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Boaventura de Sousa Santos

As lições portuguesas para a eleição brasileira

com chamada na primeira página intitulada “Após sete anos, Portugal pode tirar os socialistas do poder”. A reportagem apoiava-se nos habitu

Publicado em 08/02/2022
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com chamada na primeira página intitulada “Após sete anos, Portugal pode tirar os socialistas do poder”. A reportagem apoiava-se nos habituais comentadores de Lisboa e todos previam um empate técnico entre o maior partido de esquerda (PS) e o maior partido de direita (PSD). Poucas horas depois o PS ganhava as eleições com maioria absoluta. Os resultados dão-nos algumas indicações que podem ser úteis no Brasil neste ano de eleições.

Primeira lição: o falhanço estrondoso das sondagens. A vitória esmagadora do PS depois de seis anos de governação e dois anos de pandemia é memorável e merece ser refletida. As sondagens usam uma lógica binária própria do pensamento quantitativo dominante, hoje muito vigente na construção dos algoritmos nas redes sociais. Esta lógica não capta a ambiguidade, a complexidade, a contradição, o terceiro incluído e muito menos as diferentes camadas de realidade, de opinião e de emoção que cada cidadão mobiliza no momento de tomar decisões. Isto é particularmente evidente em situações que escapam à normalidade da vida colectiva. A pandemia criou uma dessas situações. Em tais circunstâncias, os dirigentes políticos devem manter contatos diretos, diversificados e continuados com os cidadãos e as comunidades e ir acumulando informações qualitativas em vez de se apoiarem em pesquisas de opinião tão fáceis quanto traiçoeiras.

Segunda lição: em tempos de insegurança existencial como a causada ou agravada por uma pandemia os cidadãos fazem, em geral, avaliações realistas e prudentes das políticas que diminuem a sua insegurança e têm um enorme temor das políticas que a possam agravar. Se as políticas forem avaliadas como positivas, o desejo prioritário da cidadania é a estabilidade.  Portugal foi um dos países do mundo com a melhor condução da política sanitária e aquele em que a pandemia foi menos politizada, mérito tanto do governo como da oposição. Os partidos à esquerda do Partido Socialista, o Partido Comunista (PCP) e o Bloco de Esquerda (BE) partilharam a governação do país desde 2015, através de um acordo político inédito a que foi dado o nome de geringonça.  Este acordo travou a austeridade imposta pela solução neoliberal da crise financeira de 2008 e lançou o país numa recuperação econômica e social modesta mas consistente. A geringonça começou a precarizar-se em 2020 e colapsou em finais de 2021 com a rejeição do orçamento apresentado pelo governo por parte do PCP e do BE. Foi isso que levou às eleições antecipadas de 30 de janeiro. Portugal será a partir de agora o único país europeu (e talvez do mundo) com um governo de maioria absoluta de um partido de esquerda, o Partido Socialista. Os dois partidos à sua esquerda tiveram os piores resultados de sempre. O PCP que tinha 12 deputados no parlamento passa a ter metade e o BE que tinha 19 deputados passa a ter cinco. O BE passa de terceira força política para quinta e o PCP, de quarta para sexta. Ter posto em causa em período de pandemia a estabilidade considerada globalmente positiva pela cidadania foi considerado um erro crasso, duramente punido pelos eleitores.

Apesar de as inversões de situações não serem mecânicas nem os países serem facilmente comparáveis, é legítimo supor que se as políticas de protecção sanitária durante a pandemia forem avaliadas como desastrosas por terem agravado a insegurança e causado mortes evitáveis, o objetivo principal do eleitorado em próximas eleições é por termo ao governo considerado responsável por isso e optar pela alternativa com mais possibilidades de êxito mesmo que menos satisfatória do que desejado.  Se o governo em causa foi de extrema-direita, a opção pode ser por uma alternativa de direita menos radical ou por uma de esquerda. Vencerá a que se apresentar com mais possibilidades de êxito. Dado que as esquerdas têm mais certezas ideológicas e mais angústias identitárias é sempre mais difícil a união entre forças de esquerda que a união entre forças de direita.

Terceira lição: em tempos de insegurança existencial acrescida, o desespero e o ressentimento são uma emoção coletiva sempre latente. Os empreendedores do medo facilmente a manipulam. No caso português, o facto mais significativo depois da vitória do PS é o crescimento exponencial da ultradireita. Dividiu-se em duas correntes, uma de inspiração fascista (Chega), agora terceira força política, da família da extrema-direita racista, hétero-patriarcal e xenófoba europeia e mundial; e outra, de recorte hiper-neoliberal, darwinismo social puro e duro, ou seja, sobrevivência do mais forte (Iniciativa Liberal), agora quarta força política. Ocuparam assim as posições no parlamento que antes eram detidas pelos partidos de esquerda. Isto faz prever que se a solução de esquerda agora vitoriosa vier a ser derrotada no futuro, a direita que a substituir não será a direita civilizada que dominou até agora mas uma direita agressiva e brutal contra dissidentes e grupos já precarizados, excluídos e discriminados, uma direita que os brasileiros tragicamente bem conhecem.

Fonte: Brasil 247

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