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Roberto D'Araújo

A "ineficiência" da Eletrobras

Apesar da singularidade no seu sistema físico, o Brasil escolheu a Inglaterra como o seu espelho para o setor elétrico, inclusive com a contrat

Publicado em 24/11/2017
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Apesar da singularidade no seu sistema físico, o Brasil escolheu a Inglaterra como o seu espelho para o setor elétrico, inclusive com a contratação de consultores ingleses. A década de 90, pródiga em aplicar receitas genéricas independentes das características físicas, foi uma espécie de "One size fits all" no mundo comercial. Claro que a adoção de um modelo competitivo sobre o sistema brasileiro exigiu uma intricada adaptação.

Para exemplificar, aqui uma usina não comercializa a sua própria energia, mas sim uma fração da energia total do sistema. Essa "parcela" é determinada por uma complexa e subjetiva metodologia que "emite" um certificado que registra a "importância da usina", a sua "garantia física". Portanto, não podemos sequer ficar surpresos com a excentricidade de térmicas que vendem energia mesmo desligadas!

Em 1995, não foi apenas essa mercantilização da eletricidade que foi "inaugurada". Na década de 90, vendemos 26 empresas do setor. Por atenderem Estados carentes, as distribuidoras problemáticas foram "empurradas" sobre a Eletrobras, que foi obrigada a "comprá-las". As mais rentáveis foram todas privatizadas.

Enquanto isso, sob a política de privatização ampla, a mesma Eletrobras foi proibida de realizar investimentos previstos em planos de expansão, pois obrigações de gastos poderiam desvalorizá-la. Pois bastou uma seca média em 2001 para que essas decisões mostrassem seus efeitos: racionamento de 25% da carga e inadimplência no Mercado Atacadista de Energia. O efeito de longo prazo foi o encolhimento do consumo total do sistema em 15%. Pode parecer pouco, mas, esse percentual equivale a um crescimento de 4 anos da demanda.

Como já é comum no Brasil, eventos nefastos não são suficientes para análises profundas. Apesar do óbvio prejuízo, a descontratação das usinas da Eletrobras foi mantida pelo novo governo em 2003. O resultado foi o de hidroelétricas gerando sem contrato e liquidando essa geração por menos de R$ 10/MWh no "mercado". Ao contrário do cenário desalentador precedente, o número de agentes no mercado livre (consumidores, comercializadores, produtores) explodiu. Em menos de 4 anos, essa presença subiu mais de 1.000%, pois o derrame de energia quase gratuita era um convite irrecusável.

O sistema criou uma prática curiosa. Um preço "spot" determinado por um modelo matemático incentivou estratégias de curto prazo, e, como não podia deixar de ser, o mercado livre não atraiu investimentos. Na realidade, a expansão da oferta continuou capitaneada pelo mercado cativo, que, ao contrário do seu oposto, sofria aumentos de tarifas constantes. Para tentar "animar" os investidores privados, que já contavam com empréstimos subsidiados do BNDES, o governo, mais uma vez, convocou a Eletrobras para se associar minoritariamente em diversos projetos privados que, hoje, se mostram deficitários.

Caso a Eletrobras seja privatizada, esgotam-se as ideias e mantêm-se os defeitos do sistema

Esse efeito "carona" do mercado livre foi uma das razões da carga total do sistema ter perigosamente "tangenciado" a "garantia física" do sistema de 2009 até 2013. Na realidade, segundo dados da Câmara de Comercialização de Energia (CCEE), a carga ultrapassou a garantia em diversos meses. Qual a surpresa? Com cerca de 1/4 da carga total ancorado em contratos curtos e sem usinas que o suportassem, evidentemente estávamos "abusando" da segurança do sistema.

Em 2008, em mais uma travessura matemática típica do modelo mimetizado, um leilão deixou o mercado decidir que grande parte de térmicas contratadas seriam à base de óleo combustível e diesel. No singular sistema brasileiro, onde usinas não vendem o que geram, dado o alto custo dessas energias e o já caríssimo nível das tarifas, "contratou-se também" o maior uso de hidráulicas. Sem surpresas, o nível da reserva despencou do equivalente a 4 meses de carga para menos de 1,5 meses. Como sempre, São Pedro levou a culpa.

Tarifa nas alturas, perspectivas de aumento substancial do custo de operação e, evidentemente, mais tarifas. O que fazer? Ajudado pela Fiesp, em 2012 o governo resolve "aceitar" a tese de que as tarifas estavam altas por conta do preço "cobrado" por usinas antigas. Esse assunto era alardeado como se as usinas da Eletrobras tivessem decidido esses preços. Na realidade, foi tudo definido em leilões, e, mesmo assim, essa energia era bem mais barata do que a de usinas novas.

O que fazer? Mais uma vez, a Eletrobras foi usada para "compensar" os efeitos adversos do modelo. Por meio de medida provisória, com uma metodologia subjetiva e incompleta, impôs-se preços 90% mais baixos às usinas com o prazo de concessão por vencer. Essa política cometeu dois violentos erros: isentou-se da explosão tarifária todas as outras razões e anulou-se a capacidade de autofinanciamento de parte significativa dos ativos do setor.

Tarde demais! Bastaram alguns anos secos e o já conhecido decrescimento de afluências do Rio São Francisco para que, mais uma vez, o aumento do custo de operação disparasse. Agora, um outro grave problema emerge da complexidade do período de "abuso". O certificado de "Garantia Física" do sistema, a base do virtual modelo mercantil vigente desde 1995, mostra sem sombra de dúvida que está superavaliado. Como símbolo máximo da bizarrice, hoje, com os reservatórios vazios, custos acima de R$ 700/MWh, por incrível que pareça, estamos com "sobras" de garantia!

As hidráulicas estão penduradas em déficits bilionários, pois não conseguem gerar a sua "garantia", a mesma que ultrapassaram em mais de 30% no período do abuso. É um incrível sistema em que saldos não compensam déficits. Hoje, estamos perigosamente voltando no tempo. Inadimplência no mercado, estatais fragilizadas por exercerem papel de socorro, tarifas explosivas, e, pior, um déficit fiscal equivalente a mais de 20 vezes a privatização da Eletrobras.

Como se pode concluir, a ineficiência não foi exatamente da Eletrobras, mas sim do sistema que, apesar de mostrar suas distorções, é mantido por forças políticas "aparentemente" antagônicas. Caso a Eletrobras seja privatizada, esgotam-se as ideias e mantêm-se os defeitos.

Roberto Pereira d'Araujo é diretor do Ilumina - Instituto de Desenvolvimento Estratégico do Setor Elétrico

FONTE: Valor Econômico

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