O mundo atravessa uma quadra de extraordinária complexidade e elevados riscos. Estamos ameaçados por perigos de guerra nuclear, por problemas sociais e demográficos, pela destruição ambiental e pelos impactos incalculáveis do progresso tecnológico acelerado, em especial da inteligência artificial. Faz-se necessária, mais do que nunca, uma discussão verdadeiramente global, não excludente, da qual possam participar todas as nações.
Escrevo da Rússia dessa vez. Vim para cá para participar, em Sochi, de um evento de grande importância para os russos: o encontro anual do Clube Valdai, um fórum de discussão de assuntos de interesse mundial. Nesse ano, o tema central do encontro foi “O mundo policêntrico: instruções para uso”.
Embora não seja um fórum oficial, o Clube Valdai é muito prestigiado pelo governo russo. No encontro desse ano, assim como nos anteriores, tivemos a presença de várias autoridades russas, entre elas o ministro Lavrov, das Relações Exteriores, e o próprio presidente Putin, que passou mais de quatro horas debatendo com os 140 participantes de 40 países, incluindo intelectuais, diplomatas, economistas e acadêmicos de quase todas as partes do mundo.
Em razão da desinformação que prevalece no Brasil e nos países desenvolvidos, o Clube Valdai é pouco conhecido fora da Rússia. Mal comparando, poderia dizer que é uma espécie de Davos russo. Como Davos, Valdai é uma instância onde pessoas de todo o mundo discutem questões internacionais candentes. Davos, entretanto, é palco para as elites ocidentais e seus vassalos de países em desenvolvimento. Já em Valdai, o tom é dado pelos russos e pelos participantes do exterior, a grande maioria dos quais de países do Sul Global. A presença de europeus e americanos é bem reduzida.
Não era essa a intenção dos criadores de Valdai quando o clube foi estabelecido há pouco mais de 20 anos. A ideia original era criar as condições para um diálogo entre a Rússia e o Ocidente. Nos últimos dez anos, e especialmente depois do início da guerra na Ucrânia, esse diálogo foi interrompido. Os poucos ocidentais que comparecem correm riscos profissionais. A Rússia é vista como tóxica no Ocidente e como tóxicos, também, por extensão, são vistos aqueles que aceitam convites para vir a Valdai. Nos Estados Unidos e na Europa, a democracia é cada vez mais relativa.
