Desde que os Estados Unidos começaram, há duzentos anos, a estender seus tentáculos mundo à fora, seus interesses jamais se restringiram ao domínio sobre os recursos naturais dos diferentes países.
Frequentemente, um outro interesse ainda mais importante se impunha: o domínio dos mercados.
Possuindo até hoje uma das maiores estruturas produtivas do planeta, abrangendo quase todos os setores globalizados da economia, do petróleo à indústria pesada, do agronegócio e à alta tecnologia, os Estados Unidos precisam, assim como qualquer outro país industrializado, de compradores para seus produtos.
Neste sentido, é às vezes um pouco irritante como a esquerda brasileira raramente olha para esse ponto quando analisa os avanços do imperialismo americano sobre a nossa economia.
O último livro de Ciro Gomes, "Projeto Nacional: O dever da esperança", traz uma denúncia muito dura contra o golpe de 2016 e a Lava Jato. Mas repete o clichê equivocado de entender que a inequívoca sombra americana por trás desses acontecimentos seria explicada pelo interesse em nosso pré-sal. Não é bem assim.
É claro que os EUA espionaram nosso pré-sal com objetivo de obter o máximo de informações possíveis sobre o tamanho de suas reservas e a viabilidade de sua exploração.
O fato, porém, é que o nosso pré-sal, em proporção às reservas mundiais, não é expressivo.
Além disso, a história já mostrou que o interesse principal da indústria americana de petróleo não é em nossas reservas, tanto é que seus únicos compradores tem sido, na verdade, os chineses.
O interesse dos americanos se debruça sobre algo ainda mais valioso, mais estável e com capacidade de gerar caixa de maneira muito mais rápida: o nosso mercado consumidor de petróleo!
Como somos um país que abandonamos o transporte ferroviário, e não temos um transporte de cabotagem significativo, quase toda a circulação interna de mercadorias e pessoas, num país de extensão continental, depende de veículos movidos a gasolina e, sobretudo, a diesel.
Nos últimos 10 anos, o Brasil importou US$ 226,5 bilhṍes em petróleo, ou R$ 1 trilhão, um aumento de 84% sobre os 10 anos anteriores.
Entretanto, quando se olha apenas para o petróleo vindo dos EUA, nossas compras do produto aumentaram 738% nos últimos 10 anos. A maior parte dessa alta aconteceu nos últimos 5 anos, como se pode ver nos gráficos abaixo.
Nos anos de 2008 a 2015, antes do pré-sal finalmente começar a jorrar para fora das profundezas oceânicas, o Brasil importou quantidades enormes de petróleo bruto e refinado, num momento em que o preço do produto encontrava-se extremamente elevado, o que sobrecarregou nossa balança de pagamentos, e contribuiu para a deterioração do quadro econômico que veríamos em seguida.
Quando o preço do petróleo começa a cair dramaticamente, a partir de 2016, nossas despesas começam a cair. Além disso, dois fatores ajudam a reduzir nossas importações: a crise econômica, que reduz o consumo de combustível, e a entrada em produção dos primeiros poços do pré-sal, substituindo as plataformas do pós-sal, cuja produção já está em fase declinante.
Entretanto, a partir de 2016, dá-se o golpe de Estado, muda o regime, e uma mudança importante acontece na política petroleira do Brasil. A principal delas é a paralisação da construção de novas refinarias, e a redução drástica da capacidade operacional daquelas já existentes, o que leva a um aumento constante das importações de petróleo refinado. Os grandes beneficiados dessa mudança são as refinarias norte-americanas, pois o país passa a concentrar quase todas as suas compras externas de diesel, que é o produto de importação que mais pesa em nossa balança comercial, dos Estados Unidos.
As importações de petróleo com origem nos EUA, que até 2016, nunca haviam correspondido a mais de 20% de nossas compras externas de petróleo, começam a subir vertiginosamente, e hoje o país responde por cerca de 60% de todo o petróleo importado pelo Brasil.
Como o preço do petróleo oscila de maneira muito dramática, é importante analisarmos o fluxo do produto em termos de quantidade.
Em quantidade, o Brasil tem importado quantidades recordes de petróleo refinado, o que compensou a queda nas compras de petróleo bruto.
É importante observar que, hoje, o Brasil vem obtendo recordes no saldo da balança comercial de petróleo.
Não estivéssemos importando quantidades tão grandes de petróleo refinado, gerando empregos e renda nos Estados Unidos, estes saldos poderiam ser infinitamente maiores, financiando o nosso desenvolvimento e estabilizando nossas finanças públicas. No atual nível, eles servem apenas para compensar uma parte do déficit ainda crescente de nossa balança de pagamentos, puxado sobretudo pela desindustrialização galopante e pelo aumento dramático da importação de manufaturados.
Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho.
Fonte: O Cafezinho
Comentários
Vamos ao exemplo da EMBRAER. Por que Ela funciona? Ela não opera no Brasil? Ela não tem concorrência internacional?
Ela consegue ser competitiva justamente porque pode importar, não precisa se abastecer de fornecedores locais.
O conceito tem que ser: " IMPORTAR MAIS PARA EXPORTAR MAIS",
Faço o mesmo com "Jornal da Cidade on line"..."República de Curitiba"...."Patriotas" e por aí vai.
São mais do mesmo....