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Agência Internacional de Energia

O fantasma do Pico petrolífero ainda está aí

Média global anual da taxa de declínio [da produção] após o pico é de 5,6% para o petróleo convencional. Mundo permanece em silêncio.

Publicado em 25/09/2025
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A Agência Internacional de Energia, integrada na OCDE, acaba de apresentar um novo relatório acerca do pico máximo da produção de petróleo (Pico petrolífero ou Peak Oil). Este assunto tem andado arredado das discussões públicas sobre energia. Isso se deve, por um lado, à atual conjuntura de recessão que aflige os países capitalistas desenvolvidos, com os seus reflexos na procura. Por outro lado, à ignorância dos media corporativos – dedicados geralmente a examinar as trivialidades do dia-a-dia – e à ignorância da própria UE. No entanto, o Peak Oil continua a ser um dos assuntos mais cruciais que existem para o devir da humanidade.

Convém acrescentar que o pico da produção de petróleo é certamente mais grave do que o do gás natural pois este último também pode ter uma origem renovável (o biometano) – mas o mesmo não acontece com o petróleo.

O texto abaixo é o resumo executivo do relatório The Implications of Oil and Gas Field Decline Rates produzido pela AIE, com 73 páginas. Vale a pena estudá-lo na íntegra pois é um documento sério e minucioso, ultrapassando de longe as alarvidades mentecaptas promovidas pela União Europeia (energias intermitentes ditas “verdes”, produção de hidrogénio, veículos elétricos, alterações climáticas, belicismo, sanções auto-infligidas, etc).

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As discussões sobre o futuro do petróleo e do gás muitas vezes enfatizam excessivamente os fatores que impulsionam a procura e subestimam os fatores que impulsionam a oferta

O debate sobre o futuro do petróleo e do gás natural tende a concentrar-se nas perspectivas para a procura, com muito menos atenção dada à forma como o panorama da oferta pode evoluir. Essa assimetria é inadequada e uma compreensão profunda da taxa na qual a produção dos campos de petróleo e gás existentes diminui ao longo do tempo é mais importante do que nunca. A Agência Internacional de Energia (AIE) há muito examina essa questão. As taxas de declínio — a taxa anual à qual a produção diminui de um campo de petróleo ou gás existente — sustentam nossa análise dos equilíbrios de mercado e das necessidades de investimento em todos os cenários de perspectivas.

Quase 90% do investimento anual em petróleo e gás a montante (upstream) desde 2019 tem sido dedicado a compensar o declínio da produção, ao invés de atender ao crescimento da procura. O investimento em 2025 deverá ser de cerca de 570 mil milhões de dólares e, se esta tendência se mantiver, o crescimento modesto da produção poderá continuar no futuro. Mas uma queda relativamente pequena no investimento a montante pode significar a diferença entre o crescimento da oferta de petróleo e gás e uma produção estática. Ao mesmo tempo, é necessário menos investimento num cenário de contração da procura.

Uma análise detalhada do panorama atual do abastecimento global

A composição da produção de petróleo e gás mudou rapidamente nos últimos anos, com o notável aumento do petróleo não convencional e do gás de xisto. Em 2000, os campos de petróleo convencionais contribuíram com 97% da produção total de petróleo a nível global; no entanto, em 2024, essa participação havia caído para 77% como resultado do aumento da produção de campos não convencionais. No caso do gás natural, cerca de 70% dos 4 300 mil milhões de metros cúbicos (bcm) produzidos atualmente provêm de campos convencionais, sendo quase todo o restante gás de xisto produzido nos Estados Unidos. Mesmo com a revolução do xisto, a produção global de petróleo e gás ainda depende fortemente de um pequeno número de campos supergigantes, principalmente no Médio Oriente, Eurásia e América do Norte, que juntos representaram quase metade da produção global de petróleo e gás em 2024.

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Uma análise pormenorizada dos registos de produção de cerca de 15 000 campos de petróleo e gás em todo o mundo revela que a média global anual da taxa de declínio observada após o pico é de 5,6% para o petróleo convencional e 6,8% para o gás natural convencional. Isso varia muito de acordo com o tipo de campo: os campos de petróleo supergigantes apresentam um declínio médio de 2,7% ao ano, enquanto a média para campos pequenos é superior a 11,6%. Os campos petrolíferos onshore declinam mais lentamente, em média 4,2% ao ano, do que os localizados em águas profundas, com 10,3%. O Médio Oriente, que possui os maiores campos onshore convencionais do mundo, tem a menor taxa de declínio pós-pico observada, de 1,8%, enquanto a Europa, que tem uma quota muito elevada de campos offshore, apresenta a taxa de declínio mais elevada, de 9,7%.

Na ausência de investimento, a oferta cai rapidamente

Juntamente com as taxas de declínio observadas, derivadas do histórico de produção dos campos, é possível estimar a taxa de declínio natural que ocorreria se todo o investimento de capital fosse interrompido. Esses declínios são ainda mais agudos. Se todos os investimentos de capital em fontes existentes de produção de petróleo e gás fossem interrompidos imediatamente, a produção global de petróleo cairia 8% ao ano, em média, na próxima década, ou cerca de 5,5 milhões de barris por dia (mb/d) a cada ano. Isso é equivalente a perder mais do que a produção anual do Brasil e da Noruega a cada ano. A produção de gás natural cairia em média 9%, ou 270 bcm, a cada ano, o equivalente à produção total de gás natural de toda a África de hoje.

As taxas de declínio natural estão a tornar-se mais agudas. Em 2010, as taxas de declínio natural teriam levado a uma queda anual de 3,9 mb/d na produção de petróleo e 180 bcm na produção de gás. As taxas de declínio natural mais acentuadas observadas agora em comparação com 2010 refletem a maior dependência atual de fontes não convencionais, mudanças na composição da produção convencional (como mais campos offshore profundos e LGNs) e uma base de abastecimento maior.

A maior parte das fontes não convencionais de produção de petróleo e gás geralmente apresentam taxas de declínio muito mais rápidas do que os tipos convencionais. Se todos os investimentos na produção de petróleo e gás de xisto fossem interrompidos imediatamente, a produção diminuiria mais de 35% em 12 meses e mais 15% no ano seguinte. Os campos de xisto nos Estados Unidos também estão a tornar-se mais "gasosos", aumentando as taxas gerais de declínio à medida que os campos ricos em petróleo amadurecem.

Sob taxas de declínio naturais, o fornecimento global de petróleo e gás ficaria muito mais concentrado entre um pequeno número de países no Médio Oriente e na Rússia, com implicações para a segurança energética. A maior parte da produção de petróleo nos Estados Unidos provém de fontes não convencionais em rápido declínio, enquanto no Médio Oriente e na Rússia a maior parte do petróleo é produzida a partir de campos supergigantes convencionais em lento declínio. Sem mais investimentos de capital, as economias avançadas enfrentariam rápidos declínios na produção – uma queda de 65% na próxima década –, enquanto os declínios seriam menos acentuados no Médio Oriente e na Rússia (45%).

A indústria do petróleo e do gás precisa de correr rápido para se manter

Se os níveis atuais de produção tiverem de ser mantidos, seriam necessários mais de 45 mb/d de petróleo e cerca de 2 000 bcm de gás natural em 2050 a partir de novos campos convencionais. O investimento em campos convencionais de petróleo e gás existentes – por exemplo, através de manutenção de poços (well workovers), perfuração de preenchimento, injeção de água – retarda o declínio da produção em relação à taxa de declínio natural. Haverá também uma contribuição para o equilíbrio da oferta proveniente de projetos de petróleo e gás que ainda estão em fase de expansão, de projetos que já foram aprovados para desenvolvimento e de investimentos contínuos em recursos não convencionais. Ainda assim, isso deixa uma grande lacuna que precisaria ser preenchida por novos projetos convencionais de petróleo e gás a fim de manter a produção nos níveis atuais, embora as quantidades necessárias pudessem ser reduzidas se a procura por petróleo e gás diminuísse.

Foram descobertos cerca de 230 mil milhões de barris de petróleo e 40 milhões de milhões (trillions) de metros cúbicos (tcm) de gás que ainda têm de ser aprovados para desenvolvimento. Os maiores volumes encontram-se no Médio Oriente, Eurásia e África. O desenvolvimento destes recursos poderia adicionar cerca de 28 mb/d e 1 300 bcm ao equilíbrio da oferta até 2050.

Para preencher a lacuna de abastecimento restante e manter a produção atual até 2050, seriam necessárias descobertas anuais de 10 mil milhões de barris de petróleo e cerca de 1 000 bcm de gás natural. Essas quantidades estão um pouco acima do que foi descoberto anualmente nos últimos anos. O desenvolvimento desses recursos acrescentaria cerca de 18 mb/d e 650 bcm de nova produção de petróleo e gás até 2050.

Nos últimos anos, levou em média quase 20 anos para colocar em operação novos projetos convencionais de upstream. Isso representa o tempo desde a emissão de uma nova licença de exploração até o momento da primeira produção. Isso inclui em média cinco anos para descobrir o campo, oito anos para avaliá-lo e aprová-lo para desenvolvimento e seis anos para construir a infraestrutura necessária e iniciar a produção. Cerca de dois terços dos projetos convencionais de petróleo e gás aprovados nos últimos anos foram expansões de campos existentes, e mais de 70% das aprovações convencionais recentes são offshore.

As taxas de declínio são fundamentais para a modelação e a análise da AIE

Como o abastecimento de petróleo e gás depende cada vez mais de campos com taxas de declínio mais altas e ambientes operacionais complexos, a interação entre decisões de investimento, análise económica e regulamentação moldarão a resiliência da oferta e a estabilidade do mercado. Uma compreensão pormenorizada de como este quadro pode evoluir serve de base à análise da AIE das necessidades de investimento em cada um dos nossos cenários de perspectivas, incluindo aqueles que atingem objetivos climáticos ambiciosos, e informa a nossa análise das implicações destes cenários para a segurança energética, mercados, preços e emissões.

Setembro/2025

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