Vários autores; Autor sem foto
Maxine L. Margolis

Trump e Bolsonaro: aves de mesma plumagem

Jair Bolsonaro é chamado de "Trump tropical", uma descrição bem adequada ao líderautoritário à frente da sexta nação mais populosa

Publicado em 19/08/2020
Compartilhe:

Jair Bolsonaro é chamado de "Trump tropical", uma descrição bem adequada ao líder autoritário à frente da sexta nação mais populosa do mundo. Como brasilianista e americana politicamente engajada, admiram-me as semelhanças notáveis entre Jair Bolsonaro e Donald Trump no âmbito de suas políticas, personalidade e ideologia. Seu histórico, evidentemente, difere marcadamente. Bolsonaro é filho de um dentista itinerante de áreas rurais do Brasil, capitão reformado do Exército brasileiro e deputado federal por vários mandatos. Trump? Trump seria o que os brasileiros chamariam de "filhinho de papai", um garoto rico e mimado.

Ainda assim, mostram-se paralelas as políticas para o meio ambiente promovidas por Bolsonaro e por Trump. Aqui, Trump está para a mineração de carvão e exploração de petróleo em bacias marítimas como Bolsonaro está para a mineração de ouro, pecuária e plantação de soja na região amazônica. Bolsonaro apoia as mineradoras, independentemente do estrago ambiental que suas atividades causem, assim como Trump apoia suas aguerridas mineradoras de carvão, apesar dos custos para o mundo natural. Ambos também esvaziaram parcialmente as agências responsáveis por fiscalização ambiental, causando um enfraquecimento dramático na aplicação das respectivas legislações.

Assemelha-se também o modo como tratam populações marginalizadas. Trump e Bolsonaro agem de forma a favorecer os ricos e poderosos, piorando as condições das minorias, que, no Brasil, incluem os povos indígenas. Ambos são misóginos famigerados. Certa vez, durante uma altercação com outra deputada federal, Bolsonaro disse que ela "não merecia ser estuprada" por ser muito feia. O desprezo pelas mulheres constitui também uma marca característica do governode Trump, que chamou Nancy Pelosi, presidente da Câmara dos Deputados e mulher mais poderosa do governo americano, de "uma pessoa inerentemente imbecil".

A verdade é que a patente incompetência que ambos têm demonstrado na atual crise de saúde mostra-se quase imbatível e, não por acaso, EUA e Brasil destacam-se como os únicos países do mundo com um número muito superior a um milhão de casos confirmados de Covid-19. Nas duas nações, governadores estaduais basicamente não contaram com respaldo algum para a adoção de regras de confinamento.

Tanto um como o outro veem interesses políticos espreitando por detrás da pandemia, assim como da resposta contra ela. Bolsonaro caracterizou o surto de "fantasia" e "exagero" propagado pela imprensa e ignorou a orientação médica de não apertar mãos ou participar de aglomerações.

Trump assumiu postura semelhante, acusando o que chama de "lamestream media", algo como "a grande pequena mídia", de ser "a força dominante" dentre as que procuram forçá-lo a manter o país fechado pelo maior tempo possível. Ele insinuou também que governadores e prefeitos do Partido Democrático davam continuidade a restrições relacionadas ao coronavírus unicamente para prejudicar a recuperação econômica e, assim, suas perspectivas eleitorais.

Em julho de 2020, o próprio Bolsonaro foi diagnosticado com sua "gripezinha". E ele não é fã de máscaras. Caçoou de seus próprios funcionários, alegando ser o uso de máscara "uma coisa de viado". Por sua vez, Trump se recusa a envergar máscara e transformou seu uso em manifestação de inclinação política: quem o segue na recusa é visto como apoiador. Trump aparenta também ser impermeável à sugestão de que ele, como cidadão idoso e obeso, poderia desenvolver uma forma grave da doença caso contraísse o vírus.

Ambos exibem assombrosa falta de empatia, enxergando a crise só no que lhes afeta pessoalmente. Questionado a respeito dos muitos milhares de mortes causadas pelo coronavírus, Bolsonaro respondeu "E daí? Lamento. Quer que eu faça o quê?". Ao passo que Trump, claro, queixa-se de ter sido a maior vítima da Covid-19, blindando-se contra o sofrimento de toda uma nação e declarando que "nosso número total de óbitos, os números por milhão de habitantes, são muito, muito bons". Ou seja, sugeriu que seu governo mereça crédito por prevenir uma situação muito pior.

E é isso. Dois indivíduos espetacularmente ineptos, ambos moral e intelectualmente incapazes de liderar seus respectivos países. No momento, prova-se impossível estimar a magnitude do dano causado aos Estados Unidos e ao Brasil, assim como o tempo que será necessário para que essas nações se recuperem destes dois seres humanos tão abomináveis.

Maxine L. Margolis - Professora emérita de antropologia na Universidade da Flórida e pesquisadora-adjunta
sênior no Instituto de Estudos Latino-Americanos da Universidade de Columbia

Fonte: Folha de São Paulo

Receba os destaques do dia por e-mail

Cadastre-se no AEPET Direto para receber os principais conteúdos publicados em nosso site.
Ao clicar em “Cadastrar” você aceita receber nossos e-mails e concorda com a nossa política de privacidade.
guest
0 Comentários
Mais votado
Mais recente Mais antigo
Feedbacks Inline
Ver todos os comentários

Gostou do conteúdo?

Clique aqui para receber matérias e artigos da AEPET em primeira mão pelo Telegram.

Mais artigos de Maxine L. Margolis
Nenhum artigo encontrado

Receba os destaques do dia por e-mail

Cadastre-se no AEPET Direto para receber os principais conteúdos publicados em nosso site.

Ao clicar em “Cadastrar” você aceita receber nossos e-mails e concorda com a nossa política de privacidade.

0
Gostaríamos de saber a sua opinião... Comente!x