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Leonid Bershidsky

Com estratégia, Alemanha entra na disputa econômica global

Com os Estados Unidos e a China cada vez mais competindo entre si, em vez de colaborando, a Europa não tem como continuar atadas aos velhos conc

Publicado em 20/03/2019
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Com os Estados Unidos e a China cada vez mais competindo entre si, em vez de colaborando, a Europa não tem como continuar atadas aos velhos conceitos da globalização.

A versão preliminar da nova estratégia industrial da Alemanha, apresentada nesta terça-feira pelo ministro da Economia do país, Peter Altmaier, trata quase inteiramente da sobrevivência nesse mundo competitivo — uma abordagem que ele pretende vender primeiro ao público alemão e, depois, ao resto da União Europeia.

A competição, disse Altmaier em entrevista coletiva em Berlim, se dá entre três grandes blocos: EUA, Europa e Ásia. Nessa luta pelo domínio, a Europa — e a Alemanha, em particular — tem sido relegada ao status de observadora passiva. Em parte, isso se deve, segundo ele, ao apoio existente nos EUA e na China às grandes empresas de capital local, as “campeãs” nacionais.

“Praticamente não há países bem-sucedidos que dependam exclusivamente, sem exceções, das forças do mercado para cumprir suas missões”, escreveu Altmaier, em seu estudo estratégico.

A Alemanha e a Europa, argumentou, deveriam andar na mesma direção. Caso contrário, correm risco de perder bem mais do que a competição econômica. “Se perdermos capacidades tecnológicas essenciais e, como resultado, nossa posição na economia mundial, isso teria consequências dramáticas em nosso estilo de vida, na capacidade de ação do Estado e em sua capacidade para modelar quase todas as áreas econômicas. E, em algum momento, também na legitimidade democrática de suas instituições.”

Surpreende ouvir esse tipo de retórica de um colaborador da primeira-ministra alemã, Angela Merkel, defensora da globalização e que, apesar dos laços entre seu partido conservador e as grandes empresas, sempre insistiu em deixar que os empresários alemães concorressem por conta própria. Agora, porém, ela é uma primeira-ministra cuja influência se vê enfraquecida pelo fim de mandato, enquanto sua sucessora na liderança do partido, Annegret Kramp-Karrenbauer, defende uma política industrial mais ativa.

As propostas de Altmaier preparam o terreno para uma nova plataforma eleitoral, que coloca em primeiro plano a “capacidade e soberania industrial e tecnológica” do país.

Sob essa política econômica, por exemplo, o governo teria sido capaz de vetar a compra da empresa de robótica (e joia industrial alemã) Kuka pela fabricante chinesa de eletrodomésticos Midea, em 2017.

Altmaier disse que o governo, em situações futuras similares, seria capaz de surgir como “guardião”, fazendo uma oferta melhor e se tornando dono temporário — afinal, o governo alemão já não tem participações nos correios, na maior operadora telefônica do país e no monopólio ferroviário?

Para Altmaier, “soberania industrial” significa assegurar a sobrevivência de grandes nomes nacionais, como a Siemens, a ThyssenKrupp, montadoras automobilísticas alemãs e o Deutsche Bank.

As autoridades antitruste da Europa precisam olhar além da região ao definir a arena competitiva, disse Altmaer, em clara referência à oposição dos órgãos de concorrência da UE aos planos de fusão das atividades ferroviárias da Siemens e da Alstom.

Nesse ponto, ele tem o apoio da associação industrial mais poderosa do país, a Federação das Indústrias Alemãs, que recentemente tornou públicas suas propostas sobre como lidar com a ascendência da China.

O governo, de acordo com Altmaier, deveria apoiar projetos importantes que ajudem a manter atividades de valor agregado e, portanto, empregos, na Europa — como a produção de baterias e de softwares para os veículos elétricos e os autoguiados.

Além disso, o governo não deveria ficar passivo quando empresas de tecnologia recebem financiamento de firmas de capital de risco americanas. “Como resultado, elas vão se tornando, passo a passo, empresas americanas”, escreveu Altmaier. Entre os exemplos que citou estão a empresa especialista em estudos analíticos de dados Celonis GmbH, de Munique, a ferramenta de tradução Deepl e até a líder tecnológica do país, a SAP SE, cuja maior parte das ações já não está mais em mãos alemãs.

Altmaier não propôs que o governo deveria comprar diretamente empresas iniciantes promissoras, mas ressaltou a necessidade de encontrar formas para que haja financiamento privado local disponível.

Sugeriu ainda que a “Alemanha precisa concentrar suas forças políticas, científicas e empreendedoras no campo da inteligência artificial”. Foi uma alusão à ideia de uma “Airbus da inteligência artificial”, que Altmaier defendeu publicamente em 2018 — reproduzir o sucesso do consórcio europeu fabricante de aviões por meio da criação de uma “campeã” tecnológica nacional que assegure a “soberania de dados”.

Se tudo o que foi apresentado, com todas as referências à soberania econômica, soar surpreendentemente francês, não se trata de uma falsa impressão. Altmaier encontrou no ministro da Economia da França, Bruno Le Maire, uma figura com mentalidade parecida.

Se antes a Alemanha se mostrava um tanto indiferente aos instintos mais protecionistas da França, agora as duas maiores economias da UE parecem estar em sintonia quanto à necessidade de combater as investidas dos EUA e da China. Em dezembro, os dois se reuniram na conferência ministerial “Amigos da Indústria”, em Paris, e concordaram em cooperar em projetos conjuntos de baterias e inteligência artificial.

Na reunião, representantes de 18 países da UE, como Itália, Espanha e Polônia, chegaram a um consenso quanto a algumasideias básicas para manter o bloco econômico internacionalmente competitivo, entre elas, mudanças nas regras antitruste para facilitar a criação de “campeãs” nacionais.

Portanto, se a estratégia de Altmaier ganhar apoio político na Alemanha — o que é provável, mas não garantido, dada a desconfiança tradicional da esquerda em relação às grandes empresas — ela também deverá ganhar força na esfera da UE.

As engrenagens políticas giram lentamente e qualquer mudança rumo a uma posição mais competitiva com base na soberania nacional não terá consequências imediatas.

Tal mudança, porém, tornou-se inevitável, em vista de tudo o que vem sendo feito por Donald Trump, com suas guerras comerciais e políticas protecionistas; pelas gigantes americanas da internet, com seu desprezo quanto à regulamentação europeia; e pela China, com sua expansão agressiva dentro da Europa.

Uma UE mais empenhada em apoiar a competitividade das empresas locais vai significar um cenário de negócios mais difícil para investidores externos — e, talvez, rivais mais fortes, se o sucesso da Airbus puder ser replicado em outros campos.

Pelo menos desta vez, no entanto, a hostilidade não começou na Europa.

Fonte: Valor 

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