
Do "Petróleo é nosso" ao "Petróleo é deles"
Os Estados Unidos sempre atuaram ativamente para enfraquecer uma Petrobrás soberana e autônoma. A listagem das ações em Nova York consolidou essa influência, com fundos estrangeiros assumindo o controle majoritário do capital da empresa, enfraquecendo a capacidade do Estado brasileiro de tomar decisões estratégicas soberanas
Mais que uma empresa: um projeto de nação
Desde sua fundação em 1953, sob o lema “O Petróleo é Nosso”, a Petrobrás ultrapassa o papel de mera estatal: é símbolo vivo de soberania energética e do projeto de desenvolvimento autônomo do Brasil. Contudo, nas últimas três décadas, esse legado vem sendo progressivamente deteriorado por políticas neoliberais, pressões internacionais e interesses do capital financeiro global. O que se encontra em disputa não é apenas o controle de uma empresa, mas a definição estratégica sobre o futuro do país e a posse de seus recursos fundamentais.
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Da construção nacional à submissão internacional: o choque de lógicas
Durante o ciclo desenvolvimentista (1950–1980), a Petrobrás protagonizou avanços significativos no refino, na engenharia e na pesquisa tecnológica, formando profissionais altamente capacitados, estimulando a indústria nacional e reinvestindo lucros internamente em infraestrutura, desenvolvimento de tecnologia e na implementação e consolidação de programas que tinham como objetivo beneficiar a sociedade brasileira. Porém, a partir dos anos 1990, com a ascensão do neoliberalismo, emergiu um choque de paradigmas. Em 1997, a Lei do Petróleo retirou da Petrobrás a exclusividade da exploração do petróleo nacional e, desde a abertura do capital da companhia na Bolsa de Nova Iorque, em 2000, a situação de ataque à soberania nacional tornou-se ainda mais crítica, com o Estado brasileiro diminuindo cada vez mais sua participação no capital social da estatal, cedendo lugar a investidores internacionais obcecados por rentabilidade de curto prazo e dividendos elevados.
As Figuras 1 e 2 ilustram, respectivamente, a composição dos detentores de ações ordinárias (aquelas que oferecem direito de voto nas assembleias de acionistas) e preferenciais (aquelas que oferecem prioridade no recebimento de dividendos) da Petrobrás, em julho de 2025, categorizados em Grupo de controle (Governo Federal / BNDESPar / BNDES), Investidores brasileiros e Investidores não-brasileiros. A Figura 3 ilustra a composição dos detentores do capital total da empresa (novamente categorizados em Grupo de controle, Investidores brasileiros e Investidores não-brasileiros). A análise dessas figuras permite concluir que, embora o Estado brasileiro ainda se mantenha como detentor majoritário (50.3%) das ações que oferecem direito de voto em assembleia, possui uma parcela reduzida (37.06%) do capital total da companhia e uma parcela ainda menor (18.48%) das ações que oferecem direito preferencial no recebimento de dividendos, enquanto investidores estrangeiros possuem mais da metade das ações preferenciais (51.90%) e a maior parte do capital total (45.89%), o que significa, de forma óbvia, uma pressão incessante, por parte dos investidores alienígenas, para que medidas que privilegiem rentabilidade descomunal sejam tomadas, em detrimento de medidas que sejam de interesse nacional.
Figura 1 – Composição acionária (ações ordinárias) da Petrobrás em julho de 2025.

Fonte: InvestidorPetrobras.com.br
Figura 2 – Composição acionária (ações preferenciais) da Petrobrás em julho de 2025.

Fonte: InvestidorPetrobras.com.br
Figura 3 – Composição acionária (capital total) da Petrobrás em julho de 2025.

Fonte: InvestidorPetrobras.com.br
A lógica neoliberal de gestão da empresa imposta pelos forasteiros em conluio com a burguesia nacional rentista levou à privatização gradual de refinarias, gasodutos e terminais e à adoção do Preço de Paridade de Importação, o que acarretou, respectivamente, na fragmentação da estrutura estratégica da companhia e na imposição a consumidores brasileiros do pagamento de preços internacionais por combustíveis produzidos localmente, transferindo riqueza diretamente para petrolíferas estrangeiras e acionistas internacionais, além de aumentar a vulnerabilidade cambial e a inflação interna. A privatização de ativos estratégicos também aumentou os riscos de segurança energética, deixando o país exposto a possíveis crises internacionais de abastecimento. Além disso, houve significativa precarização das relações trabalhistas no setor, com perda de empregos qualificados e deterioração das condições laborais. A lógica neoliberal levou ainda ao desmonte da capacidade tecnológica brasileira, causando o enfraquecimento da engenharia nacional, a fuga de cérebros e a perda de autonomia tecnológica.
A captura financeira, diplomática e judicial pelos EUA
Historicamente, os Estados Unidos sempre atuaram ativamente para enfraquecer uma Petrobrás soberana e autônoma. A disponibilização de compra das ações da empresa na bolsa de Nova Iorque consolidou essa influência, com fundos estrangeiros assumindo o controle majoritário do capital da empresa, enfraquecendo a capacidade do Estado brasileiro de tomar decisões em benefício próprio, conforme já mencionado anteriormente. Essa interferência tornou-se mais evidente após documentos diplomáticos terem sido revelados pelo WikiLeaks, demonstrando a tentativa estadunidense de influenciar diretamente a legislação brasileira sobre o pré-sal. Por fim, a colaboração estreita entre autoridades brasileiras e o Departamento de Justiça dos EUA durante a Operação Lava Jato resultou em multas bilionárias que drenaram recursos vitais da Petrobrás, fragilizaram fornecedores locais e desmantelaram cadeias produtivas nacionais.
A entrega da Margem Equatorial
O 5º Ciclo de Oferta Permanente, realizado em junho de 2025, é um exemplo recente que ilustra dramaticamente a profundidade da entrega da nação e de suas riquezas naturais: 16,3 mil km² na margem equatorial brasileira foram leiloados majoritariamente para consórcios internacionais como ExxonMobil, Chevron e CNPC. Tal movimento reforça uma lógica predatória de exportação intensiva e imediatista, ignorando salvaguardas ambientais adequadas e negligenciando a participação das comunidades locais. Com a exploração sob controle estrangeiro, intensifica-se o risco socioambiental para as populações costeiras e ribeirinhas, ao mesmo tempo que se agrava o cenário de desigualdade regional no país por conta da dispersão e mau uso de royalties e impostos — situação viabilizada pela aprovação, no Congresso Nacional, de medidas que desvinculam esses recursos de investimentos voltados à promoção do desenvolvimento local.
Conclusão: recuperar a Petrobrás como pilar da soberania e desenvolvimento
A trajetória recente da Petrobrás revela uma disputa crucial entre duas concepções distintas de país: de um lado, uma estatal criada para ser pilar de um projeto nacional popular, orientado pela justiça social e pelo desenvolvimento autônomo; de outro, um ativo financeiro subordinado aos interesses imediatos do capital internacional. Para reverter a captura e recolocar a Petrobrás no coração da soberania nacional, são essenciais ações concretas: revisar profundamente o marco regulatório do pré-sal, priorizando liderança estatal e cláusulas de proteção socioambiental e conteúdo nacional; reintegrar ativos estratégicos, reconstituindo uma cadeia integrada sob controle público; implementar políticas de preços justas que combinem sustentabilidade fiscal com amplo acesso popular; e fortalecer uma governança transparente, democrática e majoritariamente pública. Uma ampla mobilização política e social, sustentada por educação popular e engajamento cívico, é indispensável para restabelecer o verdadeiro sentido do lema histórico “O Petróleo é Nosso”, revivendo a luta por soberania e desenvolvimento nacional autônomo.
Ghabriel Anton Gomes de Sá é cientista de dados.
Fonte(s) / Referência(s):
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