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Frei Betto

Geração Z e vulgarização da política

Votos à ex­trema-di­reita pro­cedem, ma­jo­ri­ta­ri­a­mente, de jo­vens de menos de 35 anos.

Publicado em 01/08/2024
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“Al­guma coisa acon­tece” e não é no co­ração de Ca­e­tano Ve­loso. É na po­lí­tica. As re­centes elei­ções para o Par­la­mento Eu­ropeu re­sul­taram vi­to­ri­osas para a ex­trema-di­reita. Em 2019, os votos con­sa­graram os verdes; agora, os au­to­ri­tá­rios.

Na União Eu­ro­peia elei­tores com menos de 30 anos pre­fe­riram votar em AfD, na Ale­manha; Vox, na Es­panha; Chega!, em Por­tugal; Vlaams Be­lang, na Bél­gica; e Finn, na Fin­lândia. Ex­ce­ções foram a Itália, onde a pre­fe­rência re­caiu sobre o Par­tido De­mo­crata, de centro-es­querda, e a vi­tória sur­pre­en­dente da es­querda nas elei­ções para o par­la­mento francês.

Muitos su­pu­nham que a Es­panha, após 36 anos de di­ta­dura do ge­neral Franco (1939-1975), ja­mais daria votos a pro­postas au­to­ri­tá­rias. Em 2014, com apenas quatro meses de exis­tência, o par­tido Po­demos, de es­querda, con­quistou cinco ca­deiras no Par­la­mento Eu­ropeu e foi a quarta sigla mais vo­tada na Es­panha. Agora a di­reita es­pa­nhola ob­teve 28 ca­deiras.

Com a nova com­po­sição do Par­la­mento Eu­ropeu, os de­pu­tados de di­reita e centro-di­reita serão 402 do total de 720, do­mínio de 56%. Antes, eram 396.

Em Por­tugal, que es­teve sob a di­ta­dura de Sa­lazar du­rante 41 anos (1933-1974), o par­tido Chega!, de ex­trema-di­reita, me­receu 20% dos votos e ga­nhou 48 ca­deiras no par­la­mento por­tu­guês.

Chile e Ar­gen­tina, que foram go­ver­nados por di­ta­duras mi­li­tares, também as­sistem a as­censão da di­reita. No Chile, a ex­trema-di­reita do Par­tido Re­pu­bli­cano tornou-se a prin­cipal força de opo­sição ao go­verno pro­gres­sista ao con­quistar a mai­oria do con­selho cons­ti­tu­ci­onal en­car­re­gado de re­digir a nova Cons­ti­tuição do país (re­jei­tada pela mai­oria do elei­to­rado em de­zembro pas­sado). Na Ar­gen­tina, além da vi­tória de Milei – um Bol­so­naro que ao menos lê jor­nais -, a atual vice-pre­si­dente do país, Vic­toria Vil­lar­ruel, de­fendeu a Junta Mi­litar du­rante a cam­panha pre­si­den­cial, sem que isso pre­ju­di­casse sua eleição.

Essa nova con­jun­tura po­lí­tica tem um de­no­mi­nador comum: os votos à ex­trema-di­reita pro­cedem, ma­jo­ri­ta­ri­a­mente, de jo­vens de menos de 35 anos. O maior elei­to­rado está entre os jo­vens de 18 a 25 anos.

Essa ge­ração Z são os cha­mados “na­tivos de­mo­crá­ticos”, pois não vi­veram sob di­ta­duras nem a eles foram trans­mi­tidos os va­lores de­mo­crá­ticos. E são cha­mados Z por serem vi­ci­ados em za­pear. Nas­ceram ma­ni­pu­lando con­troles re­motos e tec­no­lo­gias di­gi­tais.

As di­ta­duras cuidam de in­cutir nos jo­vens seus “va­lores”, sob es­trita cen­sura à li­ber­dade de ex­pressão, como fi­zeram os mi­li­tares bra­si­leiros ao in­tro­duzir nos cur­rí­culos es­co­lares Edu­cação Moral e Cí­vica e OSPB (Or­ga­ni­zação So­cial e Po­lí­tica Bra­si­leira). As de­mo­cra­cias não fazem edu­cação po­lí­tica, não en­sinam ética, não com­batem pre­con­ceitos, não in­cutem es­pi­ri­tu­a­li­dade (não con­fundir com re­li­gião) e res­tringem a edu­cação se­xual a aulas de hi­giene cor­poral para evitar do­enças se­xu­al­mente trans­mis­sí­veis…

Hoje, muitos jo­vens pensam que os po­lí­ticos não se pre­o­cupam com eles e go­vernam vol­tados apenas a seus in­te­resses pes­soais e cor­po­ra­tivos. Usam e abusam do di­nheiro pú­blico. E não de­mons­tram ne­nhum apreço pelo bem comum, querem apenas ga­nhar elei­ções e per­ma­necer no poder.

Qual jovem, hoje, con­si­dera um po­lí­tico alvo de sua ad­mi­ração e digno de ser imi­tado? Minha ge­ração teve vá­rios, de Fidel a Man­dela, de Che Gue­vara a Do­lores Ibár­ruri (La Pa­si­o­naria) e Rosa Lu­xem­burgo, de Gandhi a Luther King, de Prestes a Ma­righella, de Ulysses Gui­ma­rães a Te­otônio Vi­lela.

Pes­quisas de­mons­tram que os jo­vens com menos de 35 anos acre­ditam que terão um fu­turo pior do que seus pais, de­vido à di­fi­cul­dade de em­prego, aos baixos sa­lá­rios, à vi­o­lência ur­bana. A crença no poder da po­lí­tica em mudar a con­jun­tura findou com a Ge­ração 68. Agora é cada um por si e Deus por nin­guém… Porque a po­lí­tica se vul­ga­rizou, perdeu o en­canto, se deixou cor­romper, tra­gada pelo cor­po­ra­ti­vismo.

Essa acen­tuada vul­ga­ri­zação da po­lí­tica tem sua raiz no de­sin­te­resse do elei­to­rado. As redes di­gi­tais des­mo­bi­lizam ao es­garçar as ins­ti­tui­ções de or­ga­ni­zação co­le­tiva (as­so­ci­a­ções, mo­vi­mentos, sin­di­catos etc.) e fa­vo­recem o in­di­vi­du­a­lismo. O eleitor se per­gunta o que o po­lí­tico fez ou fará por ele. Pre­mido pela ace­le­ração elei­toral – ir às urnas a cada dois anos – ele se­quer con­segue ava­liar o de­sem­penho de quem elegeu no pas­sado.

Os jo­vens já não so­nham com uto­pias, querem so­lu­ções ime­di­atas. Para muitos pouco im­porta se o mundo é ca­pi­ta­lista ou so­ci­a­lista. Estão mais pre­o­cu­pados com suas ques­tões iden­ti­tá­rias, de gê­nero, de etnia, de ori­en­tação se­xual etc. E nada in­te­res­sados em iden­ti­dade de classe so­cial.

O Re­la­tório Mun­dial sobre a Fe­li­ci­dade, deste ano, in­dica que os jo­vens são o grupo etário mais in­feliz da Eu­ropa de­vido às pre­o­cu­pa­ções que afetam toda a União Eu­ro­peia: au­mento do custo de vida, ameaça de po­breza e ex­clusão so­cial.

Se­gundo Mau­rício Mo­li­nari, di­retor do jornal La Re­pub­blica, uma mi­noria de jo­vens ainda se mo­bi­liza contra o aque­ci­mento global e as guerras. A mai­oria está muito mais pre­o­cu­pada com a de­te­ri­o­ração da qua­li­dade de vida. Se votam na di­reita é por medo da po­breza e de ad­ver­si­dades pro­pa­gadas pelas cam­pa­nhas contra os mi­grantes, acu­sados de não que­rerem se in­te­grar, não res­pei­tarem as leis e dis­se­mi­narem a vi­o­lência.

Daí as pro­postas de Le Pen, na França, a favor da re­dução drás­tica dos im­postos para os me­nores de 30 anos, de as­sis­tência fi­nan­ceira aos tra­ba­lha­dores es­tu­dantes e sub­sí­dios à mo­radia. Na Ho­landa, o líder da ex­trema-di­reita, Geert Wil­ders e, na Ale­manha, o AfD (Al­ter­na­tiva para a Ale­manha), par­tido de ex­trema-di­reita, pro­metem fa­vo­recer de pro­teção da saúde e ga­rantir mo­ra­dias para as ge­ra­ções jo­vens.

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No Brasil, já não se vê mo­bi­li­zação do mo­vi­mento es­tu­dantil em prol de mu­danças es­tru­tu­rais. Nem em­penho dos par­tidos pro­gres­sistas na for­mação po­lí­tica de jo­vens, em­bora os que se en­con­tram na faixa etária de 16 a 29 anos te­nham pre­fe­rido, nas elei­ções de 2022, Lula (51%) e Bol­so­naro (20%), se­gundo Da­ta­Folha.

Em nome da an­ti­po­lí­tica, a po­lí­tica se en­contra ame­a­çada pelo des­pertar de um monstro que todos ima­gi­navam so­ter­rado: o na­zi­fas­cismo.

Frei Betto - As­sessor de mo­vi­mentos so­ciais. Autor de 53 li­vros, edi­tados no Brasil e no ex­te­rior, ga­nhou por duas vezes o prêmio Ja­buti (1982, com "Ba­tismo de Sangue", e 2005, com "Tí­picos Tipos")

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