Petrobrás: na hora do bônus ficaremos com o ônus
Não sei quantos bilhões de cruzados, cruzeiros e reais a sociedade brasileira investiu na Petrobrás para construir refinarias, terminais, navi
Não sei quantos bilhões de cruzados, cruzeiros e reais a sociedade brasileira investiu na Petrobrás para construir refinarias, terminais, navios, dutos, etc, além de vultosos recursos para exploração de petróleo em território nacional. Acredito que a cifra foi da ordem de centenas de bilhões ou mais. Você até pode questionar se deveríamos ter feito tudo isso com dinheiro público, mas o fato é que já o fizemos, já gastamos esse dinheiro. Essa é a parte do ônus. A boa notícia é que construímos a maior empresa da América Latina com esses investimentos (é a segunda maior empresa de todo o hemisfério sul, inclusive). E o melhor ainda é que encontramos, depois de cinco décadas, enfim, reservas gigantes de petróleo de ótima qualidade! Chegou a hora do bônus, de usufruir desta riqueza, afinal investimos pesado para conquistá-la.
O que está sendo feito? Estamos entregando toda a estrutura e o investimento público feito aos interesses de agentes privados. Estamos desintegrando a empresa que construímos com suados recursos do povo para entregá-la às multinacionais, que recebem ativos consolidados, erguidos com o dinheiro do cidadão. Estamos cada vez mais expostos ao especulativo mercado de óleo e gás, cujos preços flutuam ao sabor da complexa geopolítica, com nenhuma contrapartida. Estamos dolarizando o botijão de gás do pobre assalariado que recebe em reais, sem lhe oferecer algum mecanismo de proteção após o desmonte da estatal.
Na hora do bônus, de usufruir daquilo que construímos justamente para nos proteger da dependência externa, a decisão é pela entrega da empresa mais valiosa que temos. É como construir um grande castelo, vendê-lo a preço depreciado, seguir sem dinheiro e vivendo de aluguel. Nos deixamos embaralhar os olhos por discursos de que "é melhor deixar isso com a iniciativa privada", depois de décadas de dinheiro público investido. Não faz o menor sentido. Tivessem decidido isso lá em 1950, agora é tarde! Não se trata de uma questão ideológica, mas econômica. Depois de gastar centenas de bilhões para construir uma empresa rentável e achar uma mina de ouro em óleo, por que estamos entregando aos pedaços ela aos estrangeiros?
Um contraponto. É igualmente uma sandice achar que a Petrobrás deva hoje fazer tudo sozinha. A iniciativa privada pode e deve nos ajudar nesta caminhada, com absoluta certeza. Os investimentos privados no setor brasileiro de óleo e gás são bem-vindos faz 22 anos, desde a quebra do monopólio estatal em 1997. Hoje, segundo dados da ANP, quase 25% da nossa produção de petróleo vem das multinacionais, 73% da distribuição de combustíveis está nas mãos da iniciativa privada, bem como 82% dos postos de combustíveis. A infraestrutura de gás e o refino ainda têm forte presença estatal, é verdade, mas precisamos realmente quebrar a espinha dorsal da Petrobrás e entregar seus gasodutos e refinarias ou devemos fomentar que outras empresas venham concorrer com ela nestes segmentos também, como já ocorre nos outros elos da cadeia?
Não se trata aqui de querer novamente o monopólio, pelo contrário, que mais empresas venham nos ajudar nesta caminhada. Queremos e precisamos de concorrência e investimento externo, mas não precisamos, para tal, entregar ativos rentáveis que construímos através de décadas com dinheiro público. Não é necessário nem plausível o desmonte da Petrobrás. Isso não é fomentar a concorrência, é a transferência do patrimônio público para o privado, justamente quando ele está dando lucro, quando estamos colhendo os frutos de anos de dinheiro investido. Na hora do bônus ficaremos com o ônus?
Marcelo Gauto é químico industrial e especialista em petróleo e gás
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