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Adhemar S. Mineiro

A visão diplomática de Samuel Pinheiro Guimarães

A altivez de Samuel vem da visão estratégica de mudar a inserção do Brasil no mundo para mudar a realidade da maioria dos brasileiros, através da construção de novos espaços alternativos de desenvolvimento

Publicado em 08/03/2024
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Neste ano de G20 no Brasil, e de muitas outras discussões internacionais importantes em que o Brasil estará envolvido, fará muita falta a visão lúcida e clara do Embaixador Samuel Pinheiro Guimarães. Samuel faleceu no finalzinho de janeiro deste ano e deixa uma grande lacuna em termos de reflexão crítica na diplomacia brasileira, normalmente tão vinculada ao poder nacional e internacional.

Neste quadro, chamava atenção a visão do Embaixador Samuel. Uma visão extremamente nacionalista, de resistência ao poder das “grandes potências” – de resistência a partir de uma perspectiva regional. Daí a importância da articulação (talvez se possa dizer para além de articulação, da integração) entre Brasil e Argentina como eixo não apenas de resistência, mas também de articulação de uma outra visão. Através dessa integração, a criação de uma outra perspectiva de desenvolvimento autônomo e diferenciado para ambos os países, mas em conjunto.

Samuel também criticava o poder interno das oligarquias, a concentração do poder político e econômico que inviabilizava a inclusão social. Dentro dessa sua perspectiva, criar a opção de uma política externa diferenciada, confrontando as grandes potências e abrindo espaço para um desenvolvimento alternativo era uma das formas de escapar da condenação aos limites que nos davam para o desenvolvimento econômico, tecnológico, e para fugir da concentração de renda e poder no país. O Brasil tinha enormes vantagens de território, população e PIB, mas não poderia sair de sua situação de país dependente sem a articulação regional e a integração com a Argentina.

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Com essa visão estratégica, o Embaixador Samuel se contrapôs ferozmente à criação da Área de Livre Comércio das Américas (ALCA) desde meados dos anos 1990 até o fracasso daquele projeto no início do novo século. Foi exatamente nesta luta que o conheci mais de perto. No começo de 2001, deu uma forte entrevista, onde apontava a incompatibilidade entre os projetos da ALCA e do Mercosul. Por consequência, foi removido do cargo de diretor do Instituto de Pesquisas em Relações Internacionais do Itamaraty, cargo que exercia já há uns seis anos.

E em função dessa remoção, o convidamos para uma entrevista ao Jornal dos Economistas, órgão das entidades de economistas do Rio de Janeiro (Conselho Regional de Economia, Sindicato dos Economistas do Rio de Janeiro, e o Instituto de Economistas do Rio de Janeiro), convite que ele prontamente aceitou. Foi uma entrevista absolutamente brilhante, pelo brilhantismo do entrevistado. Estabelecemos desde então uma relação próxima, em vários momentos conversando para a ampliação dos espaços da sociedade civil e a democratização do Itamaraty, ele no governo, e eu fora, em debates sobre relações internacionais e integração regional, e na leitura e comentários de seus textos. Essa crítica do Embaixador Samuel à ALCA evidentemente é feita também a um acordo comercial muito parecido, o acordo Mercosul-União Europeia, que o Embaixador combateu até o final de sua vida.

A convivência ao longo desse período me mostrou que ao Embaixador Samuel não faltava o que muitas vezes leva a nossa diplomacia, embora extremamente profissional, bem treinada e operante, a vacilar frente a muitos dos desafios que lhe são colocados: uma visão estratégica, sedimentada sobre um novo posicionamento do Brasil no mundo, enfatizando o caráter altivo que aparece na expressão famosa de outro grande diplomata brasileiro, o Embaixador Celso Amorim, que fala em uma diplomacia “ativa e altiva”. A altivez vem dessa visão estratégica, de mudar a inserção do Brasil no mundo para mudar a realidade da maioria dos brasileiros, através da construção de novos espaços alternativos de desenvolvimento. Essa concepção estratégica muitas vezes faz falta, mesmo ao profissionalismo bem treinado do Itamaraty.

Nessa construção, não deve haver vacilação, será preciso aproveitar as brechas que se possa criar no quadro internacional para fazer o enfrentamento com as grandes potências e alterar a condição do Brasil. Essa alteração é que poderá permitir seguir ganhando forças internamente para continuar se movendo no quadro internacional.

E a força advinda do poder interno deve ser articulada regionalmente, através da integração. Em primeiro lugar, sempre, com a Argentina, da qual as grandes potências buscam o tempo todo nos afastar, na visão de Samuel. É apenas com essa integração que o Brasil e a América do Sul (e, por que não dizer, a América Latina e o Caribe) poderão achar espaço para se mover em um mundo conflagrado pelas disputas entre EUA, China, potências europeias, Rússia e muitos outros.

Por isso, passado pouco mais de um mês de sua morte, sempre é importante ler e ouvir os pensamentos do Embaixador Samuel, que sempre serão úteis para pensar o Brasil, o desenvolvimento brasileiro e sua inserção no mundo complexo em que vivemos.

Adhemar S. Mineiro - Economista, doutorando do PPGCTIA/UFRRJ, membro da Coordenação da Associação Brasileira de Economistas pela Democracia-RJ e assessor da Rede Brasileira pela Integração dos Povos (Rebrip).

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