A privatização da Eletrobras e a implosão da política energética brasileira
A privatização da Eletrobras é a medida de política energética mais radical do Estado brasileiro em mais de setenta anos. Desde 1945, quando
A privatização da Eletrobras é a medida de política energética mais radical do Estado brasileiro em mais de setenta anos. Desde 1945, quando foi criada a CHESF, essa seria a primeira vez que o Governo Federal não teria nenhum instrumento de intervenção direta no setor elétrico brasileiro. De agora em diante, a garantia do suprimento energético brasileiro passaria a depender exclusivamente da iniciativa privada e do mercado.
Nenhum Governo, independentemente da coloração ideológica, ao longo de décadas e décadas, bancou até o fim uma aposta como essa. E isto ocorreu por uma razão muito simples: essa aposta enseja um enorme risco à segurança energética do País.
A manutenção do Estado no setor elétrico, por um lado, sempre garantiu a possibilidade de uma intervenção rápida e incisiva durante aqueles períodos em que a ameaça à estabilidade do suprimento elétrico foge do controle e exige a mobilização de recursos - técnicos, econômicos, financeiros e institucionais - significativos em um curto período de tempo.
Por outro lado, a viabilização dos grandes projetos estruturantes, essenciais à garantia do suprimento de longo prazo, também sempre dependeu dessa presença estatal, sem a qual esses projetos simplesmente não conseguiriam sair do papel.
Desse modo, a presença do Estado brasileiro na produção de energia elétrica, com o objetivo de garantir a segurança do suprimento desse insumo essencial, sempre fez parte de uma opção estratégica desse Estado. Isto ocorre desde os anos quarenta, quando os ditames da industrialização impuseram essa presença.
Portanto, a privatização da Eletrobras representa uma inflexão radical na estratégia energética do Estado brasileiro. No entanto, não há nada no contexto energético brasileiro e internacional que justifique tamanha alteração na política energética do País. Muito pelo contrário.
Face aos desafios impostos pela transição energética, a participação do Estado tem se tornado cada vez mais estratégica nas ações de política energética ao redor do mundo. Independentemente das críticas liberais, essa intervenção tem-se imposto como uma solução necessária no gerenciamento dos grandes custos políticos/institucionais dessa transição.
O cenário mundial do setor elétrico não é aquele dos anos 1990s, no qual a liberalização dos mercados elétricos era apontada como a grande solução para os males do setor. Quer por suas próprias limitações, quer pelo surgimento de questões maiores (aquecimento global/introdução dos renováveis), essa agenda ficou para trás e o setor demanda hoje mais a presença do Estado para fazer face à pesadíssima agenda da transição energética; transição aberta, indefinida e incerta.
No caso brasileiro, o esgotamento do nosso modelo hidro, baseado na regulação proporcionada pela coordenação centralizada do uso dos grandes reservatórios, impõe uma agenda de desafios de estatura significativa para o País. A mudança da base de recursos naturais representa, para qualquer setor elétrico no mundo, um processo extremamente complexo. Principalmente, quando a nova base não está definida. Note-se que não se trata de abandonar a velha base em função das incontestáveis vantagens da nova. Trata-se de abandonar a base tradicional em função da sua exaustão sem contar com o conforto da existência de uma nova. Dessa maneira, a transição elétrica brasileira traz uma combinação explosiva de aumento de incertezas com elevação estrutural de custos e tarifas.
Empurrar para a iniciativa privada e para o mercado a coordenação dessa transição demonstra uma incompreensão completa da natureza dessa transformação profunda na qual o setor elétrico brasileiro está metido. Incompreensão que explica a escolha de uma política energética que expõe o País a um risco de interrupção do suprimento elétrico inaceitável em termos econômicos e sociais.
Em suma, a privatização da Eletrobras é uma proposta completamente extemporânea, que não se justifica tanto sob a luz do que está acontecendo no setor elétrico no mundo e no Brasil, quanto sob os ditames dos requisitos mínimos exigidos de uma política energética em termos de segurança energética.
As justificativas a uma tacada como essa encontram-se longe de uma discussão responsável sobre os graves problemas do setor elétrico brasileiro e próximas à estratégia de um Governo que tem como horizonte político os estreitos limites da sua própria sobrevivência.
FONTE: GGN
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