Fim da ‘quase-privatização’ da estatal saudita de petróleo
Durante os dois últimos anos, a Arábia Saudita preparou-se para pôr no mercado 5% da empresa estatal saudita de petróleo e gás. Funcionário
Durante os dois últimos anos, a Arábia Saudita preparou-se para pôr no mercado 5% da empresa estatal saudita de petróleo e gás. Funcionários promoveram e divulgaram a Oferta Pública Inicial de ações [ing. initial public offering (IPO)] da Saudi Arabian Oil Company (Aramco) com agências internacionais, bancos globais e o presidente Trump dos EUA.
O leilão seria a pedra fundamental sobre a qual se ergueria a prometida ‘modernização’ econômica, a partir dos $100 bilhões que o país arrecadaria no leilão, a maior IPO de todos os tempos. Foi a menina dos olhos do príncipe coroado Mohammed bin Salman, herdeiro presuntivo da coroa no maior exportador de petróleo do planeta.
Mas depois de meses de dificuldades, afinal as pernas internacionais e domésticas do tal ‘leilão’ foram cortadas.
Motivo: o pai do príncipe MbS, o rei Salman entrou em cena e pôs fim à conversa toda – disseram à Reuters três fontes próximas da família real.
A decisão foi divulgada depois de o rei ter-se reunido com membros da família, banqueiros e altos executivos do petróleo, dentre os quais um ex-presidente executivo da Aramco, disse uma das fontes, que pediu que seu nome não fosse divulgado. Essas consultas aconteceram durante o Ramadan, que terminou em meados de junho.
Os interlocutores do rei explicaram a ele que o leilão de privatização da empresa, mesmo que só de pequena parte dela, longe de ajudar o reino, o enfraqueceria. A principal preocupação daquele grupo era que uma oferta pública de ações forçaria a divulgação de segredos financeiros empresariais da Aramco.
No final de junho, o rei distribuiu mensagem ao seu gabinete administrativo (ar. diwan), exigindo que a oferta pública de ações fosse cancelada, disseram as três fontes. Uma segunda fonte disse que a decisão do rei é final e irrecorrível.
“Quando ele diz não, é não” – disse a fonte.
Depois que a Reuters informou semana passada que o negócio havia sido engavetado, o ministro da Energia Khalid al-Falih disse que o governo teria decidido apenas adiar o leilão, transferido para data ainda não marcada.
Alto funcionário saudita falou à Reuters dessa declaração e repetiu que o estado saudita, principal acionista da Aramco, trabalhava a favor de adiar a IPO para quando as condições estivessem preparadas.
“Muito nos surpreende que, apesar da declaração do ministro da Energia, de que o governo continua a planejar ativamente o leilão, a agência Reuters insista nas mesmas perguntas, alegando que o leilão teria sido cancelado.”
“O único acionista da Aramco é o estado da Arábia Saudita. Sua Majestade, rei Salman, delegou a gestão do leilão a Sua Alteza o príncipe coroado e a uma comissão que inclui ministros da Energia, Finanças e Economia. Assim sendo, decisões sobre o tipo e os prazos do leilão serão tomadas pela comissão e submetidas à aprovação do governo,” disse o funcionário.
Num país governado há décadas pela dinastia saudita, não surpreende que o rei tenha a última palavra. Mas o cancelamento do leilão de ações da Aramco é duro golpe contra o programa de reformas “Visão 2030” do príncipe, que visava a transformar completamente a economia estatal dependente do petróleo, da Arábia Saudita.
O movimento sugere que o rei está pondo em xeque o poder unilateral do jovem príncipe – adquirido logo depois que seu pai ascendeu ao trono em janeiro de 2015.
Também levanta dúvidas sobre a gestão, por Riad, do processo do leilão e sobre a intenção de realmente tornar mais transparente a economia – na avaliação de alguns investidores.
Tomar as rédeas
Embora o rei Salman conserve o poder de dar a palavra final nas políticas, ele cedeu muita autoridade ao filho, conhecido como MbS.
Depois de assumir poderes de ministro da Defesa e chefe da corte real em janeiro de 2015, MbS imediatamente iniciou guerra contra o Iêmen; assumiu posição mais assertiva contra o arquirrival Irã; e implementou boicote diplomático e comercial contra o Qatar.
Ao tomar as rédeas de um poderoso novo conselho econômico, implantou duro arrocho nos gastos do estado, e impulsionou o crescimento do setor privado e do investimento externo.
O rei também lhe permitiu impulsionar reformas de forte apelo popular, incluindo o fim da proibição de dirigir carros, para mulheres; e inaugurou cinemas naquele país muçulmano e profundamente conservador.
MbS entrou na linha de sucessão em abril de 2015, substituindo um tio na linha sucessória. Dois anos adiante foi tornado príncipe coroado, resultado de um golpe palaciano que removeu do poder seu primo, o príncipe Mohammed bin Nayef, ministro do Interior.
O rei já interveio algumas vezes.
Uma das intervenções mais divulgadas aconteceu ano passado, quando MbS deu a impressão de que Riad estaria apoiando o plano de paz de Trump para o Oriente Médio, ainda nebuloso, incluindo o reconhecimento, pelos EUA, de Jerusalém como capital de Israel, e o rei interveio, com uma correção pública.
Na reunião de cúpula da Liga Árabe em abril, o rei reafirmou o compromisso de Riad com a identidade árabe e muçulmana de Jerusalém depois que a decisão dos EUA gerara graves manifestações de protesto em todo o mundo islâmico.
“O rei é obcecado pela ideia de como a história o julgará. Não quer ser o rei que vendeu a Aramco, o rei que vendeu a Palestina” – explicou a segunda fonte.
Devagar, quase parando
Não está ainda claro qual dos argumentos contra o leilão teria convencido o rei Salman a cancelar o leilão da Aramco.
Mas especialistas da indústria e outras fontes já haviam dito à Reuters que os preparativos para o leilão estavam cada vez mais lentos, já há meses, por pelo menos dois motivos: ceticismo quanto ao que MbS disse em 2016, publicamente, que o leilão avaliaria a empresa em cerca de $2 trilhões; e preocupação quanto aos riscos de ilegalidade e de exposição das entranhas da empresa associados a leilão do qual participem empresas estrangeiras.
Em abril, Aramco parou de pagar pelos serviços nesse acordo a alguns dos bancos que trabalham no negócio, disseram à Reuters três fontes bancárias. Trata-se quase sempre de uma taxa fixa para assegurar que os conselheiros não fiquem sem remuneração, caso o negócio em andamento não aconteça. Consultado, um funcionário da Aramco não quis comentar.
Então, enquanto o rei deliberava, em meados de junho, os bancos, inclusive JP Morgan e Morgan Stanley, foram convidados a trabalhar em algo diferente.
Segundo uma fonte, aqueles bancos receberam pedido para que produzissem propostas pela quais a Aramco compraria ações da gigante SABIC petroquímica usando o Public Investment Fund, PIF, fundo soberano da Arábia Saudita.
Foi um primeiro sinal de que os planos para o leilão estavam sendo alterados e de que Riad começava a procurar outras fontes para obter fundos, segundo fontes bancárias.
O alto funcionário saudita disse que o interesse da Aramco em comprar parte das ações da SABIC estaria alinhado com os objetivos de se tornar líder mundial no negócio integrado de energia e petroquímica, e não alteraria o objetivo de vender parte das ações da Aramco.
“Transferir a propriedade da SABIC do PIF para a Aramco Saudita permitirá que o PIF promova estratégias e a governança e fortalecerá o portfólio do PIF” – disse o mesmo funcionário.
“Essa aquisição estratégica terá necessária um impacto, no tempo, mas não o mesmo objetivo de um leilão (IPO da Aramco).”
Porta-voz de JPMorgan e Morgan Stanley não quis comentar se os bancos teriam algum papel no negócio com a SABIC.
Agenda contida
A Arábia Saudita ainda pode gerar dinheiro de fontes alternativas e avançar com outras reformas. Mas MbS anunciou que o leilão ajudaria a criar uma cultura de abertura, no reino cercado de segredos. (…)
As fontes disseram que, embora a decisão do rei tenha o efeito de conter a agenda do príncipe, ele continua a ser o filho favorito e herdeiro (…). E sugerem que o rei deseje mostrar que ele próprio, não o príncipe, será doravante a voz que decide.
“Acho que não veria o movimento como redução no poder do príncipe coroado. Parece-me mais movimento para garantir que o príncipe não tome medidas tão radicais, tão imediatamente,” disse James Dorsey, professor da Escola de Estudos Internacionais S. Rajaratnam de Singapura [ing. RSIS].
Traduzido por Vila Vudu
Fonte: Oriente Midia
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