Rachaduras no Velho Mundo: visita de Xi à Europa mostra líder chinês forte e um continente dividido
Visita demonstrou os limites do Ocidente em se antepor à presença chinesa no Velho Mundo.
Com o cenário global de segurança mudando de forma cada vez mais rápida e imprevisível, Xi Jinping resolveu fazer um pequeno tour pela Europa nesta semana, passando por países como França, Sérvia e Hungria. Nele o líder chinês evidenciou alguns dos principais aspectos da parceria — e mesmo das controvérsias — entre Pequim e o continente.
Neste momento, a Europa vem analisando a melhor forma de lidar com Pequim, à medida que o bloco se vê encurralado em uma guerra sem perspectivas contra a Rússia na Ucrânia. Ademais, após o conflito, a China também foi incluída em documentos estratégicos da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) como um país que representa ameaças à segurança da Aliança Atlântica.
Xi Jinping sabe muito bem, portanto, que a China se encontra na mira do bloco ocidental, juntamente com a Rússia, e que ambos os países são considerados pelo Ocidente potências revisionistas nas relações internacionais. Logo, a visita do líder chinês ao continente, e em especial à França (um dos líderes da União Europeia e da OTAN), buscou clarificar as perspectivas sobre o futuro das relações de Pequim com os europeus.
O objetivo de Xi foi encontrar um caminho através do qual divergências políticas pudessem ser dirimidas, afinal a China há anos emprega um discurso político voltado para uma cooperação de tipo "ganha-ganha" com seus parceiros ao redor do mundo. A União Europeia, do ponto de vista comercial, trata-se de um desses parceiros, dado que o bloco é o segundo principal destino das exportações globais chinesas.
Na França, Xi Jinping teve um encontro trilateral com o presidente francês, Emmanuel Macron, e com a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen. Embora Von der Leyen tenha dito que Pequim precisa pressionar Moscou a terminar o conflito na Ucrânia, Macron eximiu-se de tecer reprimendas abertas ao líder chinês por conta de sua cooperação com a Rússia.
Independentemente da pressão europeia, o apoio chinês a Moscou continua firme. Ao mesmo tempo, Xi Jinping bem sabe que a iniciativa para cessar as hostilidades na Ucrânia precisa partir do próprio Ocidente, que persiste em enviar apoio financeiro e militar a Kiev e que, de fato, é o responsável por controlar as decisões de Vladimir Zelensky.
Em se tratando das relações bilaterais entre Paris e Pequim, por sua vez, Macron manifestou, em uma entrevista recente ao The Economist, que sua vontade era estabelecer com os chineses uma parceria sólida para a solução de "questões globais" de grande relevância, como é o caso do combate às mudanças climáticas e da manutenção da segurança energética.
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Todavia, a França de Macron implementou determinados mecanismos de defesa comercial contra os produtos chineses, sob a desculpa de corrigir "distorções econômicas", o que prejudica — por tabela — as perspectivas de cooperação com a China em outras áreas.
A França, ademais, é um dos principais países a instigarem um sentimento antichinês (além de seu condenável discurso anti-Islã) na Europa ao longo dos últimos anos. Até por conta disso que dos mais de 130 países que já assinaram um memorando de entendimento com Pequim para participação na Nova Rota da Seda, praticamente não se encontram países ocidentais.
A Itália, que havia alcançado tal entendimento com os chineses em 2019, acabou suspendendo sua participação no projeto, indicando que o país possa ter sofrido pressão por parte de Bruxelas ou mesmo de Washington para afastar-se da influência da China.
Contudo, nem todos os países da Europa sentem-se confortáveis com essa posição europeia de antagonismo não somente à China, como também à Rússia, fato esse demonstrado pelas boas relações da Sérvia e da Hungria tanto com Pequim quanto com Moscou.
Não à toa, o segundo país visitado por Xi em sua tour pela Europa foi justamente a Sérvia. Ao longo dos últimos anos, Belgrado desenvolveu uma parceria estratégica bastante abrangente com Pequim, baseada em uma estreita relação econômica e política. Além do mais, a China hoje representa o maior fornecedor individual de investimento direto estrangeiro na Sérvia e seu segundo maior parceiro comercial depois da União Europeia.
Para além disso, a visita de Xi ao país também foi carregada de bastante simbolismo, pois coincide com os 25 anos do bombardeio da OTAN à embaixada chinesa em Belgrado, durante a intervenção ilegal da Aliança Atlântica na Sérvia em 1999.
Ora, os eventos daquele ano tiveram um impacto significativo para o aumento da desconfiança chinesa e russa quanto ao Ocidente, que agia sem o menor respeito ao direito internacional e sem a anuência do Conselho de Segurança das Nações Unidas, no qual China e Rússia são membros permanentes e com poder de veto.
Até hoje as autoridades chinesas não se esqueceram dos bombardeios da OTAN contra a Sérvia, que continuam a ser um tema significativo para explicar as divisões globais que vivenciamos atualmente, posto que evidenciaram a real natureza totalitária dos chamados valores liberais das democracias ocidentais, que buscam impor sua vontade sobre os demais através de sanções ou de bombas.
Para a Sérvia, portanto, a visita de Xi representou uma oportunidade de reforçar não só sua posição como principal parceiro da China nos Balcãs, como também a opção de Belgrado por uma política externa multivetorial e, logo, mais independente.
A Hungria, por sua vez, foi o último — mas não menos importante — país pelo qual Xi passou durante sua recente turnê. Em Budapeste, Xi foi recebido pelo primeiro-ministro Viktor Orbán para a discussão de diversos aspectos de sua cooperação bilateral, principalmente os atinentes à participação da Hungria na Nova Rota da Seda.
Após a reunião, uma agência de comunicação estatal chinesa informou inclusive que China e Hungria decidiram elevar o status de sua relação política para uma "parceria estratégica abrangente na nova era", demonstrando o grau de aproximação alcançado por ambos os atores.
Em suma, a visita de Xi à Europa demonstrou os limites do Ocidente em se antepor à presença chinesa no Velho Mundo, assim como a busca por uma política externa mais independente por parte de países como Sérvia e Hungria, que já não mais aceitam ser tutelados por Bruxelas. Como resultado, a China saiu prestigiada, Xi Jinping fortalecido e a "União Europeia" nem tão unida assim.
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