O preço da privataria na saúde
A rede onde está o laboratório Saleme é muito maior
A polícia do Rio foi rápida. Em poucos dias, prendeu Walter Vieira, sócio do laboratório PCS LAB Saleme, de Nova Iguaçu, cujos laudos criminosos infectaram com HIV seis pacientes que haviam recebido transplantes em hospitais públicos do estado. Em seu primeiro depoimento, o doutor atribuiu a responsabilidade pelo crime a um erro de três funcionários. Em nota, o deputado federal Doutor Luizinho (PP), secretário de Saúde do Rio por duas vezes, pediu que os “culpados sejam punidos exemplarmente”.
Se o Ministério da Saúde e o Governo do Rio olharem para baixo, o caso terminará com a culpabilização de meia dúzia de profissionais irresponsáveis. Se olharem para cima, verão muito mais, coisas sabidas, porém desprezadas. Verão que a saúde pública está sendo sucateada, privatizada, corrompida e arruinada.
Quando começou o processo de demonização do Estado, acreditou-se que, privatizando-se serviços de hospitais e de laboratórios, eles funcionariam melhor. Assim, a privataria produziu a figura das chamadas organizações sociais, que passaram a administrar serviços de saúde, inclusive hospitais. Ao mesmo tempo, profissionais foram obrigados a virar pessoas jurídicas. Esse truque abriu a porteira para o clientelismo, achatou os salários da turma do andar de baixo e engordou a remuneração do pessoal do andar de cima. Em seguida, criou-se um universo de contratos.
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O Saleme é uma vitrine. Pelo lado do prestígio profissional, presta serviços a 14 hospitais do Rio, inclusive à Central de Transplantes. Coisa de R$ 17,5 milhões.
Pelo lado do prestígio de uma parentela, o Saleme mostra o vigor privatista do deputado Doutor Luizinho. Um dos sócios é marido de uma de suas tias e colocou na sociedade o próprio filho, ex-funcionário da Fundação Saúde (R$ 4.751 de salário). Este, por sua vez, teve interesses numa empresa que prestou serviços de radiologia ao Hospital Getúlio Vargas de 2021 a 2022, por cerca de R$ 8 milhões. Na Fundação Saúde, que cuida dos contratos com serviços, está uma irmã do deputado.
Do Governo do Rio e do Ministério da Saúde saíram vozes anônimas dizendo que o caso do Saleme é um “ponto fora da curva”. Conversa fiada, ele é um ponto extremo da própria curva. A primeira queixa chegou à secretaria em setembro e não chamaram a polícia.
O Governo do Rio reagiu dizendo que, a partir de agora, os exames de doadores irão obrigatoriamente ao Hemorio, órgão público habilitado a fazer exames de sangue. Tradução: a privataria avançou sobre um serviço público, aspergiu contratos e, quando a casa pegou fogo, voltou ao ponto de partida.
A vida, essa trapaceira, fez com que o caso do Saleme aparecesse um dia depois de o Conselho Regional de Medicina de São Paulo suspender por 30 dias um médico que, em 2016, foi contratado pela prefeitura de São Bernardo do Campo para conduzir um mutirão de cirurgias de catarata. O mutirão foi realizado num hospital público pela equipe privada, e 22 pacientes foram infectados. Alguns ficaram cegos porque a privatagem descumpriu protocolos de higiene e esterilização.
Esse caso nada tem a ver com o do laboratório Saleme. Mostra apenas que a curva do sucateamento privatista é muito mais ampla e bem-relacionada do que se pensa.
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