Abraham Benzaquen Sicsu
Abraham Benzaquen Sicsú

E por falar em petróleo e na Petrobrás

Estratégia e interesse nacional exigem posturas claras e voltadas para um projeto de País

Publicado em 08/03/2023
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Polêmica recorrente, a discussão sobre os mercados de petróleo e seus derivados sempre toma cores que eu diria ideologizadas. Evidentemente, há interesses díspares envolvidos de acionistas, dos consumidores e da sociedade brasileira em geral. Ver sob um prisma apenas leva a distorções, a posições fechadas que não permitem nenhum acordo. E criam-se meias verdades que distorcem o caminho para a concórdia. É o que temos notado nas veiculações da mídia nacional.

Evidentemente, o país, com o pré-sal, principalmente, evoluiu muito no setor. Produzimos bem mais do que consumimos: cerca de 3,2 milhões de barris dia, contra um consumo de menos de 2, 5 milhões. Exportamos em torno de 1,5 milhões de barris dia, contra uma importação de apenas 300 mil barris.

Verdade que, tendo em vista o perfil de refino e craqueamento de nossas refinarias, bem como as características técnicas do petróleo extraído em mar profundo, ainda é necessário, em derivados específicos, como a gasolina, trazer de fora parte desses produtos.

Nesse cenário, qual o problema a enfrentar? Lembro que quando acabava meu trabalho doutoral, em 1985, o cenário era bem distinto, bem mais complexo, com uma forte dependência externa. Hoje, quase 90% do petróleo consumido no país são aqui extraídos.

As críticas atuais continuam centradas no caráter oligopolista da Petrobras e na sua política de formação de preços. Ideologicamente, recorre-se à visão de que a Petrobras tem um monopólio e, portanto, é nociva ao Brasil. Recorre-se à idéia de que a formação de seus preços necessariamente tem que estar atrelada à paridade internacional para evitar fuga de investidores e mesmo desabastecimento gerado por importadores de derivados.

Com isso, pouco se discute o lucro astronômico de 188 bilhões de reais que nossa petrolífera apresentou no ano passado e, menos ainda, a distribuição de 215 bilhões em dividendos para os detentores de ações. Números que chamam a atenção e que, no mínimo, devem ser discutidos frente às prioridades nacionais. Afinal de contas, é uma empresa aberta, mas com maioria de capital estatal, além de ser uma companhia que trabalha um segmento estratégico para o desenvolvimento nacional. Estratégia e interesse nacional exigem posturas claras e voltadas para um projeto de País.

Monopólio

Fui por um período de dois anos conselheiro do Conselho Administrativo de Defesa Econômica-CADE, tribunal administrativo preocupado em analisar a concorrência e as práticas empresariais para que não prejudiquem os interesses da sociedade brasileira. Tive o prazer de ler e estudar sobre o tema e me arvoro a dar alguns palpites.

Uma das práticas que mais combatíamos era o poder de monopólio. Vejam bem, não eram os monopólios em si. Monopólio pode gerar muitas eficiências, seja nos custos de produção e comercialização, seja no rateio das despesas administrativas e financeiras, seja na logística mais adequada, entre outras. Economias de escala são reais e palpáveis, não podem ser minimizadas ou menosprezadas.

O problema surge quando a empresa utiliza seu poder de mercado para definir práticas que nada repassam à sociedade da dinâmica de inovação, ou mesmo, se aproveitam de seu domínio de mercado para uma exploração maior da sociedade como um todo. Nesses casos, faz-se necessária a intervenção estatal coibindo tais atitudes e mesmo dissolvendo o poder de mercado que a concentração lhes dá.

Preços

Vamos à formação de preço. A atual política se baseia nos preços internacionais. Nenhuma relação com os custos de produção e margens de lucros auferidas. Evidentemente, que o preço do petróleo deve ter alguns componentes embutidos, não é simples retirar da terra ou do mar o petróleo, investimentos são necessários para garantir fornecimentos futuros.

Dentre estes investimentos imprescindíveis, ressaltaria, diretamente relacionados com a produção e comercialização, os necessários para prospecção e descoberta de novas jazidas, os da logística de distribuição, os destinados ao aumento de segurança e descoberta de possíveis falhas latentes, os de pesquisa e desenvolvimento de novos métodos, entre outros.

Há, também, outros investimentos que são importantíssimos. Não podemos ignorar tratar-se de empresa nacional estratégica. Portanto, comprometida com as metas de desenvolvimento nacional. Nesse aspecto, vultosos recursos são necessários para transformar a matriz energética para fontes de baixo carbono, compromisso premente que deve ter programas reforçados e ampliados.

Também, diminuição de impactos em áreas degradadas, ressarcimento de populações que são afetadas pela atividade, bem como, participação dos Estados nos frutos da atividade, fazem-se necessárias. Devemos lembrar que, por lei, as riquezas do subsolo do país pertencem à União e como tal a sociedade brasileira deve se beneficiar da extração.

Lembrando que, com o pré-sal, dos 90% do petróleo consumido no país, 75% vem dessa fonte. Se assumirmos tal fonte como a principal, mais cara do que as outras de origem nacional, segundo especialistas, para chegar ao consumidor, o barril, incluindo todos os gastos acima detalhados, ficaria, no máximo, entre 30 e 40 dólares. Estamos usando como referencia o preço internacional, ou seja, aos preços de hoje, 88 dólares. Mais que o dobro do custo envolvido, incluindo uma taxa de lucro razoável.

Em qualquer análise da concorrência, tal margem é escorchante, um absurdo. Uma análise isenta do CADE deveria levar à clara afirmação de que se está usando o poder de monopólio e, no caso em questão, deveria ser reprimida.

Surge, então, a questão do suprimento de derivados. O perigo do desabastecimento. Dois pontos a destacar.

Um primeiro é que pouco a pouco a Petrobras, por políticas deliberadas, foi sendo retirada do mercado. Por longos períodos as refinarias trabalharam abaixo de sua capacidade de produção, com capacidade ociosa injustificável, foi incentivada a entrada de empresas privadas no setor, principalmente com a adoção da Política de Paridade Internacional. Usa-se isso agora para garantir a essas empresas importadoras uma margem de lucro extraordinária, sem reverter de todo a ociosidade induzida.

Segundo, em engenharia fica clara a possibilidade de otimizações de processos que modifiquem a produção nacional de derivados. Mesmo com o petróleo mais pesado que dispomos. Nos últimos anos, nada foi feito para fazer esses ajustes e só foi vista agravar a situação de suprimento interno, em prol de distribuidoras que não nossa estatal.

Propostas para a Petrobrás

Tendo essas considerações em mente, acredito que seja necessário fazer as seguintes modificações da política de nossa empresa petrolífera.

Uma política de preços que considere o peso da produção nacional sem deixar de ponderar a parcela necessária de importação de derivados ainda necessária. Essa ponderação na formação do preço terá forte impacto na diminuição do custo final para os consumidores e, conseqüentemente, da inflação e na captação de novos investimentos para o País.

Garantir um nível adequado dos investimentos estruturais em prospecção, extração, logística e distribuição da empresa, a fim de tê-la como suporte de uma estratégia de crescimento de largo prazo.

Mudanças estruturais na área de suprimentos de derivados, com ajustes técnicos nas refinarias e maior peso da Petrobras no mercado de importação e distribuição de derivados.

Entender que a Petrobras tem forte peso, não só como companhia de petróleo, mas como empresa energética, e aumentar fortemente seu comprometimento com fontes alternativas de energia, com os compromissos de sustentabilidade adotados pelo país.

Aumentar sua participação no suporte a programas sociais e culturais, área da qual praticamente se retirou, dívida que tem com a sociedade brasileira, sua principal investidora através do Estado.

O abandono da política de paridade internacional no formato atual precisa ter uma pactuação também com o governo. Passa, também, por políticas governamentais que permitam evitar excessivas oscilações de oferta e preços e incentivem a crescente participação da nossa companhia petrolífera na distribuição. Uma política tributária que ao taxar exportações do produto e criar um fundo estabilizador, permita que os preços internos se mantenham em patamar condizente com a competitividade do setor produtivo e necessidades do mercado consumidor.

Essas diretrizes recolocariam a Petrobrás no seu papel de empresa estratégica para alicerçar um projeto de desenvolvimento.

Abraham B. Sicsú é economista

Fonte: Portal Vermelho

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