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Pacto Ecossocial e Intercultural do Sul

Hidrogênio: Uma falsa solução

Longe de ser uma alternativa, estamos mais uma vez perante falsas soluções para a crise sócio ecológica, que promovem uma lógica neocolonial e exacerbam estratégias de concentração econômica e social

Publicado em 23/10/2024
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À escala mundial e na América Latina, tem havido uma verdadeira corrida para acelerar a produção, a comercialização e a exportação de hidrogênio “verde” ou sem emissões como “nova fonte de energia”. Este interesse é marcado pelas necessidades [1] e compromissos de descarbonização dos países do Norte Global; e pela urgência de substituir os combustíveis fósseis onde a eletrificação não é possível ou suficiente, como no caso do transporte de mercadorias e da indústria metalúrgica. Assim, o hidrogênio é promovido com todo o tipo de frases esperançosas, como “o combustível do futuro” ou “a peça que faltava para a descarbonização”, prometendo dar resposta a uma necessidade crítica e ainda sem resposta: a manutenção da atual sociedade industrializada, intensiva em energia e em materiais, sem a utilização de combustíveis fósseis.

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No Pacto Ecossocial e Intercultural do Sul, acreditamos que há boas razões para desconfiar do entusiasmo das elites políticas e econômicas. Reproduzindo as relações históricas de subordinação econômica e política entre o Norte e o Sul Global, as promessas e acordos para a produção de hidrogênio estão a determinar quais os territórios latino-americanos que irão acolher as infraestruturas energéticas – principalmente eólicas e solares – necessárias para a produção e exportação de hidrogênio e seus derivados. Além disso, a grande escala de produção, considerando as suas diferentes fases (dessalinização, eletrólise, armazenamento e transporte), aumenta o stress ecológico em regiões historicamente afetadas por grandes intervenções extrativas ou, pelo contrário, em regiões que ainda conservam o seu elevado valor ecossistêmico. Antofagasta e Magallanes, no Chile, La Guajira, na Colômbia, o istmo de Tehuantepec, no México, e a pequena cidade de Tambores, no norte do Uruguai, para citar apenas alguns exemplos, são locais onde foram planejados grandes complexos industriais para a instalação desta indústria.

Mas projetos semelhantes estão também a ser promovidos em África, por exemplo, na África do Sul e na Namíbia, criando mais uma vez um cenário em que os países do Sul global vão competir entre si para suprir uma procura que nem sequer está assegurada. Na Alemanha, um dos países do Norte Global que mais tem apostado nestes projetos, o debate sobre quais as indústrias que irão efetivamente comprar a quantidade de hidrogênio e qual a melhor concepção para a sua cadeia de produção global está longe de estar resolvido, dados os elevados riscos e custos associados ao seu transporte.

Tendo em conta a grave crise ecológica, climática, econômica e política em curso, os esforços de transição energética devem ser orientados tanto para a reparação dos territórios e comunidades afetados como para a proteção dos soco ecossistemas. Do mesmo modo, a construção de infraestruturas solares e eólicas [2] deve estar ao serviço de uma agenda de transição energética descentralizada e democrática que dê prioridade ao abastecimento de habitações, hospitais e centros educativos, em harmonia com os usos do solo daqueles que habitam e protegem os territórios. Mas os megaprojetos “verdes” ou “livres de emissões” de hidrogênio, apesar da sua publicidade como alternativa energética, parecem ir na direção oposta. De fato, as comunidades dos territórios prioritários para a sua produção estão já expostas a uma avalanche de iniciativas que visam obter o seu consentimento “informado”, iniciativas que segmentam a apresentação dos projetos e não esclarecem o alcance, os custos e os benefícios da indústria, reproduzindo assim as mesmas práticas nefastas dos megaprojetos fósseis.

A necessidade de descarbonizar não deve tornar-se uma desculpa para perpetuar relações de subordinação e dependência dentro e entre países, transformando territórios e comunidades em pedreiras de energia. Tal como se apresenta nas estratégias e roteiros nacionais, a promoção do hidrogênio está mais orientada para a satisfação das exigências do mercado global de energia e do modo de vida imperial nos grandes centros de produção e consumo, do que para as necessidades das comunidades e territórios do Sul global onde se instalam, como tem sido historicamente o caso da indústria dos combustíveis fósseis.

A partir do Pacto Ecossocial e Intercultural do Sul, consideramos que priorizar o hidrogênio verde como uma nova mercadoria significa, mais uma vez, deixar de lado as agendas urgentes de uma transição energética justa e popular, que buscam promover o direito à energia e proteger os sistemas sócio ecológicos. Para os países do Sul global, e em particular para a América Latina, cumprir os objetivos de produção e comercialização do hidrogênio em grande escala significa aceitar a possibilidade de criar novas zonas de sacrifício – agora “verdes” – em nome do mesmo modelo econômico de energia intensiva que é responsável por esta crise. Longe de ser uma alternativa, estamos mais uma vez perante falsas soluções para a crise sócio ecológica, que promovem uma lógica neocolonial e exacerbam estratégias de concentração econômica e social típicas do paradigma fóssil.

NR
[1] A palavra “necessidade” está mal empregada aqui – não existe necessidade alguma. A promoção do hidrogênio é apenas um objetivo do capital monopolista e financeiro interessado em novas fontes de lucro, não em exigências técnicas ou de recursos. A única necessidade que realmente existe é a da utilização racional da energia e do planejamento energético, o que contraria as políticas mentecaptas da União Europeia. O hidrogênio é um vetor ou portador energético, não uma fonte de energia.

[2] A promoção intensa das energias intermitentes (eólica e fotovoltaica) contraria a utilização racional da energia, é lesiva aos interesses nacionais e tem de ser subsidiada. Em Portugal a potência instalada em energias intermitentes já ultrapassa a que pode colocada na rede e, assim, obriga o país a importar eletricidade nos momentos em que é necessária. Este problema foi agravado pelo crime econômico de sucatear duas das termoelétricas que existiam no país (Pego e Sines) durante o governo António Costa.

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