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Mônica Sodré

Guerras, petróleo e clima

O futuro é para ontem

Publicado em 26/09/2025
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O desenvolvimento econômico do mundo nos últimos três séculos se deu à custa da natureza e determinou a acumulação de riqueza, os fluxos financeiros e o poder geopolítico. Nunca se viu um país abrir mão de ativos e recursos estratégicos pelo dano que podem causar, das pessoas à biodiversidade. Diante disso, dois debates devem ser colocados no Brasil: a exploração de novas fronteiras de petróleo e gás e a de minerais críticos e estratégicos, considerados fundamentais para as transições energética e climática.

Combustíveis fósseis são, ainda hoje, responsáveis por 80% da energia do mundo e, olhando para o futuro, observase que, da Agência Internacional de Energia à Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep), há uma convergência nos cenários de médio e longo prazo: crescerá a demanda global por energia, com persistência do petróleo no mix global. Em âmbito doméstico, a demanda deve dobrar até 2033.

Diante disso, a pergunta essencial é: de onde ela virá?
Se a corrida pelo futuro é por energia e tecnologia, será também uma corrida por minerais críticos e estratégicos, fundamentais para a geração de fontes limpas, já que há 50 anos a ciência sabe da relação entre a queima de combustíveis fósseis e o aquecimento do mundo. Um carro elétrico demanda, em média, seis vezes mais minerais do que um convencional e um parque eólico terrestre nove vezes mais do que uma usina térmica a gás. Segundo a Agência Internacional de Energia, nos cenários alinhados ao Acordo de Paris (net zero), a demanda por minerais críticos mais do que quadruplica até 2040.

Os atuais investimentos em mineração e processamento são insuficientes para fazer frente à demanda futura, criando um gargalo iminente. Diferentemente do petróleo, a concentração da produção e do processamento desses minerais é muito maior, criando pontos únicos de falha na cadeia global, representando um risco sistêmico aos negócios. Diante disso, a corrida já começou, com países se reorganizando em blocos e buscando substituição e reciclagem.

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Se eletrificação e mudanças do clima demandam esses minerais; as guerras também, empregando-os em drones, radares e caças. O mundo se prepara para a guerra e o gasto militar hoje é o maior dos últimos 40 anos. Com o crescimento da fragmentação e conflitos, minerais críticos e estratégicos serão a nova arma geopolítica. Dada sua dupla utilidade, a corrida não é só econômica ou ambiental, mas sim por superioridade tecnológica e militar. Não podemos, portanto, tratar o assunto como mera exportação de commodities.

Considerando que o Brasil detém parte das reservas desses minerais, já estamos no centro de uma disputa geopolítica em curso. E assumindo que sua exploração ocorrerá pelos motivos descritos, é fundamental saber responder: como usar nossas vantagens para gerar mais riqueza de forma que beneficie os brasileiros, tendo a natureza como aliada do desenvolvimento?

A resposta, além da criação de um marco legal para lidar com o assunto, passa por uma estratégia nacional para criação de uma indústria de reciclagem de baterias e resíduos eletrônicos. Também passa pela necessidade de estudos econômicos que demonstrem o potencial de adensamento das cadeias dos minerais. É necessária a revisão e criação de políticas locais, de modo a evitar os desvios de finalidade que ocorrem com a Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (CFEM), incentivos fiscais para estimular empresas que processem e fabriquem os produtos com nossos minerais aqui. Outras medidas incluem compensações atreladas à outorga, como fechamento de minas, compensação de áreas degradadas e rastreabilidade, investimentos em infraestrutura e logística para o escoamento e salvaguardas socioambientais que superem vulnerabilidades da mineração tradicional, incluindo análise de ciclo de vida; manejo adequado de rejeitos e resíduos; incentivo a métodos de extração com menor impacto e maior eficiência.

Estamos diante de um dos maiores desafios do nosso tempo: como gerar riqueza e prosperidade sem contribuir para o colapso climático e cuidando para que ele não colapse nossas economias. O enfrentamento dele é essencialmente contraditório: as soluções para o clima são predatórias para a natureza e meio ambiente.

Assumindo que a contradição é um dado, não é ilógico que um país como o Brasil decida explorar as riquezas de seu subsolo, autorizadas pela sua Constituição federal. Ilógico poderá ser um país que almeja exercer a liderança climática no mundo, sem encarar discussões substantivas sobre os impactos e as escolhas econômicas que isso implica, olhando-a exclusivamente no curto prazo e pelas sensibilidades ambiental e científica, e com baixa clareza sobre o papel que quer para si.

Para efeitos de desenvolvimento, não podemos ignorar também a falta de visão estratégica como elemento igualmente atrasador do desenvolvimento do País. Diante disso, mudanças de comportamento são necessárias, de uma visão de política externa que coloque o assunto no centro da conversa e que busque diversificação de parceiros de modo a evitar novas velhas dependências, aos tomadores de decisão que têm hoje nas mãos a tarefa de decidir como – e não se – faremos parte desse jogo.

O futuro é para ontem.

Mônica Sodré - Cientista política, sênior fellow do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (CEBRI)

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