
Acidente em plataforma inoperante da Petrobrás revela a urgência de um plano nacional de desmantelamento de navios
Desmonte ambientalmente correto de navios e plataformas pode reativar a indústria naval e a cadeia da reciclagem no Brasil
O incêndio registrado na manhã desta segunda-feira (21) na plataforma inoperante Cherne 1 (PCH-1), na Bacia de Campos, expôs com contundência uma realidade que não pode mais ser ignorada: o Brasil precisa, com urgência, de uma política nacional para o descomissionamento e o desmantelamento ambientalmente responsável de navios e plataformas offshore. O acidente, que deixou 14 trabalhadores feridos, ocorreu numa unidade que já não produz petróleo desde 2020. Ainda assim, mantinha estrutura operacional e presença de 176 trabalhadores a bordo, conforme relatos do Sindipetro-Norte Fluminense.
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A pergunta que se impõe é simples e direta: o que faz uma plataforma desativada ainda ser um risco à vida e ao meio ambiente, sem que o país disponha de um plano estruturado para descomissioná-la e reciclá-la adequadamente? A resposta está na ausência de uma política pública efetiva e na morosidade em regulamentar e fomentar um setor que pode, ao mesmo tempo, mitigar riscos ambientais e reindustrializar o Brasil.
A cadeia do descomissionamento: risco, oportunidade e urgência
O descomissionamento é a fase em que um ativo offshore é formalmente retirado de operação, eliminando todos os riscos ambientais. Já o desmantelamento, etapa subsequente, trata da desmontagem física, da reciclagem de materiais como aço e cobre, e da destinação segura de resíduos perigosos. Trata-se, portanto, de uma cadeia que envolve segurança, engenharia de alto nível, impacto ambiental e geração de empregos.
A Petrobrás, que pretende desativar 26 unidades até 2027, e mais 27 entre 2028 e 2029, está diante de uma oportunidade estratégica. O investimento de US$ 9,8 bilhões previsto para até 2027 pode ser um catalisador para a reativação da indústria naval brasileira, para a criação de empregos qualificados e para o fortalecimento da economia circular. Mas é necessário que esse processo seja tratado como uma política de Estado, com regras claras, incentivos e fiscalização rigorosa.
O modelo verde: uma nova referência
O exemplo mais concreto e promissor dessa nova etapa é o desmantelamento da plataforma P-32, que será realizado pela Ecovix, no Estaleiro Rio Grande, com a Gerdau utilizando a sucata metálica como matéria-prima para aço de baixa emissão de carbono. O uso de diques secos, a exigência de planos de reciclagem alinhados com normas da Organização Marítima Internacional (IMO) e a destinação segura de resíduos colocam o Brasil no caminho para se tornar referência mundial em desmantelamento sustentável.
Nesse processo, um marco internacional precisa ser destacado: a Convenção de Hong Kong para a Reciclagem Segura e Ambientalmente Correta de Navios, adotada em 2009 pela IMO e que entrará em vigor em junho de 2025. Seu objetivo é garantir que os navios destinados à reciclagem sejam desmontados sem riscos à saúde humana e ao meio ambiente. Entre suas exigências estão:
A proibição de desmontes diretamente em praias (prática comum em países com normas frágeis, como Bangladesh e Índia);
-A obrigação de instalações seguras e licenciadas;
-A exigência de planos de reciclagem personalizados para cada embarcação;
-A rastreabilidade e o tratamento adequado de materiais perigosos como amianto, óleos, tintas e metais pesados.
A entrada em vigor da convenção não apenas impõe padrões mais elevados como também limita a atuação de estaleiros não certificados. O Brasil, ao se posicionar desde já nesse novo paradigma, ganha vantagem competitiva e se posiciona como player estratégico no mercado global de reciclagem naval.
Política industrial e soberania
A indústria naval brasileira viveu ciclos de expansão e colapso. Com a política certa, ela pode ser reerguida, não apenas com encomendas de novos navios, mas também com a logística reversa de unidades antigas. A reciclagem de embarcações exige mão de obra técnica, infraestrutura portuária, engenharia naval, gestão ambiental e sistemas de rastreamento e certificação. Ou seja, é um setor intensivo em conhecimento e valor agregado.
Além disso, ao internalizar esse processo, o Brasil garante soberania sobre o destino de ativos críticos e evita o dumping ambiental. Com a ratificação da Convenção de Hong Kong e a entrada em vigor de normas europeias mais rigorosas, haverá escassez global de estaleiros certificados para reciclagem. O Brasil pode ocupar esse espaço, mas precisa agir rápido.
O projeto de lei 1.584/2021, que regulamenta a reciclagem de embarcações, avança na Câmara dos Deputados. É preciso aprová-lo com urgência e criar uma política pública que articule Petrobrás, Marinha, IBAMA, ministérios e iniciativa privada. Também é essencial garantir que as licitações da Petrobrás continuem privilegiando estaleiros nacionais com responsabilidade ambiental.
Casos como o da plataforma Cherne 1 demonstram que inércia custa caro. Vidas humanas, riscos de catástrofes ambientais e prejuízos à imagem de uma empresa como a Petrobrás, que busca se posicionar como líder em transição energética e sustentabilidade.
Transformar o descomissionamento em vetor de desenvolvimento é uma oportunidade que o Brasil não pode desperdiçar. O acidente na PCH-1 deve ser o ponto de inflexão para um novo ciclo, em que segurança, sustentabilidade e soberania industrial caminhem juntas. O aço que hoje representa risco pode, amanhã, ser o alicerce de uma nova indústria naval e de uma economia verdadeiramente verde.
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