Privatização da Eletrobras: você paga e eles lucram
Muitos discursos tentam justificar o grande ímpeto do governo para privatizar a Eletrobras e para alterar o marco regulatório do setor elétric
Muitos discursos tentam justificar o grande ímpeto do governo para privatizar a Eletrobras e para alterar o marco regulatório do setor elétrico. Na verdade, essas são medidas direcionadas a beneficiar dois grandes setores: o setor financeiro e os grandes consumidores de energia elétrica [1].
Não é por coincidência que quem está à frente dessas mudanças é Paulo Pedrosa, que, há anos, representa oficialmente os interesses desses segmentos, desde suas longas temporadas na Associação Brasileira de Comercializadores (Abraceel), na Associação Brasileira de Grandes Consumidores Industriais de Energia e Consumidores Livres (Abrace) e, agora, na Secretaria de Energia do Governo Temer.
Na agenda de Pedrosa[2], é necessário descotizar as usinas (extinguindo a lei 12.783/13) para propiciar energia barata para esses setores, aumentando os custos e riscos do consumidor cativo. O consumidor cativo somos nós: consumidor do campo (rural), da cidade (residencial), do comércio e da pequena indústria.
Os consumidores cativos atuam prioritariamente no Ambiente de Contratação Regulado (ACR), em que a energia é comercializada por meio de leilões públicos. Uma classe especial e restrita, os consumidores livres, atua no Ambiente de Contratação Livre – ACL, ou “mercado livre”, no qual os consumidores negociam diretamente com os fornecedores de energia.
A proposta de mudança do marco regulatório do governo quer tirar o risco e os custos associados à livre contratação, exatamente no momento de escassez, e passá-los para nós, consumidores cativos, enquanto reforçam a falta de isonomia entre mercado livre e cativo.
A proposta do governo, portanto, favorece as comercializadoras, os consumidores livres e as bolsas de energia. Foram esses mesmos agentes que se beneficiaram dos baixos preços da energia no mercado livre – o PLD (preço de referência do mercado livre) durante o período 2003-2012.
Coincidentemente (ou não), nesse período as usinas hidráulicas geraram em média 10 vezes mais que as térmicas. Até 2012, havia excesso de energia no mercado livre para ser negociada e, portanto, preços baixos e liquidez abundante.
Entre 2003 e 2006, por exemplo, o PLD médio ficou abaixo de 50 reais o megawatt-hora. Ou seja, enquanto parte da energia era liquidada no mercado em valores que variaram entre 4/MWh e 50/MWh nós pagávamos até 200/MWh pela mesma energia. O mercado livre rendeu lucros exorbitantes para comercializadores e grandes consumidores, enquanto nós, consumidores cativos, ficávamos de fora dessa “festa”.
O gráfico abaixo mostra, em amarelo, o diferencial de preços que beneficiou os consumidores livres.
A série histórica do PLD reforça o argumento de que existe uma tentativa de um pequeno mas poderoso grupo de industriais e bancos de passar a conta de seus riscos para a grande parcela da sociedade. Enquanto o PLD esteve baixo, o consumidor livre se fartou com contratos de energia com valores “baixos e atrativos”.
Agora, no período de baixa hidraulicidade (2014/15 e 2017), as contas no especulativo mercado livre aumentaram, fazendo com que este grupo gritasse, realizasse lobby no Legislativo para reforma do setor e exigisse a privatização da Eletrobras como forma de garantir lastro para os agentes expostos ao risco hidrológico.
Repare que a projeção do PLD na casa dos 534 reais o MWh em agosto/17, coincide com o período de divulgação da privatização da Eletrobras. Por que será? A pressa de mudar a legislação das usinas em cotas está associado à pressão dos conglomerados para levar a energia barata da população para eles e deixar no nosso “lombo” o custo de sua opção em atuar em um mercado volátil.
Não é só por causa da extinção do regime de cotas que o preço da energia vai subir. Existe ainda outra “conta” que querem passar para os consumidores cativos. Trata-se do Generation Scalling Factor – GSF, ou, em português, Fator de Ajuste do MRE - Mecanismo de Realocação de Energia. O MRE é uma forma de compartilhamento do risco entre os geradores hídricos.
A gestão das hidrelétricas no Brasil funciona como um condomínio. As usinas hidrelétricas recebem um certificado de geração (garantia física) e parte do saldo da geração acima ou abaixo desses certificados é dividida entre todas as hidrelétricas. Ou seja, o GSF é uma medida de quanto foi gerado em comparação com os certificados. Quando a geração permanece abaixo dos certificados, isso gera uma conta a ser paga por meio de rateio entre os geradores.
Hoje, o conjunto de geradores hídricos do MRE está gerando abaixo da soma dos certificados que são utilizados como referência para comercialização. A situação de agosto de 2017 é de uma geração que atinge apenas 60% desses certificados e, no acumulado 2017, este valor chega a 86,3%.
No caso de secas e carência de complementaridades por outras fontes, os reservatórios vão esvaziando e o problema torna-se cada vez maior para o conjunto dos agentes, que podem ser impactados de forma diferenciada em virtude da sua estratégia de comercialização. A conta do GSF (gerida pela CCEE) não é barata. Hoje o custo do GSF das usinas do MRE é dividido entre os consumidores livres e cativos. Veja afigura baixo:
O impacto financeiro do GSF é de 45 bilhões de reais para um PLD Médio de 355/MWh, a um fator GSF de 79%. Deste total, 30 bilhões (66%) para o ACR e 14 bilhões para o ACL (33%). Já imaginou o montante que isto pode chegar com os PLDs médios subindo? No mês passado a previsão da CCEE para o impacto financeiro do GSF era de 32 bilhões. Houve aumento na previsão dos custos do GSF de 13 bilhões de um mês para o outro! 40% de aumento em apenas um mês!
O pior é que querem colocar a culpa de um modelo com defeito estrutural nas geradoras do Sistema Eletrobras que fornecem a energia mais barata do Brasil! É muita covardia e má-fé.
A mídia prefere não falar sobre esta conta, referindo-se à mesma sempre de forma genérica enquanto tenta esconder as declarações de especialistas do setor sobre o iminente risco de racionamento, na tentativa de proteger os interesses do mercado financeiro e as medidas propostas por um governo com patamares de aprovação próximos de zero.
A questão é que os setores envolvidos (setor financeiro, comercializadoras e consumidores livres) têm hoje grande força dentro do governo e tudo indica que o governo continuará tomando medidas que os beneficiam em detrimento do restante da sociedade.
Nossa conta de energia (do consumidor residencial, rural, do comércio e de parte da indústria) vai aumentar para favorecer a especulação sobre o preço futuro da energia e propiciar lucros extraordinários para quem comprar os ativos da Eletrobras. A população tem que se mobilizar contra mais este crime de lesa-pátria que tem sido organizado dentro do Palácio do Planalto.
[1]No Setor Financeiro principalmente Bancos e Fundos que atuam no setor Elétrico, como o BTG e a 3G, e empresas que possuem Comercializadoras de energia. Entre os Grandes Consumidores, estão setores da indústria eletrointensiva. Entre as maiores comercializadoras estão: Commex (BTG PACTUAL), TEC (Tractebel) e Votener (Votorantim) e CPFL. Entre as maiores cargas do mercado livre em 2016 estão: 1)Entre os Consumidores Livres, CVRD, Braskem, Anglo American, BRF, WHB, ALCOA, Votorantim, GM e Anglo Niobio; 2)Entre os Consumidores Especiais, Telefonica, Carrefour, Walmart, BRF, JBS e TV Globo, entre outros (Fonte:CCEE 03/2016).
[2] Pedrosa, que hoje rejeita e lei 12.783/13, na época do lançamento da MP 579 que deu origem a lei, apoiou efusivamente a medida (ver artigo do valor econômico de 26/11/2012 – “A MP da competitividade”).
Fontes (gráficos):
CCEE (Info PLD 67, CCEE, slide 168)
CCEE (slide 168, INFOPLD 67 - https://www.ccee.org.br)
CCEE Projeção do MRE – Setembro (Info PLD 66, CCEE, slide 157 - https://www.ccee.org.br )
*A Associação dos Empregados da Eletrobras, fundada em 1983, é uma entidade de direito privado, sem fins lucrativos, com sede na cidade do Rio de Janeiro.
FONTE: Carta Capital
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