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Marcio Pochmann
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Lava e vaza jato na decadência nacional

A Operação Lava Jato foi decisiva para o aprofundamentoda trajetória regressiva da economia brasileira ao longo da segundametade d

Publicado em 12/08/2019
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A Operação Lava Jato foi decisiva para o aprofundamento da trajetória regressiva da economia brasileira ao longo da segunda metade da década de 2010. Concomitante com o retorno do receituário neoliberal de saída da crise a qual a economia se encontra desde 2015, o Brasil termina, em 2019, completando a primeira década perdida do século XXI.

Enquanto nos anos de 2010-14, por exemplo, a economia brasileira – sem a existência da operação Lava Jato – cresceu 3,2% como média anual, na segunda metade da década de 2010 – com a presença da operação Lava Jato – o país regrediu, em média, de 1% ao ano. Com isso, o desempenho do PIB foi de apenas 1,1% como média anual no último decênio.

A última vez que o país registrou a existência de uma década definida como perdida ocorreu nos anos 1980, cuja variação média anual do PIB foi de 1,6% (45% superior ao verificado nos anos 2010). Na década de 1980, por exemplo, o fim do regime político autoritário deixou como herança a economia endividada e prisioneira do Fundo Monetário Internacional, contaminada por desconcertante inflação e desorganizadas contas públicas, ademais de generalizada pobreza e profunda desigualdade social.

Nos dias de hoje, todavia, predomina no governo o diagnóstico de que o país não consegue crescer porque o Estado se tornou obstáculo devido ao “gigantismo dos gastos públicos a sufocar o setor privado e a impedir a volta do cresLava e vaza jato na decadência nacional cimento econômico”. Nesse sentido, a superação da crise dependeria da continuidade aprofundada do atual curso do receituário neoliberal, único capaz de impor brutal apequenamento estatal, suficiente para libertar e estimular capitalistas a tomarem as rédeas do crescimento econômico.

Ainda que dominante, o prognóstico neoliberal encontra-se equivocado. A começar pela falsa afirmação de que o entrave econômico encontra-se no Estado, quando, na realidade, é parte fundamental da própria solução da crise atual. O apregoado argumento da desorganização nas finanças públicas não resiste à análise dos dados de realidade, uma vez que a piora nas contas governamentais não provém do abuso de gastos. Pelo contrário, deriva de significativa redução na arrecadação tributária, gerada por desaceleração e recessão da economia, desindustrialização, desonerações fiscais excessivas e outras razões.

Enquanto no período de 2007 a 2010, por exemplo, a despesa e a receita primárias cresceram relativamente parelhas (9,8% e 9,5% como média anual, respectivamente), percebe-se que no momento seguinte (2011 a 2014), a arrecadação desabou para variação média anual de 0,2% frente à desaceleração importante dos gastos de 3,5%. Com a recessão econômica de 2015 e 2016, as receitas decresceram -0,7% como média anual e as despesas foram concomitantemente contraídas para variação média anual de 0,6%, o que significou estabilização do gasto público, não o seu crescimento abusivo como equivocadamente tratado pelos neoliberais.

Isso, por si só, ajudaria a entender como ocorreu o agravamento do déficit primário nas contas públicas. Quanto mais cortar as despesas públicas, que influenciam a dinâmica da economia, mais difícil retomar o crescimento e, com isso, superar o obstáculo da expansão consistente nas receitas governamentais.

Ademais, a trajetória de ascensão no déficit nominal do setor público encontra-se diretamente associada ao aumento da gastança, sem limites, com os juros da dívida, sempre estimulada por juros elevadíssimos pagos pelo próprio governo. O desvio dessa constatação favorece o caminho mais simples para iludir a população, contribuindo para a consolidação neoliberal na primeira década perdida do século XXI.

Da mesma forma, porta-vozes do receituário neoliberal insistem em depositar nas despesas de pessoal do governo central a pecha de fora do controle. Mas ao contrário, o que se verifica no acompanhamento do total do gasto público com pessoal ativo e inativo é que para o ano de 2017, o gasto equivalia a 4,3% do PIB, enquanto em 2002, representava 4,8% do PIB. 

Se considerarmos também a evolução das despesas públicas com pessoal e juros, encontra-se o principal vilão do déficit nominal. Resumidamente, a despesa pública com juros em 2017 foi 21% superior ao conjunto de gastos com pessoal no governo federal, enquanto em 2002, os juros da dívida pública equivaliam a 58,3% do que o governo federal comprometia com o pagamento das despesas de pessoal ativo e inativo.

O retorno da dominância do receituário neoliberal no período recente se alimentou da perspectiva aberta pela Operação Lava Jato de focar a seletividade da materialidade da corrupção no setor público, menosprezando o papel central do corruptor privado e de sua engrenagem na competição intercapitalista. Ao invés de atacar fundamentalmente os personagens da corrupção, isolando-os dos empreendimentos aos quais se encontravam atuando enquanto dirigentes, conforme ocorre na experiência internacional, a Operação Lava Jato contribuiu para sufocar setores inteiros que eram responsáveis por parte significativa do crescimento da economia nacional (como petróleo e gás, construção naval e civil, entre outros).

Com isso, a autonomia nacional foi atacada, desconstituindo produção interna e tornando-a mais dependente do exterior. De certa forma, é a materialização da tese central do realismo periférico, responsável pelo convencimento das elites governantes locais a respeito da importância de aderir voluntariamente ao receituário de submissão da nação ao sistema de hierarquia dominante no mundo.

Nesse sentido, a subordinação verificada no processo de globalização conduzido pelas grandes corporações transnacionais, capaz de constranger as possibilidades de algum protagonismo nacional nas cadeias globais de valor. De alguma forma, os governos do PT buscaram fortalecer o mercado interno através de importantes políticas de inclusão social aliadas à valorização do setor produtivo nacional.

Para tanto, a diversidade de estímulos associada a créditos subsidiados, garantias de financiamento e compras públicas, defesa de produção de conteúdo local, reforço à inovação tecnológica, desoneração fiscal, entre outras iniciativas, se mostraram fundamentais para que o país pudesse combinar o regime democrático com o crescimento econômico e ampla inclusão social.

Ao mesmo tempo, o Brasil passou a obter inédito protagonismo internacional relacionado às iniciativas externas de promoção tanto da integração sul-americana como das relações sul-sul, especialmente a formação dos BRICS.

Com o abandono da tese do realismo periférico trazido pelo receituário neoliberal dos anos de 1990, as perspectivas da soberania e emancipação nacional foram sendo materializadas na década de 2000. Mas a crise da globalização em 2008 levou aos Estados Unidos a reconsiderarem a artificialidade da visão do “fim da história” descrita por Francis Fukuyama, apoiada ainda na crença da unipolaridade mundial vigente após o fim da Guerra Fria e da URSS nos anos de 1990.

Naquela oportunidade, a China começava a dispor de condições globais crescentes. Inclusive as irradiadas pelo significativo projeto mais recente da nova Rota das Sedas, em curso na década de 2010, enquanto o Brasil e outras nações intermediárias se reposicionavam no cenário mundial decorrente dos avanços na multipolaridade mundial.

Imediatamente, a contraofensiva estadunidense atual se ampara na adoção de medidas direcionadas ao endurecimento da relação comercial e tecnológica com a China, inclusive nos ensaios de exercício no campo de guerra em países como a Ucrânia, Turquia, Irã e Venezuela. Além disso, o estímulo norte-americano às ações políticas externas, visando o bloqueio direto e indireto às estratégias adotadas por nações emergentes voltadas ao protagonismo de participar no cenário em expansão da multipolaridade global.

Mas para isso ser viabilizado, a cobertura de elites dirigentes locais à tese do realismo periférico precisou ser novamente provocada, exigindo, em certos casos, a própria intervenção dos EUA nas operações de destituição de governos democraticamente eleitos e contrários ao retorno do neoliberalismo. Novamente o Estado passou a concentrar as críticas pelas mazelas nacionais, tornando-se o centro responsável por todos os males, conforme passou a ser verificado mais recentemente no Brasil, cujo princípio da contração fiscal expansionista passou a ser basilar na condução da política econômica e social.

Resumidamente, a Operação Lava Jato parece ter servido tanto aos propósitos externos quanto internos de praticar o contracionismo no gasto público não financeiro (custeio e investimento), responsável pela asfixia do crescimento econômico e da retração, por consequência, da arrecadação fiscal. Assim, diferentemente do apregoado pelo receituário neoliberal, continua a ser insistentemente reafirmado pelo oligopólio de comunicação e porta-vozes do dinheiro que a economia brasileira encontra-se, em 2019, com 5% inferior ao nível de renda de 2014.

Concomitante com o golpe de 2016, a Lava Jato contribuiu para colocar fim à perspectiva de projeto da nação, aprofundando a polarização no interior da sociedade a tal ponto de inviabilizar possível convergência de interesses internos em torno de rumo alvissareiro ao país. Nesse cenário, o horizonte da decadência nacional poderia ser interrompido, quando as recentes divulgações do The Intercept Brasil apontam a Operação Lava Jato enquanto projeto de poder, que retirou a presidenta democraticamente eleita, impediu a candidatura de Lula, bem como associada à artificialidade do protagonismo de vaidades e personalismo e ao enriquecimento a partir do serviço público.

* Marcio Pochmann é professor do Instituto de Economia e pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho, ambos da Universidade Estadual de Campinas.

Fonte: Jornal do Corecon-RJ

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