Perdendo a oportunidade do século
Elites brasileiras optam por manter seu país no grupo de nações que permanecem no quintal da casa-grande
Como bem descreveu S. Glazyev em seu ensaio seminal, didaticamente discutido nas excelentes entrevistas aqui e aqui, a possibilidade de liberar-se definitivamente do assédio imperialista multidimensional imposto pelo Ocidente Coletivo — que responde por no máximo 1/3 da população mundial, mas vem monopolizando a maior fatia da riqueza global – e construir uma ordem mundial multipolar baseada em soberania e arranjos multilaterais ganha-ganha, representa uma chance que se apresenta apenas uma vez a cada século.
Ainda assim, as elites brasileiras optam por manter seu país no seleto grupo de nações do Sul Global que ainda insistem em continuar no canil do quintal da casa-grande do império anglo-sionista decadente, renunciando aos desafios e responsabilidades que a plena emancipação demanda.
A este ponto, todos com pelo menos dois neurônios funcionais questionam como é possível que países da Eurásia e África – que também sofreram as agressões do imperialismo ocidental e ainda ressentem largamente as suas sequelas – possam rejeitar decisivamente a modernidade tardia e corrosiva do ocidente coletivo, com sua ordem baseada em regras, para engajar-se na construção de uma ordem multipolar genuína, enquanto o Brasil caminha em marcha à ré na história, esforçando-se não apenas para reverter os ganhos preliminares em soberania, como também para sabotar as iniciativas alheias.
A lista de gafes e trapalhadas geopolíticas é grande e segue crescendo. Isto certamente pode ser explicado pelo cenário doméstico caótico (veja aqui ), dominado por quinta e sexta-colunistas, cujo resultado pode ser sucintamente definido como uma conversão da agenda política nacional a uma subagenda daquela estadunidense. As exceções a esta categorização são tão raras quanto a generalidade da regra requer. Básica e resumidamente, no último ciclo eleitoral, o cidadão brasileiro teve efetivamente que escolher entre os representantes locais dos Democratas ou Republicanos ianques – os Democratas venceram. As consequências podem se tornar catastróficas.
Por exemplo, recentemente tivemos o "chanceler" brasileiro, Mauro Vieira, comentando a emissão de um mandato de prisão fraudulento pelo Tribunal Penal Internacional de Haia (TPI) contra Putin, corroborando declarações de autoridades estadunidenses, repetidas por seus vassalos atlanticistas, dizendo que "Brasil segue Tribunal de Haia". Será que Vieira não sabe que os EUA e a Rússia sequer reconhecem a jurisprudência desse tribunal, e que portanto suas decisões, nesse caso, são pura propaganda desenhada para projetar uma sombra negativa e estragar o summit de Putin e Jimping?
Aliás, o demonstrado aprofundamento da cooperação estratégica entre a China e a Rússia, com seus líderes referindo-se mútua e publicamente como caríssimos amigos durante a visita de Xi Jimping a Moscou na semana passada, permite inferir a magnitude da miopia do governo Lula. Lula visitaria Pequim em breve – com uma comitiva privada de interesses industriais, mas composta quase que inteiramente de representantes do agronegócio. A viagem foi cancelada depois que o Presidente Lula adquiriu uma pneumonia que se revelou providencial. Tivesse a viagem se materializado, como se desenrolaria a situação da chancelaria brasileira relembrando também a Jimping que o Brasil é signatário do Tratado de Roma e, portanto "segue o tribunal de Haia", para o caso dele também ter uma ordem de prisão, sempre fraudulenta, emitida pelo tribunal por crimes contra a humanidade e genocídio no Xijiang?
A situação do Brasil na América Latina também se tem precarizado. Episódios como a visita pela porta da cozinha à Venezuela e a série de fiascos diplomáticos que culminaram com a expulsão do representante brasileiro na Nicarágua – um país que trava uma luta efetiva contra o imperialismo ianque na região, mas nada fez contra o Brasil – demonstram o amadorismo abissal com o qual os responsáveis pela política externa brasileira pretendem exercer sua vassalagem aos EUA.
Com a economia nacional patinando, pautas identitárias dominando, pelo menos perceptivamente, a agenda doméstica do governo e uma sensação difusa de que o "mandato não começou de fato" pairando no ar, quanto tempo ainda resta para que uma parcela significativa dos eleitores de Lula, não necessariamente de esquerda, comecem a se perguntar se valeu a pena a sua eleição para remover Bolsonaro?
26/Março/2023
Quantum Bird- Físico.
O original encontra-se em sakerlatam.org/perdendo-a-chance-do-seculo/
Este artigo encontra-se em resistir.info
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