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Luiz Fernando de Paula
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Rafael Moura

A Lava Jato e a crise econômica brasileira

No dia 1 de janeiro de 2011,quando Presidente Lula entregou a faixa presidencial paraDilma Rousseff, o ambiente envolvendo o Brasil e

Publicado em 06/08/2019
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No dia 1 de janeiro de 2011, quando Presidente Lula entregou a faixa presidencial para Dilma Rousseff, o ambiente envolvendo o Brasil era de enorme otimismo. Tamanho otimismo parecia corroborado por indicadores recentes até então: no plano econômico, o país acabava de registrar uma impressionante taxa de crescimento do PIB na ordem de 7,5% a.a., uma das maiores vistas na Nova República. Concomitantemente, em plena crise financeira global, o governo adotara um conjunto de medidas keynesianas anticíclicas a partir do final de 2008, que permitiram uma rápida recuperação econômica e contínua queda dos níveis de desemprego.

Na esfera política, por sua vez, Dilma herdava uma enorme popularidade e base congressual relativamente confortável para a implementação de sua agenda. Oito anos depois, o quadro se reverteu dramaticamente. No plano econômico, o crescimento marcante na década de 2000 deu lugar a uma desaceleração gradual seguida de forte recessão em 2015 e 2016, acompanhada de agudo aumento do desemprego (de 4,9% em fins de 2014 – a menor taxa já registrada – para 11,2% em maio de 2016 quando a presidente deixa o cargo).

Já na esfera política, o cenário das eleições altamente polarizadas de 2014 se deteriorou e assistiu a mobilizações contra Dilma Rousseff e o PT, para além da relação cada vez mais conflituosa entre o Poder Executivo e o Legislativo capitaneado por Eduardo Cunha.

O desfecho desse quadro foi a deposição da mandatária via um contestado processo de impeachment tendo como alegação o discutível
argumento de “pedaladas fiscais”. Intimamente imbricada a toda essa turbulência econômica e política do país esteve a Operação Lava Jato, formalizada a partir de 2014 e com contribuição imprescindível tanto para a crise política quanto econômica. A Operação se mostrou nevrálgica para o desfecho visto em duas cadeias produtivas até então pujantes e interligadas da economia: a de petróleo e gás e a de construção civil.

Iniciada “oficialmente” com as prisões do diretor Paulo Roberto Costa e do doleiro Alberto Yousseff em abril de 2014, a mesma rapidamente resultou em uma devassa investigativa sobre vários contratos entre Petrobras e empreiteiras, com bloqueio de centenas
de contas totalizando cifras acima de US$ 400 milhões. Seu ápice se deu em outubro com o vazamento da delação premiada de Yousseff ao Ministério Público Federal desnudando o esquema, seguida pela Operação “Juízo Final” que levou à prisão de altos executivos das maiores construtoras. A alta exposição das mesmas acabou contribuindo para uma completa paralisia decisória e revisão de inúmeras atividades produtivas entre as mesmas e a Petrobrás.

Cabe destacar que a atenuação da política econômica ortodoxa praticada durante o governo Lula I, somada a um papel crescentemente
ativo por parte do BNDES a partir de 2007, além do deslanche do Programa de Aceleração do Crescimento – PAC visando acelerar o
crescimento através de investimentos em infraestrutura, representaram o prelúdio do último ciclo de expansão do setor de engenharia na história brasileira. Tal revitalização do intervencionismo estatal e das capacidades burocráticas de planejamento estratégico foi fundamental para uma maior inserção da infraestrutura na agenda pública nacional, corporificada na construção e concessões de ferrovias, rodovias, aeroportos e portos objetivando minimizar o Custo Brasil. São justamente tais investimentos em setores intensivos na absorção de mão de obra que garantiram, junto com o aumento no setor de serviços, que Dilma terminasse seu primeiro mandato em uma situação próxima ao pleno emprego.

Não pretendemos aqui apontar a Lava-Jato como variável causal de todas as mazelas da economia brasileira; buscamos tão somente
mensurar os impactos econômicos mais imediatos do episódio sobre setores diretamente afetados. Não é tarefa fácil estimar o impacto agregado da Operação Lava Jato sobre a economia. Consultorias como GO Associados e Tendências, por exemplo, calculam algo em torno de 2 a 2,5% de contribuição nas retrações do PIB de 2015 e 2016 respectivamente, em função dos impactos nos setores metalomecânico, naval, construção civil e engenharia pesada, cujas perdas podem totalizar até R$ 142 bilhões.

Os principais efeitos da crise se concentraram na indústria de construção civil, sofrendo com a paralisia resultante da retração aguda
dos investimentos estatais pelos efeitos da Lava Jato. Os indicadores são impressionantes: entre 2014 e 2017, o setor registrou saldo negativo entre contratações e demissões de 991.734 vagas formais (com preponderância na região Sudeste); entre 2014 e 2016, representou 1.115.223 dos 5.110.284 (ou 21,8%) da perda total de postos da população ocupada no período; e, desde o segundo trimestre de 2014 até o último de 2018, apresentou forte retração em suas atividades.

Quando analisamos as maiores empreiteiras, seu desmonte e descapitalização também são notórios. Os dados levantados pelo jornal O Empreiteiro mostram que somente entre 2015 e 2016, por exemplo, Queiroz Galvão, Andrade Gutierrez e Camargo Corrêa tiveram queda em suas receitas brutas de, respectivamente, 37%, 31% e 39%. Entre 2016 e 2017, a Odebrecht assistiu a um recuo de 40% do mesmo indicador; enquanto a Camargo Corrêa de 41% e a Queiroz Galvão, de 24%. A Odebrecht é o caso mais emblemático: a maior construtora nacional tinha, em 2014, um faturamento bruto de R$ 107 bilhões, com 168 mil funcionários e operações em 27 países. Em 2017 – três anos e meio após a eclosão do escândalo e com seu presidente/herdeiro preso – seu faturamento era de R$ 82 bilhões, com 58 mil funcionários e atividades apenas em 14 países.

Outras gigantes do setor – Queiroz Galvão, OAS, Andrade Gutierrez e Camargo Corrêa – também assistiram a um derretimento conjunto de seus ativos financeiros consolidados de uma ordem de R$ 25,77 bilhões em 2014 para aproximadamente R$ 8,041 bilhões em 2017 (perda de 68,57%).

Muitas das empreiteiras, obrigadas a executarem planos de desinvestimentos para adequarem-se ao novo cenário de menos projetos e obras, além de arcarem com pesados acordos de leniência junto às autoridades, também se desfizeram de muitos ativos para grupos estrangeiros: Odebrecht inicia processo de venda da subsidiária Braskem – até então a maior firma petroquímica da América Latina, produtora de biopolímeros com participação expressiva da Petrobras – ao grupo holandês LyondellBasell; Andrade Gutierrez vende seu controle sobre a OI para acionistas holandeses e portugueses; Camargo Corrêa vende a CPFL para a chinesa State Grid.

Num intervalo de quatro anos a cadeia produtiva direta da Petrobras
teve perda de quase 260 mil postos de trabalho formais e informais


No que tange ao setor de petróleo, o escândalo envolvendo o cartel montado entre a estatal e demais empresas se dá em meio a uma forte queda no preço da commodity, afetando os resultados financeiros da Petrobrás, que apresentam graves prejuízos líquidos de R$ 26,6 bilhões no último trimestre de 2014 e de R$ 36,9 bilhões no último trimestre de 2015. A crise fez a empresa arrefecer seu volume de investimentos do montante aproximado de US$ 48,826 milhões em 2013 para US$ 15,084 milhões em 2017: uma retração de quase 70%. As inversões da estatal caem de 1,97% do PIB em 2013 para 0,73% do PIB em 2017 e de 9,44% do volume total de investimentos (FBKF) para 4,69% no mesmo recorte. Dentro do próprio conjunto de investimentos públicos, o volume responsável pela Petrobras também caiu de 49,3% em 2013 para 36,5% em 2017. Essa retração aguda da atuação da empresa reverberou no corpo de funcionários e em inúmeros projetos junto a outras firmas, contribuindo para uma redução dos trabalhadores empregados formalmente no Sistema Petrobras de 86.108 para 68.829 entre 2013 e 2016, e de 360.180 para 117.555 entre os terceirizados no período equivalente. Ou seja, num intervalo de quatro anos a cadeia produtiva direta da empresa teve perda de quase 260 mil postos de trabalho formais e informais.


A crise no setor de petróleo em função do escândalo da Petrobras, somada à nova inclinação programática liberalizante do governo Temer (mantida por Bolsonaro), levou a uma reversão radical da política para o setor e venda maciça de refinarias e ativos da estatal. A Petrobras se desfez de 90% de seus ativos relativos a uma rede de dutos do Sudeste – Nova Transportadora Sudeste (NTS) – para o grupo canadense Brookfield e da rede de gasodutos e transportes nas regiões Norte e Nordeste – TAG – para o grupo francês Engie.

Em síntese, o segmento de petróleo e gás foi a ponta de lança do processo de desestruturação econômica e desmonte da engenharia e infraestrutura do Brasil; acentuando uma tendência grave de desnacionalização de nossas atividades produtivas no geral. A desestruturação desses dois setores – construção civil e petróleo/gás – contribuiu sobremaneira, por um lado, para o aprofundamento da crise econômica a partir de 2015, da qual não nos recuperamos até momento; de outro, levou à desestruturação de alguns dos poucos setores em que o capital doméstico era forte e competitivo a nível internacional. Não é pouca coisa.

*   Luiz Fernando de Paula é professor do IE/UFRJ e coordenador do Geep/Iesp/Uerj.

** Rafael Moura doutorando do Iesp-Uerj e bolsista Faperj Nota 10.

Fonte: Jornal Corecon-RJ

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