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Marcos Paulo Nogueira

O governo Lula abre caminho para a volta da extrema direita?

Economistas inventaram a austeridade e pavimentaram o caminho para o fascismo

Publicado em 15/02/2024
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Em seu majestoso livro, Clara Mattei estuda o nascimento da austeridade moderna. A tese defendida pela economista italiana já se encontra estampada na capa do livro: “como economistas inventaram a austeridade e pavimentaram o caminho para o fascismo”. Em sua análise, é demonstrado como a austeridade é um pilar da ordem do capital, ou seja, uma ferramenta de manutenção das relações sociais de produção.

Uma das características mais marcantes – e falaciosas – dessa nova forma de austeridade é o afastamento da classe trabalhadora das decisões de política econômica. O debate da economia política é substituído pela ciência econômica, supostamente uma ciência pura, que possibilitaria a tomada de decisões através de um critério neutro, técnico e livre de qualquer viés político. A partir desse ponto, a teoria econômica liberal modelou um campo de estudo voltado para a manutenção do status quo, não apenas ao pensar o capitalismo como um fato dado da natureza como também ao substituir a classe trabalhadora como a classe produtora pelos capitalistas como os seres dotados da racionalidade e das virtudes necessárias para a poupança, o investimento e, portanto, merecedores da acumulação privada de capital.

Ao se observar a forma pela qual a austeridade opera, podemos descartar três formas de austeridade que coexistem e formam elos de encadeamentos e retroalimentação. A austeridade fiscal se caracteriza por cortes dos gastos públicos e foco na taxação regressiva. A austeridade monetária está centrada na elevação da taxa de juros e consequente corte nas linhas de crédito. Por fim, a austeridade industrial impõe a hierarquização das relações de produção e institui um ambiente de estabilidade para os capitalistas dentro do processo de produção – seja através de demissões em massa, perseguição a sindicatos, redução salarial etc.).

Os efeitos de todas essas formas de austeridade se encontram na ampliação do desemprego, precarização e incentivo à privatização dos serviços públicos, deflação da renda dos trabalhadores, aprofundamento do caráter primário-exportador das economias periféricas, potencialização das diferentes formas de desigualdade, menor crescimento econômico, entre outros. Em contrapartida, no entanto, evidencia-se a ampla elevação da taxa de lucro dos grandes capitalistas, seja através de maior nível de exploração da força de trabalho (que se entrelaça com os ataques aos direitos trabalhistas), seja através do parasitismo rentista (visto que para o pagamento dos serviços da dívida pública não há teto ou mecanismo de controle). Se pudéssemos colocar em poucas palavras esse processo complexo e amplo, poderíamos dizer que a austeridade é uma força contra a classe trabalhadora; portanto, favorável aos grandes capitalistas.

O governo Lula foi eleito com promessas audaciosas, como encaminhar programas de desenvolvimento social, econômico e ambiental e recuperação do protagonismo do Estado, ao realizar fortes críticas ao neoliberalismo e ao Teto de Gastos. No entanto, todo esse discurso parece se encontrar em dissonância com a postura de austeridade defendida pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad.

O governo Lula já se inicia com a proposta do Novo Arcabouço Fiscal, um mecanismo extremamente rebaixado de controle fiscal frente às promessas de campanha. O NAF limita o crescimento das despesas, diminuindo ano após ano o tamanho do Estado no PIB. Embora estejam certos os que argumentam que o congresso seja reacionário e conservador, é importante lembrar que o NAF foi uma proposta direta do Executivo, elaborada sem participação popular e de lideranças de movimentos sociais.

Inclusive, o próprio ministro da Fazenda, ao ser questionado pela deputada federal Fernanda Melchionna, afirma que o objetivo dele é garantir um ambiente favorável para que o Banco Central possa baixar a taxa de juros e assim impulsionar a confiança dos investidores. Haddad adota, portanto, um marco da teoria econômica ortodoxa, já ultrapassada e apelidada de “fada da confiança” – o mesmo argumento conservador de Roberto Campos Neto.

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Como se não bastasse, Fernando Haddad anuncia a meta de déficit zero para 2024, reduzindo um orçamento já perverso para os mais oprimidos e para a classe trabalhadora do país. Ainda que o presidente Lula parecesse contrário a essa meta, Haddad manteve sua convicção, saindo vitorioso nessa disputa ideológica. Enquanto o ministro da Fazenda fizer coro para o terrorismo fiscal da mídia hegemônica, a passos largos o país caminhará a uma falência intelectual e de disputa da política econômica. Não coincidentemente, o ministro continua a acumular elogios de figuras que representam o mercado, como Temer, Luciano Huck e Fábio Faria.

Finalmente, a última contradição do governo Lula a ser apontada neste artigo é o Decreto Nº 11.498, de 25 de abril de 2023, assinado pelo vice-presidente da República, Geraldo Alckmin, e o ministro da Fazenda, Fernando Haddad. O governo Lula decide, ao alterar o decreto, reformular o PPI do governo Temer, expandindo as possibilidades de PPPs, incluindo setores da segurança pública e sistema prisional como prioritários na área de infraestrutura. Novamente, é importante dizer que esse decreto não depende de aprovação parlamentar.

Os empresários, além de terem acesso ao crédito público para realizarem esses investimentos através do BNDES, Caixa Federal e Banco do Brasil, em caso de inadimplência dos estados e municípios para com os concessionários, o Tesouro Nacional ficará responsável pela garantia do pagamento. Portanto, esse investimento encontra nível de risco irrisório.

Uma categoria divulgada pelo ministro Silvio Almeida é a de que a austeridade é racista, ao incidir seus efeitos mais deletérios nas costas da população negra. O que dizer, portanto, de um governo que além de promover a austeridade e a meta fiscal zero, coloca presídio em um decreto para PPPs? A carne preta e jovem do país continua a ser moída em todas as frentes no nosso país para servirem ao capitalismo dependente. O sistema prisional e a segurança pública deveriam servir ao bem comum, não deveriam estar nas mãos de capitalistas, que servem somente ao lucro.

Como se explica que o mesmo governo que realizou uma subida na rampa acompanhado de lideranças de movimentos populares, indígenas e negros, esteja em tamanha contradição? Como se explica a postura passiva de figuras ilustres como Silvio Almeida e Esther Dweck, que historicamente lutam contra a austeridade e o racismo, frente a essas determinações do governo?

Se, como sustenta Clara Mattei, a austeridade pavimenta o caminho para o fascismo, o governo Lula cria para si uma armadilha. Nesse sentido, o que esperar das eleições de 2026?

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