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Jim Willie C. B.

China já tem a alavanca para derrubar o petro-dólar

... todo o equilíbrio geopolítico sofrerá uma maciça perturbação tectônica. O governo chinês está extremamente ag

Publicado em 17/08/2017
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... todo o equilíbrio geopolítico sofrerá uma maciça perturbação tectônica.

O governo chinês está extremamente agastado com a imposição do uso do dólar americano no pagamento de petróleo bruto no mercado global. Mas agora, as autoridades de Pequim finalmente conquistaram poder de influência para estabelecer um significativo acordo de pagamento de petróleo bruto em renmimbi (ou yuan). As negociações avançam há alguns meses, com escassa cobertura da mídia financeira, inclusive dos meios alternativos. Mas para que aconteça pode já não ser mais que uma questão de tempo, e seus efeitos serão de grande alcance e provavelmente devastadores.

O status de reserva monetária global que o dólar goza está, assim, sob alto risco. Ele não será deposto pelo mercado financeiro, como seria de se esperar no caso de alguma falha no mercado de títulos ou de um calote nas transações do mercado primário de ouro. Seria tão tresloucado esperá-lo como impossível de acontecer. Os banqueiros ocidentais são especialistas em manipular os mercados financeiros em sua totalidade. A retaguarda dos bancos centrais foi estendida para amortecer os choques financeiros e, portanto, ao amplo espectro dos títulos corporativos. O governo norte-americano, nesse caso, está cada vez mais dependente de seu último recurso de poder, e os assaltos estão chegando por muitos flancos e bases.

O papel fundamental do petro-dólar

O pilar fundamental desse recurso de poder é a regra universal da venda de petróleo bruto em dólares norte-americanos. Essencialmente, a forma de pagamento é o uso de títulos do Tesouro dos Estados Unidos. Como regra, a OPEP converte seus excedentes de petróleo nesses mesmos títulos, de modo que o comércio de cru nunca abandona o padrão do dólar americano.

O pacto foi estabelecido em 1973 por um agente do grupo Rockefeller chamado Heinz Kissinger. Ele sucedeu a quebra do acordo de Bretton Woods sobre o padrão ouro, violado impetuosamente por Nixon. Na verdade, o arranjo foi sugerido pelo lado norte-americano da mesa. Pouco importou que tenha sido o grupo Rockefeller que na realidade forjou a triplicação do preço do petróleo, exatamente ao contrário do que se consagrou nos anais da história.

O outro detalhe do acordo de fato em torno do petro-dólar é que os sauditas, bem como seus vizinhos árabes do Golfo, comprariam equipamento militar exclusivamente dos Estados Unidos. Esses últimos viriam a prover aos árabes conflitos regionais em abundância, e, ao longo das quatro décadas seguintes, os árabes acumularam alguns trilhões de dólares em títulos do Tesouro norte-americano.

Os relatórios periódicos do Tesouro (TIC) sobre ativos estrangeiros em títulos americanos não é muito mais que uma grande falsificação. A maioria das participações dos sauditas em obrigações americanas foi sequestrada e roubada, usando-se para isso o Fundo de Estabilização de Câmbio (ESF) do Tesouro norte-americano. Pelo menos 3 trilhões em títulos sequestrados eles nunca verão. Uma piada, na verdade, já que o ESF é o fundo dos trilhões mais secretos de toda a história humana.

O elo fraco na reserva mundial de divisas

A reserva monetária global consiste nos pagamentos comerciais feitos em dólares americanos junto com o montante que o sistema bancário detém em Títulos do Tesouro Americano como ativo principal. Os países ocidentais controlam os mercados financeiros, mas é o Oriente que controla cada vez mais a capacidade de produção global. A economia dos EUA é fortemente dependente de insumos importados. Até certo ponto, os produtores da Ásia, do arco do Pacífico e dos mercados emergentes podem ditar os termos sobre o pagamento comercial.

A vulnerabilidade saudita

Os sauditas são os grandes candidatos a objeto de um eventual debate sobre um reino falido, uma monarquia colapsada, uma nação quebrada, com finanças sangrando tinta vermelha como nunca antes em sua breve história. Uma contenda, que deixou no mínimo um forte ressentimento interno, acabou de arrancar o título de príncipe herdeiro para Mohammed bin Salman (MbS). Os déficits estão em níveis surpreendentes. A baixa do preço do petróleo cru derrubou as receitas pela metade, enquanto a infame Guerra no Iêmen fez pesar todos os custos do balanço financeiro. Os sauditas emitiram títulos para financiar suas dívidas, avançando os sinais [da ordem moral islâmica], o que enervou vários muçulmanos de linha dura. Suas operações de hedge [compra de venda de moeda] de vez em quando sinalizam os perigos com que se defrontam. Os incidentes com o Qatar deixaram os sauditas com poucos amigos, se é que no mundo árabe há amigos. O acordo de armas com o presidente Trump não era mais que história de gibi. Até Langley [ou seja, a CIA] está com raiva, porque MbS estragou seus planos de estabilizar o reino e a região, por meio da meta de diminuição do terrorismo. Outro palhaço violento, Mohammed bin Zayed (MbZ), é o príncipe herdeiro de Abu Dhabi, nos Emirados Árabes Unidos. Ambos podem em breve tornar-se dispensáveis.

Campos de petróleo de mentirinha em operação

Os grandes mentirosos no salão do petróleo são os sauditas. Eles mentiram sobre sua capacidade ociosa de produção desde, pelo menos, o ano 2000. Essas mentiras são usadas com o intento de manobrar e controlar o preço do cru. Eles também mentiram sobre suas reais reservas de petróleo durante anos. Que tenham esgotado suas reservas é motivo perfeitamente plausível para sua guerra predatória no Iêmen. O que querem é roubar as reservas de petróleo e gás dos iemenitas, que são enormes e abundantes, mesmo que nunca tenham sido mencionadas na imprensa ocidental especializada.

Depois de 50 anos de produção de petróleo, o campo de Ghawar [extremo leste da Arábia Saudita] está bombeando mais de 98% de água e salmoura. Outros campos gigantes estão igualmente exauridos. Os sauditas têm vários campos menores em produção, mas não compensam os campos gigantes abandonados. Definitivamente, os sauditas mentem quando falam de reservas de petróleo.

Dando partida no acordo ARAMCO

Os sauditas querem realizar uma Oferta Pública Inicial (IPO) em ações de 10% dos ativos e receitas da ARAMCO. Eles estimam que a corporação petroquímica valha um total de 2 trilhões de dólares. Como resposta, os analistas ocidentais desse mercado embarcaram no esforço de análise financeira do valor da companhia. Bom, surpresa! A avaliação feita foi a de que a gigante ARAMCO não vale mais que 500 bilhões de dólares, ou seja, quando muito um quarto do valor previamente inchado e apregoado pelos mentirosos príncipes sauditas.

O acordo IPO está paralisado, provavelmente porque as agências de corretagem não queiram se ver objeto de processos judiciais num futuro próximo, por conta da eventual subscrição dos termos desse acordo. Enquanto isso, os sauditas estão suando, preocupados por perderem sua comissão de 200 bilhões de dólares. Terão sorte se conseguirem 50 bilhões num depreciado acordo IPO. Abaixo dele não há mais do que uma planta do disperso complexo de propriedades do Estado.

A China no cavalo branco

Os chineses são sempre oportunistas. Eles investem no comércio e em infraestrutura, na esperança de ganhar parceiros comerciais e amigos. Eles não fazem guerra para aplanar o caminho. Os chineses estão observando o acordo ARAMCO e suas enormes dificuldades. Eles podem aportar aos sauditas uma oferta sobrevalorizada em uma bandeja dourada.

A China ficou longe de qualquer envolvimento direto na Guerra do Iêmen. No entanto, ela pode ser a fornecedora de alguns mísseis utilizados naquele país pelos seus defensores nativos [os Houtis], entregues pelas Forças Armadas do Irã. A China pode pagar por uma participação na empresa ARAMCO por dois motivos. Primeiro, ela quer uma “toe-hold” [participação minoritária que garanta espaço na tomada de decisão] no reino, a fim de ganhar outros acordos comerciais em grau de exclusividade. Ela se tornaria o filho estrangeiro favorito no processo, especialmente se outras casas financeiras ocidentais se recusarem a investir na empresa petroquímica superestimada. Em segundo lugar, os chineses estarão em condições de exigir que as vendas de petróleo para a China sejam pagas em padrão renmimbi (yuan). O investimento ARAMCO, grande ou pequeno, servirá de alavanca para a fratura do petro-dólar em sua base, dentro da Arábia Saudita. As ondas de choque serão escutadas ao redor de todo o mundo financeiro.

Dano simulado como incêndio florestal

Uma vez que os chineses ganhem o privilégio de comprar o petróleo saudita usando o padrão renmimbi, os outros produtores de petróleo do Golfo Árabe ajustarão a oferta de venda de cru aos chineses na moeda do comprador, e não no dólar americano. O padrão de fato do petro-dólar estará prestes a receber vários pregos no seu caixão. Os demais rivais árabes no Golfo não vão querer perder participação no mercado para os sauditas. Eles acolherão os termos de pagamento chineses em remnimbi sem maiores dificuldades.

De outra parte, os clientes de petróleo do Sudeste Asiático vão querer comprar petróleo cru da região do Golfo geralmente em moeda diferente do dólar norte-americano. Eles estão se desfazendo rapidamente de seus Títulos do Tesouro Americano, uma tendência que já dura quase dois anos. Os árabes do Golfo concederão aos asiáticos o direito de pagar petróleo cru em qualquer moeda que desejarem, de forma bastante flexível.

O resultado será extremamente prejudicial para o dólar. A região do Golfo passará a vender petróleo fora dos termos financeiros norte-americanos, de forma generalizada e em escala significativa. Com certeza, os sauditas e outros rivais árabes serão pressionados pelo governo dos EUA a não acordar vendas em renmimbi. Mas aí Washington já terá perdido a maior parte do seu prestígio e boa parte do seu poder. Enquanto isso, os neocons do governo mantêm sua atenção desviada para a sutil tentação de seu inútil nonsense. O Congresso norte-americano não é muito mais que uma casa de membros corrompidos e tagarelas abobados, a maioria dos quais conformados à condição de fantoche.

Efeito geopolítico

Quando os chineses, assim como asiáticos em geral, começarem a comprar o petróleo saudita ― e o cru do Golfo em geral―, todo o equilíbrio geopolítico sofrerá uma maciça perturbação tectônica. O petro-dólar será reconhecido como morto, não mais o padrão. Se não estiver morto, será reconhecido como o corpo que deixou a UTI para seguir em direção ao necrotério, com um pedaço de papel sobre seu cadáver sem vida, à espera de uma cova no cemitério.

Como manda a lógica, nenhum padrão monetário pode suportar grandes exceções, seja para o lado do comprador seja para o lado do vendedor. O advento do “universo dual” terá seu início, com a esfera dólar coexistindo com a esfera do yuan. O impacto recairá sobre as reservas bancárias globais, em prejuízo dos títulos de menor remuneração. E o mercado será tomado por preocupações sobre como o governo dos EUA e o Fed poderão gerenciar os enormes volumes de Títulos do Tesouro em circulação. A máquina dos derivativos se verá diante de tensões desesperadas, mesmo com alguma publicidade no sentido contrário.

Os asiáticos despejarão seus títulos americanos, preferindo tanto títulos em yuan quanto ouro físico. O jogo mudará de forma a tornar claro o fim do reinado do dólar. A grande transição dos títulos soberanos ocidentais para o ouro em barra começará de verdade. Quarenta anos de inflação exportada serão revertidos, e causarão estragos na economia dos EUA. Os Estados Unidos serão obrigados a criar e lançar um novo dólar exclusivamente doméstico, acompanhado de calotes oficiais. Chamemo-lo New Scheiß Dollar [o uso da palavra alemã busca uma elegância estritamente terminológica, porque a tradução literal seria: “novo dólar de merda”], com uma longa sequência de desvalorizações. O déficit comercial anual de 500 bilhões de dólares se tornará a maior arena de debate. Ele abrirá as portas do Terceiro Mundo para os Estados Unidos.

 

Tradução de Ricardo Cavalcanti-Schiel  (os trechos entre colchetes são elucidações do tradutor)

 

FONTE: Russia Insider

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