(…) “Art. 10. Os lucros ou dividendos calculados com base nos resultados apurados a partir do mês de janeiro de 1996, pagos ou creditados pelas pessoas jurídicas tributadas com base no lucro real, presumido ou arbitrado, não ficarão sujeitos à incidência do imposto de renda na fonte, nem integrarão a base de cálculo do imposto de renda do beneficiário, pessoa física ou jurídica, domiciliado no País ou no exterior.” (…)
No final do presente ano serão completadas três décadas de vigência desta verdadeira excrescência tributária. Neste quesito, o Brasil está acompanhado tão somente de outros dois países: Letônia e Estônia. A oferta de tamanha benesse ao capital representa um absurdo em termos de aumento do já elevado grau estrutural da regressividade do sistema tributário brasileiro. Contando com um modelo de impostos baseado essencialmente no consumo, nosso País quase não tributa o patrimônio e as rendas elevadas. No entanto, tal distorção que acompanha a regime de arrecadação desde sempre e foi ainda mais agravada quando o Congresso Nacional decidiu por isentar também os lucros e os dividendos.
Generosidade de FHC existe desde 1995.
Para além da injustiça tributária flagrante e da perda de capacidade arrecadatória evidente, a novidade provocou um profundo rearranjo perverso no interior das próprias relações trabalhistas. As empresas passaram a estimular parte de seus assalariados a criarem pessoas jurídicas (PJs) de fachada para burlar a contratação formal via carteira de trabalho. Com isso, em especial os contratados de maior remuneração passaram a não mais pagar imposto de renda, que até então era recolhido na fonte. Seus ganhos derivados da relação de trabalho converteram-se em lucros apurados nas respectivas PJs. Daí o termo generalizado de “processo de pejotização” para caracterizar a nova realidade de segmentos do mercado laboral.
Os analistas que acompanhamos esse debate há muito tempo talvez não ficássemos tão surpresos quando a medida veio de um governo marcadamente neoliberal e que orientava suas ações em prol daquilo que hoje chamamos de “povo da Faria Lima”. Afinal, era a época de FHC no Palácio do Planalto. No entanto, o mais intrigante é que depois de quase 17 anos de governos dirigidos pelo Partido dos Trabalhadores (PT) nada foi feito a esse respeito. Na verdade, bastaria uma Medida Provisória para corrigir esta enorme distorção, mas ao que tudo indica isto nunca foi considerado como prioridade de política pública para Lula ou Dilma.
A ironia da História é que o primeiro governo a enviar alguma alteração da matéria foi justamente o de Jair Bolsonaro, uma gestão de extrema direita e marcada por uma profunda influência do neoliberalismo e dos interesses do sistema financeiro em sua pauta para a economia. O superministro Paulo Guedes apresentou um Projeto de Lei, o PL 2337 de 2021, tratando de vários aspectos da tributação, mas também eliminando a referida isenção e propondo uma alíquota considerada por muitos como bastante elevada (20%) com a volta de incidência de IRPJ.
(…) “Art. 10-A. A partir de 1º de janeiro de 2022, os lucros ou dividendos pagos ou creditados sob qualquer forma pelas pessoas jurídicas ficarão sujeitos à incidência do Imposto sobre a Renda e Proventos de Qualquer Natureza retido na fonte à alíquota de vinte por cento na forma prevista neste artigo.” (…)
Ao longo da tramitação, no entanto, a própria base parlamentar do governo conservador considerou um exagero a proposta inicial e o Relator da matéria na Câmara dos Deputados apresentou um texto substitutivo incorporando uma das emendas que reduzia a alíquota do tributo para 15%. O texto foi aprovado em setembro daquele ano na primeira casa legislativa que o apreciou, mas terminou abandonado nas gavetas da tramitação quando chegou ao Senado Federal.
(…) “Art. 10-A. A partir de 1º de janeiro de 2022, os lucros ou dividendos pagos ou creditados sob qualquer forma, inclusive a pessoas físicas ou jurídicas isentas, […] ficarão sujeitos à incidência do Imposto sobre a Renda e Proventos de Qualquer Natureza retido na fonte à alíquota de 15% (quinze por cento) na forma prevista neste artigo.” (…)
