A ordem mundial tripartida e a guerra híbrida mundial
O general Mark Milley, a mais alta patente militar americana, recentemente veio a público com uma revelação de sua lavra: o mundo já não é
O general Mark Milley, a mais alta patente militar americana, recentemente veio a público com uma revelação de sua lavra: o mundo já não é unilateral (com os EUA como a indiscutível potência hegemônica mundial) ou bilateral (como era com os EUA e a URSS a equilibrarem-se simetricamente num tango íntimo de destruição mútua assegurada). É agora tripartido, com três grandes potências – os EUA, a Rússia e a China – a entrarem numa "guerra tripolar". Esta é a expressão exacta que terá usado no Fórum de Segurança de Aspen, a 3/Novembro/2021.
Isto parece estranho, uma vez que nem a Rússia nem a China estão ansiosas por atacar os EUA ao passo que os EUA não estão em condições de atacar nenhuma das duas. Os EUA acabam de ser derrotados num conflito de duas décadas contra um adversário de quarta categoria (ou seja, o Afeganistão) da forma mais humilhante possível, abandonando US$80 mil milhões de material de guerra e desamparando milhares dos seus fiéis servidores numa retirada precipitada que equivaleu a uma derrota. Estão prestes a sofrer um destino semelhante na Síria e no Iraque. A sua Marinha acabou de ser humilhada numa escaramuça menor com os iranianos por causa de um petroleiro. Claramente, os EUA não estão em condições de atacar ninguém.
Então, o que é que Milley poderia querer dizer? Ele pode não parecer inteligente, mas é o homem mais poderoso do Pentágono. É claro que Milley-Vanilley [1] poderia estar apenas a reproduzir alguma música estúpida saída da Casa Branca (que atualmente está cheia com imbecis de primeira apanha). Isto faria sentido, uma vez que ao longo da sua carreira Milley evitou cuidadosamente qualquer coisa que se parecesse a ações militares reais e, portanto, implicasse a possibilidade de derrotas. Em vez disso, optou por se concentrar em coisas como a produção de um relatório sobre o impacto das alterações climáticas entre os militares dos EUA.
Os generais Mark Milley e Valery Gerasimov
Eis aqui Milley fotografado durante um dos seus momentos de maior orgulho, ao lado do general russo Valery Gerasimov, que viu o combate – e a vitória – como comandante durante a Segunda Guerra da Chechénia. Gerasimov foi então autor da doutrina de guerra híbrida da Rússia (a Doutrina Gerasimov), a qual permite alcançar objetivos estratégicos e políticos através de meios não militares, mas com apoio militar e segredo de estilo militar, disciplina, coordenação e controle. Em comparação, o nosso general Milley é algo como um general recortado em papelão, com um cordel que faz o seu maxilar inferior mover-se para cima e para baixo levando a algum lugar dentro do pântano dos think tanks de Washington e dos lobistas da indústria de defesa.
A Doutrina Gerasimov tem uma semelhança incrível com a doutrina chinesa da guerra ilimitada, indicando que a Rússia e a China se harmonizaram nas suas estratégias defensivas. Estas doutrinas foram concebidas para amplificar as vantagens naturais da China e da Rússia, colocando os EUA numa desvantagem máxima. Não é imediatamente claro se Milley é capaz de compreender tais questões. Muito pelo contrário, é provável que a sua segurança no emprego e carreira dependesse criticamente da sua incapacidade de compreender qualquer coisa acima do seu nível de remuneração. No entanto, uma vez que ele é o porta-voz de toda esta confusão ímpia, precisamos pelo menos tentar considerar as suas palavras pelo valor facial e tentar pensar o que a sua "guerra tripolar" poderia significar.
Tanto a doutrina russa da guerra híbrida como a doutrina chinesa da guerra ilimitada dão uma vantagem aos países com estruturas de controlo rigorosas e centralizadas (ou seja, a China e a Rússia), enquanto prejudicam gravemente os EUA, que têm uma elite de poder difusa e internamente conflituosa dividida entre dois partidos e entre muitas agências governamentais e entidades privadas concorrentes com muitas oportunidades tanto para espionagem interna e externa como para infiltração e fugas de informação nos media.
As vantagens da Rússia estão nas armas avançadas contra as quais os EUA não têm contra-medidas, tais como mísseis hipersônicos e sistemas de guerra por rádio, bem como numa enorme e só parcialmente explorada base de recursos, especialmente de recursos energéticos. A vantagem da China reside numa mão-de-obra enorme e altamente disciplinada que produz uma vasta gama de produtos que os EUA têm de importar continuamente para evitar que toda a sua economia se feche devido a rupturas na cadeia de abastecimento. Por outro lado, tanto a China como a Rússia encontram-se em desvantagem em enfrentar a grande e bem oleada máquina que os EUA têm desenvolvido pela sua habitual intromissão nos assuntos de outras nações e pelo enfraquecimento da sua soberania natural. Existe uma série de mecanismos, desde exportações culturais a campanhas publicitárias associadas a marcas populares até iniciativas nos media sociais destinadas a corromper a mente dos jovens, a fim de exercer a influência dos EUA sobre outras nações.
As respostas chinesa e russa a esta ameaça são quase diametralmente diferentes: enquanto a China constrói firewalls e usa controlos sociais rigorosos para conter a ameaça, a estratégia da Rússia é permitir que a infecção estrangeira se difunda à vontade e deixar que o sistema imunitário inato da sua nação crie anticorpos contra ela e a neutralize. A Rússia traça as suas linhas vermelhas com a propaganda directa de compra e venda do inimigo, incitamento à rebelião armada, defesa do terrorismo, propaganda de perversão sexual entre crianças, etc. Deste modo, a Rússia pode não só compensar esta desvantagem como também transformá-la na sua própria vantagem: enquanto o Ocidente está a tornar-se cada vez mais antidemocrático e autoritário com os seus infindáveis requisitos de correcção política, requisitos de biodiversidade social e a busca de uma vida melhor através do acasalamento não-reprodutivo, terapia hormonal e mutilação genital, a Rússia permanece uma terra livre, com uma perspectiva social saudavelmente conservadora que é bastante atraente para os povos de todo o mundo e está a tornar-se cada vez mais atraente para muitos povos no Ocidente à medida que se tornam penosamente conscientes dos salários do pecado.
Por que concentrar-se em guerra híbrida/ilimitada ao invés de um conflito nuclear ou militar convencional entre os EUA e a China e/ou a Rússia? Isto porque tanto o conflito militar convencional como o nuclear entre qualquer destas três nações é uma escolha insana e suicida, ainda que responsáveis pela definição da estratégia militar não sejam seleccionados especificamente pelas suas tendências suicidas. Nem a Rússia nem a China são conhecidas pelas suas guerras de agressão, ao passo que os EUA são extremamente bem conhecidos pelas suas violentas tendências homicidas (tendo executado 32 campanhas de bombardeamentos em 24 países desde a Segunda Guerra Mundial), por serem fundamentalmente um rufia que só atormenta países fracos que não apresentam qualquer ameaça. Com base na informação publicamente disponível, tanto a Rússia como a China estão agora bastante à frente dos EUA no desenvolvimento de armas, a um ponto em que qualquer possível ataque direto dos EUA a qualquer deles seria na melhor das hipóteses autodestrutivo e na pior suicida.
Na melhor das hipóteses, os EUA lançam um ataque que é repelido com êxito: bombardeiros e foguetes abatidos, navios afundados, bases militares dos EUA e instalações portuárias destruídas, possivelmente centros de comando e controlo dos EUA também destruídos, como bastante explicitamente prometeu Putin. Os EUA jazem então prostrados e à mercê dos seus oponentes. Se a sua cooperação ainda deixar algo a desejar, alguma combinação de deploráveis, desprezíveis, imponderáveis e indecifráveis será organizada o suficiente para fazer uma confusão sangrenta do que resta das estruturas governamentais e das elites de poder dos EUA, as quais serão então substituídas por uma força internacional de manutenção da paz (num caso optimista) ou simplesmente deixadas a persistir em desordem duradoura, miséria e isolamento internacional.
A tríade da dissuasão nuclear
O pior cenário é a velha e estafada destruição mútua assegurada, o Inverno nuclear e o fim da vida na Terra, mas é improvável por um certo número de razões. Primeiro, da tríade de dissuasão nuclear dos EUA, apenas a componente submarina continua viável e mesmo ela está bastante desgastada. Nenhum dos mísseis Minuteman foi testado com êxito desde há muito tempo e trata-se de mísseis balísticos que, uma vez terminada a fase de impulso, seguem uma trajectória inercial perfeitamente previsível, tornando-os alvos fáceis para os novos sistemas de defesa aérea da Rússia. Dos Minutemen que conseguem sair dos seus silos e lançar-se na direcção da Rússia ou da China, desconhece-se quantas das suas cargas nucleares detonariam de facto, uma vez que todas elas são bastante antigas e desde há muito não são testadas. Os EUA já não têm a capacidade de fazer novas cargas nucleares, tendo perdido a receita para fabricar o forte explosivo necessário para as fazer detonar. Mas isso pode ser um ponto discutível, uma vez que, neste momento, é provável que nenhum ICBM seja capaz de penetrar as defesas aéreas russas. Quanto às defesas aéreas chinesas, é notável que a Rússia e a China tenham integrado os seus sistemas de alerta precoce e a China tenha agora quatro divisões de sistemas de defesa aérea russos S-400 Triumph e esteja a planear acrescentar mais.
Stratofortress Boeing B-52
Voltando à parte aerotransportada da tríade nuclear americana, a sua base continua a ser o [bombardeiro] Stratofortress Boeing B-52, o mais jovem dos quais tem quase 60 anos. Navega a 260 nós [481,5 km/h] a uma altitude de 34000 pés [10,36 km] e é o oposto de furtivo, tornando fácil abatê-lo a uma distância de várias centenas de quilómetros. Uma vez que isto o torna perfeitamente inútil para largar bombas, tudo o que resta são mísseis de cruzeiro, que voam a uma velocidade absolutamente lenta de 0,65 Mach [776 km/h], tornando-os mais uma vez alvos fáceis para defesas aéreas modernas. Também há alguns novos bombardeiros furtivos – muito poucos e afinal não muito furtivos, colocando-os essencialmente na mesma categoria dos Stratofortress. E os mísseis de cruzeiro que eles podem lançar são também os mesmos velhos mísseis subsónicos.
Finalmente, há os submarinos nucleares estratégicos, os quais são a única parte da tríade nuclear dos EUA que ainda é viável. Eles continuam a ser eficazes como dissuasores e têm a capacidade de se aproximarem para lançar um ataque furtivo com uma boa probabilidade de pelo menos alguns dos mísseis passarem através das defesas aéreas. Mas não podem esperar contornar a inevitabilidade da retaliação que causará danos inaceitáveis e fatais para os EUA continentais. Isto torna-os inúteis como uma arma ofensiva.
Acrescente-se a isto a atual doutrina nuclear da Rússia, segundo a qual qualquer ataque contra território soberano russo ou interesses soberanos russos, convencionais ou nucleares, abriria a porta a uma retaliação nuclear, lançada após o aviso e a promessa solene de Putin de contra-atacar não só os locais de onde foi lançado um ataque como também contra os centros de tomada de decisão. Considerando que os mísseis russos são hipersônicos e atingirão os seus alvos antes de os dos EUA atingirem os seus, e que a Rússia tem meios para abater mísseis americanos enquanto os EUA não conseguem abater mísseis russos, se os EUA lançassem um ataque, os seus lançadores estariam mortos antes de poderem descobrir se o ataque conseguiu causar algum dano ou se apenas se suicidaram por nada. Tudo isto leva a uma conclusão inevitável: em circunstância alguma os EUA atacarão a Rússia ou a China, utilizando armas convencionais ou nucleares.
Há peritos que são da opinião de que uma guerra mundial poderia irromper espontaneamente a qualquer momento sem que ninguém o desejasse, tal como o mundo deslizou para a Primeira Guerra Mundial devido a uma confluência de acidentes infelizes. Mas há uma grande diferença: as lideranças militares e civis dos lados beligerantes na Primeira Guerra Mundial não tinham mísseis hipersônicos apontados diretamente às suas cabeças. Eles pensavam que a guerra seria travada longe dos seus palácios, quartéis-generais e mansões estatais. Em alguns casos, estavam bastante enganados, mas esse era o seu pensamento original: porque não testar as nossas proezas industriais, sacrificando a vida de vários milhões de camponeses inúteis?
Agora a situação é bastante diferente: qualquer provocação substancial é um desencadeador automático de autodestruição e todos os lados sabem disso. Claro que haverá provocações menores, tais como a US Navy a fumegar no Estreito de Formosa ou no Mar Negro perto das costas da Crimeia, mas eles têm de ganhar o seu sustento de alguma forma. Por sua vez, os russos e os chineses irão periodicamente aumentar um pouco a fasquia enxotando-os com palavras duras em mensagens de rádio ou com alguns tiros disparados na sua direcção. Mas ambos os lados sabem o quão cuidadosos têm de ser, porque qualquer erro grave exigirá uma desescalada imediata e pode implicar uma grande perda de face. E isso, como se costuma dizer, seria pior do que um crime: seria um erro.
Só resta a guerra híbrida
As provocações de que os EUA ainda são capazes podem tornar-se cada vez mais débeis com o tempo. Os EUA perderam a corrida às armas tanto contra a Rússia como contra a China e é pouco provável que alguma vez consigam recuperar o atraso. Por outro lado, nem a Rússia nem a China são propensos a atacar os EUA. Não há razão para o fazer, dado que podem obter o que querem – uma diminuição gradual da influência dos EUA – sem recorrerem à ação militar em grande escala. Manter uma forte postura defensiva enquanto projetam poder dentro das suas esferas de interesse em expansão seria suficiente para qualquer deles. Assim, tudo o que resta para os EUA é a guerra híbrida: guerra financeira sob a forma de sanções, impressão agressiva de dólares e lavagem de dinheiro legalizada em larga escala, guerra informativa jogada na Internet, guerra médica utilizando novos agentes patogénicos, drogas [2] e vacinas, guerra cultural sob a forma de promoção e defesa de sistemas de valores conflituosos e assim por diante, com actividades militares limitadas ao uso de proxies, fomentando golpes e guerras civis, acções de empresas militares privadas e assim por diante.
Se Milley está a depositar as suas esperanças em ser capaz de provocar um conflito entre a China e a Rússia, é provável que fique desapontado. Estes dois países vizinhos muito grandes são sinérgicos. A China tem uma tremenda capacidade produtiva para produzir todo o tipo de produtos acabados mas tem recursos naturais limitados e tem uma capacidade limitada para interagir com o resto do mundo, excepto através do comércio e das trocas comerciais. A Rússia, por outro lado, tem recursos naturais virtualmente ilimitados mas, com uma população mais pequena, embora altamente educada, espalhada por um terreno vasto e algo inóspito, é obrigada a concentrar os seus esforços em determinados setores estrategicamente importantes como a exportação de energia e alimentos, sistemas de armas de alta tecnologia, energia nuclear, vacinas e produtos de energia intensiva como fertilizantes, plásticos e metais, onde o seu acesso à energia barata lhe proporciona uma vantagem competitiva.
Um dos principais pontos fortes da Rússia é a capacidade culturalmente enraizada de compreender pessoas de outras culturas e de manter relações cordiais mesmo através de grandes clivagens culturais e linhas inimigas. A Rússia tem uma capacidade única de oferecer estabilidade e segurança, tanto através de uma diplomacia cuidadosa como através da oferta de sistemas avançados de armas defensivas. Os chineses têm estado a comprar agressivamente em economias de todo o mundo, investindo em grandes projectos de infra-estruturas para promover o seu comércio, mas são por vezes considerados desprovidos de delicadeza diplomática e de compreensão das sensibilidades locais, alienando os seus parceiros ao exigir-lhes directamente uma participação de controlo nos seus investimentos. Os russos, por outro lado, compreendem que é preciso pelo menos beijar uma rapariga antes de se oferecerem para pagar a sua universidade.
Tal delicadeza tende a ser interpretada como fraqueza por certos ocidentais que, ao longo de muitos séculos de guerras fratricidas e colonialismo genocida, foram condicionados a respeitar apenas a força bruta e a entender as relações apenas em termos de domínio ou submissão. Com a súbita partida dos EUA da cena mundial, muitas nações europeias mais pequenas estão agora activamente à procura de um novo mestre para as dominar. Tanto os chineses como os russos provavelmente vão deixá-las desapontadas. Se bem que o comércio chinês e a segurança russa (incluindo a segurança energética) serão oferecidos, elas estarão por sua conta e forçadas a ganhar o seu próprio sustento e os seus juramentos de fidelidade cairão em ouvidos moucos. Os europeus do Leste, em especial, poderão achar impossível enraizar-se outra vez no mundo russo. Os russos já estão fartos deles e da sua duplicidade. A sua outra opção será ir trabalhar para os chineses.
A Rússia e a China complementam-se e são mais propensas a trabalhar uma com a outra do que uma contra a outra nas suas relações mútuas e com o resto do mundo. Este não é certamente o caso dos EUA, quer em relação à China, quer em relação à Rússia. Durante a década de 1990 e 2000, enquanto a China se transformava rapidamente no centro de produção mundial, enquanto a Rússia se recuperava do revés que havia sofrido com o colapso soviético, os EUA conseguiram posicionar-se como a nação consumidora indispensável do mundo, redireccionando uma fatia de leão dos recursos e dos produtos manufacturados mundiais para alimentar os seus apetites em troca de dólares impressos (expropriando continuamente as poupanças do mundo enquanto exportava inflação) e utilizando a ameaça de acção militar contra quem quer que desafiasse este esquema. Mas agora a situação é diferente: a maior parte do comércio da China já não é com os EUA e sim com o resto do mundo, a Rússia está totalmente recuperada e a desenvolver-se lenta mas seguramente, a quota dos EUA na economia mundial contraiu-se, o apetite por dólares impressos sob a forma de dívida do governo dos EUA diminuiu muito e quanto ao seu antigo domínio militar de espectro total, ver acima.
Que os EUA façam as malas
Ainda assim, o general Milley deseja travar uma guerra tripolar contra dois pólos que não combatem entre si e que também não anseiam por um combate com os EUA. Eles só querem que os EUA façam as malas, vão para casa e não ensombrem mais os horizontes em torno da Eurásia. Como me esforcei por explicar acima, os EUA não estão em posição de desafiar um ou ambos num conflito militar total, ou de arriscar-se a envolvê-los de um modo que corra um grande risco de provocar um deles. Em tais circunstâncias, o que pode fazer uma burocracia gigantesca, dispersa, generosamente financiada, corrupta e disfuncional a fim de justificar a sua existência? A resposta é, creio eu, óbvia: envolver-se em pequenas travessuras, ou seja, em guerras híbridas, mas ao fazê-lo encontra-se, como já expliquei, em desvantagem.
A lista das pequenas travessuras é longa e torna a leitura enfadonha. O melhor a ser feito com isto é transformá-la em comédia. Tomemos, por exemplo, o imbróglio, digno do Decameron de Boccaccio, de Tikhanovskaya – a fada das costeletas e presidente fantasma da Bielorrússia – que recentemente se juntou ao clube de falsos líderes substitutos, ao lado de Juan Random Guaidó, presidente fantasma da Venezuela, que fracassou em tomar o poder do profundamente entrincheirado presidente bielorrusso Lukashenko e está agora a acalmar-se na vizinha Lituânia. Tendo reconhecido o abjeto fracasso da tomada de poder de Tikhanovskaya, o Departamento de Pequenas Travessuras tentou organizar um escândalo em torno de um velocista bielorusso durante os Jogos Olímpicos de Tóquio, cujo nome é... Timanovskaya! Pensaram que ninguém perceberia a substituição de um único personagem. A manobra falhou, e Timanovskaya está agora a acalmar-se na vizinha Polônia.
Tem havido outras tentativas, em escala muito maior, de pequenas travessuras, igualmente ineptas e igualmente espetaculares no seu fracasso.
1. Houve a tentativa de forçar o mundo inteiro a submeter-se a uma campanha de inoculação implacável (em preparativos desde 2009) no decurso da qual uma interacção entre agentes patogénicos geneticamente modificados e vacinas geneticamente modificadas seria utilizada para obter lucros fabulosos para as Grandes Farmacêuticas (Big Pharma), ao mesmo tempo que provocando genocídio selectivo da população de certos países inamistosos ou indesejáveis. Resultado final: A China combateu amplamente o agente patogénico e produziu a sua própria vacina enquanto a Rússia produziu várias vacinas, a mais popular das quais tem-se provado segura e eficaz, tendo-se transformado num importante centro de lucro ao ser exportada para 71 países e ganhando a Rússia mais receitas de exportação do que com a exportação de armas.
Enquanto isso, não só as vacinas ocidentais estão a revelar-se com eficácia inferior a 50% (muito menos do que as da Johnson & Johnson) como milhares de pessoas estão de facto a caírem mortas ou a ficarem gravemente doentes. O mais alarmante é que atletas jovens e recém vacinados caem mortos por ataques cardíacos até no campo de jogo – dúzias deles![3] A única resposta possível a isto por parte das autoridades – a única que elas são capazes de dar – é redobrar, exigindo que toda a gente seja vacinada repetidas vezes. A estratégia de marketing do "se o nosso produto o deixar doente, dar-lhe-emos mais" dificilmente é eficaz e, a seu tempo, está a produzir rebelião aberta em muitos lugares, encerrando indústrias inteiras e em geral lançando sociedades e economias no caos. Missão cumprida!
2. Há uma tentativa contínua de forçar países de todo o mundo a pagar uma taxa de carbono pelas suas emissões, ao passo que os países que se dedicam à ficção inútil (cargo cult) de construir capacidades de geração solar e eólica estão isentos da mesma. Muitos modelos climáticos dispendiosos mantiveram os supercomputadores a zumbir e foram convocadas conferências climáticas internacionais, nas quais as pessoas podiam torcer as mãos e chafurdar de autocomiseração sobre a catástrofe climática imaginária que se avizinha. Mas a seguir surgiu uma grande complicação: tanto a Rússia como a China conseguiram transformar a situação em sua vantagem. No caso da China, o caso é simples: o que permite à China fabricar e exportar produtos que o resto do mundo adora importar é a sua utilização de carvão e bastou apenas uma redução temporária no seu uso para demonstrar que quaisquer restrições deste tipo prejudicariam os EUA devido a perturbações na cadeia de abastecimento, mais do que prejudicariam a China.
No caso da Rússia, a situação é ainda mais simples: do ponto de vista das emissões de dióxido de carbono, a Rússia é o país mais verde do mundo, produzindo a maior parte da sua electricidade a partir da energia nuclear e da hidroeléctrica livres de carbono, bem como do gás natural com baixo teor de carbono. Tem também 20% das florestas do mundo as quais, em caso de aquecimento global e de aumento das concentrações de dióxido de carbono atmosférico, se espalhariam rapidamente para norte através da tundra em direcção ao círculo Árctico, absorvendo quantidades prodigiosas de dióxido de carbono. Portanto, os EUA e o resto do Ocidente negociaram consigo próprios um beco sem saída de sua própria criação, sendo forçados a provocar danos às suas economias através de políticas de descarbonização mal orientadas que de outra forma ninguém lhes teria pedido que seguissem. Mais uma vez, missão cumprida!
3. Ainda outra tentativa de fazer maldades mesquinhas é a área dos direitos humanos e da democracia. A noção de direitos humanos individuais foi bastante bem sucedida contra a URSS, distorcendo as mentes de várias gerações da intelligentsia russa levando-a a ficar envergonhada com o seu próprio país (e quase completamente inconscientes de muitos crimes mais horripilantes contra a humanidade executados pelo Ocidente colectivo). Os chineses, pelo seu lado, pouco se moveram da sua perspectiva tradicional (seja ela confucionista ou comunista) que equilibra privilégios com responsabilidades e deixa muito pouco espaço para noções tão frívolas como os direitos universais individuais. Mas nas últimas décadas, os russos conseguiram regressar a um entendimento mais equilibrado da sua própria história e a uma maior consciência das múltiplas atrocidades perpetradas por aqueles que os criticavam. A grosseira hipocrisia daqueles que utilizavam tais tácticas também se tornou gritantemente óbvia com ultrajes como a prisão ilegal de Julian Assange e o exílio de Edward Snowden.
O caso de Maria Butina, uma pessoa espectacular que agora é membro do parlamento russo, também impressionou. Ela foi falsamente acusada de ser uma agente estrangeira com base no agora desacreditado Dossier Steele que o campo de Hillary Clinton havia inventado para caluniar Donald Trump. Butina permaneceu presa durante 18 meses, passando grande parte desse tempo em solitária (um tratamento que equivale a tortura). Foi forçada a declarar-se culpada de uma acusação falsa perante um juiz de um tribunal canguru antes de ser libertada e autorizada a regressar à Rússia. Ela descreveu a sua provação num best-seller e qualquer pessoa que tenha lido o livro assimilou uma mensagem importante: simplesmente não existe tal coisa como o sistema de justiça americano. Uma das principais razões pelas quais Butina foi escolhida para tal tratamento teve a ver com o seu sobrenome, que difere apenas por uma letra do de Putin: há mais uma vez aquela substituição de uma única letra! Com um nome tão semelhante ao daquele horrível ditador Putin, é claro que ela seria considerada culpada! Eu não ficaria surpreendido se houvesse um certo canalha mal-intencionado nas entranhas da CIA ou do Departamento de Estado que apresentasse estas ideias nefastas realmente esquadrinhando documentos em busca de nomes que soem de modo semelhante.
Quanto à democracia, o conceito é válido mas aplica-se de modo diferente a cada nação, com base nos seus valores e tradições únicas. No entanto, a imagem servida nos EUA, onde cerca de metade do eleitorado sente que foi trapaceado durante as últimas eleições presidenciais; ou na UE, cuja Comissão Europeia é dominada por pomposos insignificantes não eleitos; ou no modo como foi mal aplicada no Afeganistão, Iraque e outras países invadidos e destruídos pelo Ocidente, muito fez para desacreditar o conceito. Joe Biden, que está agora a trabalhar na montagem de um conjunto virtual de nações que ele considera democráticas e faz uma lista verificando-a duplamente a fim de excluir todos os que não considera suficientemente democráticos, está demasiado senil para compreender o simples facto de ter perdido qualquer direito de apelar ao conceito de democracia dado o modo como foi eleito e o que fez ao Afeganistão.
A imagem que vos deixo é a de um avião de transporte pilotado pelo demente Joe Biden e co-pilotado por aquela pateta risonha da Kamala Harris, com alguns líderes de nações supostamente democráticas (os que não conseguiram assimilar a lição do Afeganistão) agarrados ao seu trem de aterragem e com o general Millie-Vanillie sentado no porão de carga a limpar a sua arma, preparando-se para combater a Terceira Guerra Mundial tanto contra a Rússia como contra a China.
[1] Milley Vanilley: Alcunha lançada por Trump.
[2] Ver The Politics of Heroin: Central Intelligence Agency Complicity in the Global Drug Trade
[3] Ver também Anyone notice a pattern yet?
[*] Dmitry Orlov - Analista político. Autor de The Five Stages of Collapse: Survivors' Toolkit, Reinventing Collapse: The Soviet Experience and American Prospects e Shrinking the Technosphere
O original encontra-se em thesaker.is/the-tripartite-world-order-and-the-hybrid-world-war/
Este artigo encontra-se em resistir.info
Receba os destaques do dia por e-mail
Gostou do conteúdo?
Clique aqui para receber matérias e artigos da AEPET em primeira mão pelo Telegram.