso, no Texas, optou por seguir seu próprio caminho e com isso evitou o pior.
As pessoas têm me perguntado se há no Texas algo similar à manipulação do mercado que havia na Califórnia há 20 anos. Não notei qualquer evidência, pelo menos até hoje.
Lembram-se de quando Rick Perry tentou obrigar as concessionárias a continuarem queimando carvão?
*Paul Krugman recebeu o Prêmio Nobel de Economia em 2008
Traduzido do inglês por A. Pertence
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