O establishment e a mídia simpatizam com o movimento "Fridays for Future"
Quando centenas de milhares de pessoas – muitos delas escolares – vão às ruas em mais uma manifestação sobre alterações climátic
Quando centenas de milhares de pessoas – muitos delas escolares – vão às ruas em mais uma manifestação sobre alterações climáticas, pode-se perguntar: até que ponto este protesto não faz parte do status quo?
A greve escolar da ativista climática sueca Greta Thunberg, em agosto último, foi pouco mais do que um espetáculo para editores de jornais e equipes de TV. Mas a "greve escolar" destes cruzados adolescentes ganhou força e o movimento "Sextas-feiras pelo futuro" ("Fridays for Future") cresceu.
Agora, após o discurso emotivo de Thunberg na Cimeira de Ação Climática da ONU, segunda-feira, centenas de milhares de grevistas climáticos por todo o mundo congestionando as ruas na sexta-feira, pedindo aos governos que declarem um estado de emergência, cortem emissões de carbono, penalizem a ingestão de carne e matem o automóvel, escolhendo algumas da suas propostas.
Mas estes radicais – como teriam sido chamados não muito tempo atrás – não estão se deparando com os cassetetes, o gás lacrimogênios e as balas de borracha que o Estado utiliza habitualmente para reprimir dissidentes. Os meios de comunicação não estão a difamar aqueles que participam das suas fileiras classificando-os como racistas e minimizando o número de participantes. Tão pouco, estas multidões que ocupam as ruas de cidades arriscam-se a sofrer ferimentos e mutilações .
A própria ideia de "protesto" implica alguma resistência, alguma injustiça do Estado a ser superada. Protestatários do clima argumentariam que não está a ser feito o suficiente para remediar o calor sobre a terra – e este é um debate que vai além do âmbito deste artigo – mas governos, mídia e representantes do poder têm ajudado Thunberg e o movimento de protesto a cada passo do caminho.
Os protestos dos "Coletes amarelos" em França começaram em oposição a um aumento do imposto sobre combustíveis e depararam-se com toda a violência acima descrita, semana após semana. Thunberg, em contraste, foi convidada a discursar no parlamento francês em Julho último. O mesmo aconteceu com os seus comparecimentos no Fórum Económico Mundial em Davos, no princípio deste ano, com os seus discursos perante o parlamento britânico e o Congresso dos EUA, bem como com o seu mais recente comparecimento perante a ONU. Em todas estas ocasiões, líderes políticos mundiais desenrolaram o tapete vermelho e mantiveram a porta aberta para que ela lhes desse lição.
A cobertura de Thunberg e dos protestos climáticos na mídia tem sido esmagadoramente favorável – com The Guardian a comparar o seu discurso de segunda-feira ao pronunciamento de Abraham Lincoln em Gettysburg pelo seu significado histórico e com a New York Magazine a chamá-la de "a Joana d'Arc da alteração climática". Os Coletes Amarelos, para continuar a comparação, são descritos como uma ralé de anti-semitas e de "notórios negadores do Holocausto", com base nas acções de uma minúscula minoria de protestatários.
Os grevistas escolares e os cruzados do clima desfrutam de apoio universal. "Estamos no princípio de uma extinção em massa e tudo o que vocês falam é acerca de dinheiro e contos de fadas de eterno crescimento econômico", repreendeu Thunberg aos líderes na segunda-feira. Contudo, mesmo as corporações mundiais saltaram a bordo do vagão da banda eco, sempre ansiosas por dar um sinal de virtude ao seu objectivo de mais alguns dólares, ainda que as suas próprias credenciais verdes sejam no mínimo suspeitas.
Se os protestos estão a ser apresentados como uma narrativa de Davi e Golias com crianças a falarem a verdade ao poder e imporem responsabilidade à elite, por que então a elite as apoia tão calorosamente? Um optimista diria que estes líderes vêem finalmente a necessidade da acção climática urgente. Afinal de contas, o clamor público sobre o buraco na camada de ozono na década de 1980 levou à adopção de uma proibição memorável de produtos químicos em 1987. E, três décadas mais tarde, no ano passado, a NASA revelou provas de que a camada de ozono está a recuperar-se.
Um cínico argumentaria que os escalões superiores podem se beneficiar de alguma maneira. E isso também é verdade. Vários conglomerados das principais instituições financeiras do mundo, apoiados por grupos de reflexão neoliberais como o Atlantic Council, já manifestaram interesse em por as mãos sobre fundos públicos a fim de financiar empreendimentos verdes da indústria, particularmente nos países em desenvolvimento. Aquilo a que alguns chamam de crise, eles chamam de " oportunidade climática ".
Abordar a mudança climática também apresenta a políticos com mania de controle oportunidades infindáveis para pressionar por leis que de outra forma seriam intragáveis. Mais de 100 parlamentares norte-americanos no Congresso apoiam o "Novo acordo verde" ("Green New Deal"). Dentre eles estão alguns candidatos à presidência e Alexandria Ocasio-Cortez, a megalomaníaca congressista de Nova York que no mês passado recebeu Thunberg naquela cidade após a sua travessia do Atlântico neutra em carbono.
Além de medidas para afastar os EUA dos combustíveis fósseis e substituir as viagens de avião e carro por alternativas mais ecológicas, a legislação do Green New Deal de Ocasio-Cortez vem empacotada junto com uma lista de desejos progressista de assistência médica universal, aumento do salário mínimo, redistribuição de riqueza e controle do governo da indústria – tradicionalmente um anátema para os eleitores americanos. Todos estes apelos exigem impostos mais altos e expansão de poder do governo federal.
Seja por interesse próprio ou por benevolência, o movimento de protesto climático desfruta do apoio da elite e retirar a sexta-feira das escolas a fim de manifestar é garantia de um protesto seguro. Faltar à escola normalmente daria aos faltosos uma repreensão ou uma conversa severa, mas cada vez mais professores estão a unir-se às greves e a incentivar seus alunos a participarem.
Quando eu era adolescente, não nos davam dia de folga para protestar contra a invasão do Iraque. Ao invés disso, escapávamos, vestíamos nossos jeans e casacos com capuz e apanhávamos um autocarro para edifícios do governo. O protesto era sentido como transgressivo e anti-establishment.
Proteste num dia de folga. Negue a seus pais e à geração deles a única possibilidade significativa numa semana bem ocupada de passar algum tempo consigo. Afinal, como disse Thunberg, os adultos "roubaram meus sonhos e minha infância com suas palavras vazias".
Um protesto deixa de ser um protesto quando é a favor do establishment. Uma vez que ele alcance este ponto de inversão, as pessoas começam a sondar intenções mais profundas e duvidosas dos protestatários e o apoio corporativo é um dobre de finados para a sua autenticidade.
A maior parte das pessoas que se queixam acerca dos manifestantes climáticos não detestam Greta Thunberg por aquilo que ela é. Elas apenas não gostam de serem amedrontadas para pensarem de um certo modo pelas forças combinadas de ativistas, de corporações, dos meios de comunicação e do Estado, não importa quão correto ou errado seja esse caminho.
27/Setembro/2019
O original encontra-se em www.rt.com/news/469789-greta-climate-protests-allowed/
Fonte: Resistir.Info
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