Filantropia é uma forma de os mais abastados ajudarem os mais necessitados, ao mesmo tempo em que passam para a sociedade uma imagem de solidariedade e preocupação com a desigualdade. Certo? Apenas a segunda oração da sentença. Quanto à ajuda aos menos favorecidos, é tão verdadeiro quanto uma nota de tatu-bola.
Paul Vallely, autor de Philanthropy – from Aristotle to Zuckerberg, mostra que em um período de 10 anos, até 2017, mais de 2/3 de todas as doações de milionários – somadas, chegam a £ 4,79 bilhões (cerca de R$ 35 bilhões) – foram para escolas de elite do ensino superior, metade do valor para Oxford e Cambridge. Escolas frequentadas pelos pares dos doadores e pela classe média alta. Na mesma década, os bilionários britânicos doaram £ 1,04 bilhão para artes e somente £ 222 para amenizar a pobreza.
Outro ponto levantado por Vallely é sobre a fatia de benefícios fiscais nessas doações. Rendimentos acima de £ 150 mil anuais são taxados a 45% no Reino Unido (alô, Paulo Guedes!). Ao fazer uma doação de, digamos, £ 1 milhão, o Estado britânico entra com £ 450 mil, que deixam de ser recolhidos aos cofres públicos.
E vem daí outro questionamento: por que deixar para o doador decidir onde quer aplicar o dinheiro, se quase metade vem de isenções fiscais? Vallely exemplifica com o importante papel desempenhado pela Fundação Bill e Melinda Gates na virtual erradicação da pólio no mundo – o número de casos foi cortado em 99,9%. A ONG do fundador da Microsoft, com apoio de outras entidades, levou vacinas a 2,5 bilhões de crianças.
Porém, há casos em que as prioridades da comunidade podem ser diferentes daquelas dos doadores. Não seria mais justo que esses bilionários – quase 3/4 das 260 mil fundações filantrópicas do mundo foram criadas nas últimas 2 décadas e controlam mais de US$ 1,5 trilhão – pagassem seus impostos, sem esquemas de paraísos fiscais, e deixassem as populações, através de seus representantes democraticamente eleitos, decidirem onde aplicar os recursos?
Philanthropy – from Aristotle to Zuckerberg está disponível em formato eletrônico (na casa de US$ 28) ou tradicional (US$ 38, mais frete). Um bom aperitivo está em "How philanthropy benefits the super-rich", um resumo (nem tão pequeno assim) publicado no jornal britânico The Guardian. Ambos, por enquanto, somente em inglês.
Fonte: Monitor Mercantil