
A Era dos Estados Civilizacionais e o Desafio Brasileiro
Chegou a hora de escolher: ser colônia ou ser civilização.
A cúpula da Organização de Cooperação de Xangai (OCS) reuniu, em um mesmo palco, líderes de civilizações milenares — não apenas de países, mas de verdadeiros blocos históricos que carregam consigo a memória profunda da humanidade.
Vladimir Putin, Xi Jinping e Narendra Modi representam civilizações que, mais do que sobreviver ao tempo, souberam reconstruir-se sobre suas próprias tradições, reafirmando valores, princípios e soberania diante da decadência de um Ocidente em crise de identidade.
O filósofo russo Alexander Dugin, diretor do Instituto Tsargrad, sintetizou esse momento com clareza:
“Entramos na era dos Estados civilizacionais — Rússia, China e Índia emergem como os três polos de um mundo multipolar.”
Três pólos diferentes em tamanho, recursos e poder, mas iguais em algo essencial: a independência de seus rumos e a fidelidade a seus próprios sistemas de valores:
- Três potências que se reencontram como pólos autônomos de uma nova ordem multipolar;
- Enquanto o Ocidente, por outro lado, vive sua fase terminal, corroído por contradições internas e por uma agenda que se desconectou completamente de suas raízes culturais e espirituais.
Para Dugin, a Rússia deixou de se enxergar como parte do Ocidente. Reconheceu-se como o centro de uma civilização própria, herdeira do cristianismo bizantino e da tradição greco-romana. A China, por sua vez, resgata seu núcleo confucionista — modernizando-se sem renegar sua essência. E a Índia, sob a liderança de Modi e do Partido Bharatiya Janata, afirma-se como civilização védica, buscando “descolonizar sua própria consciência” diante de séculos de dominação ocidental.
Dugin é incisivo ao afirmar:
“Nós não fazemos parte do Ocidente; o Ocidente é uma versão degenerada de nós.”
O filósofo aponta que a Europa e os Estados Unidos romperam com o código civilizacional que os formou — cristão, racional e comunitário — para adotar um modelo neoliberal, identitário e individualista, que fragmenta a sociedade e destrói os próprios fundamentos da civilização que um dia proclamaram representar.
O Brasil, naturalmente, não é citado diretamente por Dugin — e há uma razão clara para isso: somos um país de apenas cinco séculos, ainda em construção identitária, cultural e civilizacional.
Contudo, nesse contexto de reconfiguração global, o Brasil é desafiado a compreender o sentido dessa “era civilizacional”:
- Trata-se, acima de tudo, da recuperação da soberania;
- Da afirmação de uma identidade nacional;
- E da recusa à tutela econômica e cultural do Ocidente.
Enfim, ainda que não sejamos antiocidentais, buscamos um caminho próprio — um modelo de desenvolvimento Sul-Sul, com base na cooperação, na justiça social e na pluralidade cultural.
Por exemplo, defendemos uma reforma das instituições internacionais, como o Conselho de Segurança da ONU e o sistema financeiro global, para refletir uma multipolaridade mais justa e inclusiva, mas, internamente, nossas fragilidades são evidentes:
- O Brasil vive hoje sob a ameaça de uma oligarquia moderna, uma mistura tóxica de neoliberalismo financeiro, milicianismo político e corrupção estrutural;
- Uma aliança informal entre o poder econômico, concentrado na Faria Lima e o poder político contaminado por interesses particulares, que impede que o Estado exerça plenamente sua soberania e que a sociedade avance em direção a um projeto de Nação.
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O Banco Central “independente”, comandado de fato pelo sistema financeiro, é a expressão máxima desse aprisionamento:
- O coração da economia nacional foi entregue a interesses privados, alheios ao projeto de desenvolvimento do país;
- Enquanto isso, o Congresso, em grande parte cooptado, transforma-se em palco de disputas superficiais entre “bois azuis e vermelhos”, desviando o foco do verdadeiro conflito — o embate entre soberania nacional e subordinação neoliberal.
Ademais, essa dominação econômica se entrelaça com um processo cultural corrosivo:
- O Brasil é atravessado por uma espécie de neopentecostalismo político, que mistura religião, poder e manipulação de massas;
- Ao mesmo tempo em que a cultura popular é sufocada e a crítica social é demonizada.
Nesse cenário, valores como solidariedade, comunidade e ética pública são substituídos pela fé no dinheiro e pela lógica do “salve-se quem puder”, típica do capitalismo de cassino que domina o país:
- O resultado é o enfraquecimento do Estado;
- O desmonte da coesão nacional;
- E o avanço da desigualdade.
Assim, sem soberania sobre seu próprio território e sua própria economia, o Brasil corre o risco de permanecer uma colônia moderna — dependente das decisões de bancos, fundos e conglomerados globais. Enfim, nos encontramos entre a civilização e o caos.
Em diálogo com o pensamento de Dugin enxerga na união entre Rússia, China e Índia um renascimento civilizacional, um movimento de retorno às origens como condição para o futuro.
O Brasil, em contrapartida, ainda precisa encontrar o seu próprio núcleo — espiritual, cultural e político — para não ser apenas um espectador da história.
O desafio brasileiro é construir uma civilização brasileira, que não copie o Ocidente nem se submeta a ele, mas que também não caia na armadilha de elites locais que reproduzem o mesmo modelo de dominação sob novas máscaras:
- Enquanto não resgatarmos o sentido profundo de Nação, continuaremos oscilando entre o delírio neoliberal e o populismo messiânico;
- Ambos instrumentos de controle e alienação.
O mundo caminha para uma nova ordem multipolar, onde as civilizações — e não apenas os Estados — voltam a ser os verdadeiros atores históricos. E o Brasil precisa decidir: ser parte viva dessa transformação ou continuar prisioneiro de seu próprio atraso.
Há algo de simbólico no horizonte. As velhas estruturas ruem, e as nações buscam novamente o chão sob os próprios pés:
- O Brasil, com sua mistura única de povos, culturas e esperanças, ainda pode ser a civilização da conciliação, o espaço onde o Sul encontra sua voz e o humano reencontra o coletivo;
- Mas, para isso, é preciso romper as amarras do medo, da servidão e da dependência.
Nosso tempo exige coragem — a coragem de dizer não aos que vendem o País como mercadoria, e sim àqueles que o sonham como destino.
Se Rússia, China e Índia representam civilizações que renascem de milênios, o Brasil pode ser a civilização que nasce do futuro — mestiça, plural, solidária, aberta ao mundo, mas senhora de si.
Chegou a hora de escolher: ser colônia ou ser civilização.
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