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Rubens R. Sawaya

Uma Ponte para o Futuro: a criação de uma nação estruturalmente pobre

Michel Temer teria dito, emuma de suas declarações, que Dilma caiu porque não acei tou realizar o programa Uma Ponte para o Futuro</

Publicado em 23/07/2021
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Michel Temer teria dito, em uma de suas declarações, que Dilma caiu porque não acei tou realizar o programa Uma Ponte para o Futuro, publicado em outubro de 2015, de autoria de Roberto Brant em colaboração com Marcos Lisboa (Folha de São Paulo, 22/03/2016). Lisboa declarou: "é um documento que enfrenta os problemas. Normalmente, fala-se muito em manter direitos e, magicamente, resolver os problemas. Nunca se sabe bem quem vai pagar a conta. No documento, é a primeira vez que se enfrentam os problemas e se diz 'todos teremos de arcar com sacrifícios'" (Revista Época, 25/04/2016).

Samuel Pessoa, embora afirme não ter par ticipado diretamente da redação, disse que a Ponte para o Futuro produz um pacote de medidas que "administra o nosso conflito distributivo de forma civilizada", e completa: "a Ponte para o Futuro é um encaminhamento tecnicamente correto para esse problema" (Jornal Valor, 20/05/2016). Outro importante apoiador foi Armínio Fraga, ao apontar que "o programa  é um bom roteiro, precisa agora ser executado" (O Estado de São Paulo, 03/05/2016).

Apesar desse grupo de mentores do projeto, Joaquim Levy declarou seu total apoio, aprovou a lei do teto de gastos (12/2015) e realizou radical corte de gastos, um ajuste fiscal que provocou uma queda de 3,5% no PIB naquele ano.

O programa Uma Ponte para o Futuro defendia a "obtenção de um superávit primário capaz de cobrir as despesas de juros" (p.13), portanto cortar todas as despesas sociais, administrativas e outras operacionais para gerar superávit a fim de garantir o pagamento de juros ao rentismo. Prometia "uma grande virada institucional e a garantia da sustentabilidade fiscal, que afetarão positivamente as expectativas dos agentes econômicos" (p.16). Imaginava que, com isso, promoveria o crescimento econômico "sustentável", criando um "ambiente de negócios favorável" para "viabilizar a participação mais efetiva e predominante do setor privado" (p.17).

Qualquer se melhança com o discurso do atual ministro da Economia não é mera coincidência. Ele está implantando exatamente o mesmo projeto, em continuidade ao governo Temer e a Joaquim Levy. O projeto desmonta as estruturas de Estado que permitem o desenvolvimento capitalista (vale enfatizar o termo) no Brasil e a realização de políticas sociais em garantia mínima de distribui ção de riqueza aos menos favorecidos, mais da metade da população brasileira, que hoje vive em inse gurança alimentar no país que se orgulha de ser o maior exportador de alimentos para o mundo.

É fácil demonstrar os números do fracasso da proposta. E não é culpa da pandemia. A taxa de desemprego no final de 2019 já estava próxima dos 13% (hoje é supe rior a 14%). A dívida pública bruta como proporção do PIB, que era cerca de 50% em 2014, com a política de ajuste fiscal, chegou a quase 90% no fim de 2019 e hoje está em torno de 100% (pelo método antigo). O PIB acumula uma queda de 6,7% em 2020 contra 2014, comparação que já era negativa em 2019, antes da pandemia.

Em termos de conjuntura macroeconômica, Uma Ponte para o Futuro foi um desastre, e continua sendo com Guedes, que lhe dá prosseguimento com apoio dos "mercados". Se os resultados demonstram a destruição da estrutura produtiva brasileira e o caos social, as reformas estruturais que acompanham o projeto vêm se tornando leis pa ra proibir mudanças futuras. As leis visam a impedir que o Estado faça políticas sociais distributivas e políticas econômicas para o crescimento. Isso sem mencionar a proposta explícita no Programa de facilitar e diminuir os controles burocráticos que atrapalham o licenciamento ambiental (p.19), levadas a cabo no atual governo.

A política de teto de gastos de 12/2015 visa a impedir legalmente o Estado, nos próximos 20 anos, de fazer política fiscal e investimentos em infraestrutura em setores básicos da economia, mesmo nos setores que não interessam ao capital privado. A independência para o Banco Central – que também constava no Programa – completa o pacote ao impedir o Estado de realizar políticas monetárias de in centivo ao crescimento. Ao Banco Central só é permitido admi nistrar a taxa de juros – gasto não restringido pela política do teto – em favor do capital rentista, sob a justificativa de combate à inflação, sempre suposta de demanda mesmo que esta seja de custos, sob o pretexto de garantir a confiança.

O ajuste fiscal, na tentativa de garantir o teto, justifica a privatização do resto de estatais que sobrou da onda de privatizações da década de 1990. A venda fatiada da Petrobras inviabiliza que a economia se beneficie do efeito dinâmico do setor, dos investimentos envolvidos, na engenharia pesada, na produção de derivados, em to da a cadeia de valor produtiva que poderia ser desenvolvida em tor no da empresa. Além disso, ago ra paga-se o combustível em dó lar, dado que não é mais nacional,

elevando os cursos internos pa ra todos os setores e a inflação. A venda da Eletrobrás completa o pacote de desmonte. Entrega à lógica privada um setor estratégi co para o crescimento. Também se pagará a energia elétrica em dóla res, mesmo que seja produzida pe la água nacional, combustível hídrico que será privatizado.

O impacto da lei do teto sobre as políticas sociais é mais grave. Já estava na proposta da Ponte Para o Futuro de "acabar com as vinculações institucionais com saúde e educação" (p.9) e de desvincular o salário mínimo da inflação (p.10), política levada às últimas consequências no governo atual.

A reforma previdenciária ge ra, no médio e longo prazo, o empobrecimento das faixas mais vulneráveis da população. Realizada em conjunto com a reforma tra balhista de "uberização" das rela ções de trabalho, formaliza o trabalho precário. Além disso, eleva o déficit da Previdência ao acabar com a própria fonte de recursos para as aposentadorias, que eram pagas pelos próprios trabalhadores em regime de repartição.

Está ainda em curso a reforma administrativa. Permitirá a disso lução da estrutura da burocracia de Estado que garante base técni ca e cientifica para suas ações – em parte freia a loucura dos governan tes de momento. Subordina assim a substituição de cargos técnicos a indicações políticas. Permitirá um total aparelhamento do Estado pe la indicação política a cargos-cha ve. Marcará a desestruturação fi nal do Estado.

Para o total desmonte da ca pacidade de ação do Estado, resta ainda a reforma tributária. Propos ta sob o argumento de "simplificar a vida das empresas", não vai ao âmago do problema, que é uma carga fiscal extremamente regressi va, que recai sobre os mais pobres, que pagam mais impostos indiretos. Além disso, impedirá o Estado de fazer política fiscal tributária a fim de incentivar setores especí ficos da economia em qualquer es tratégia de crescimento.

A destruição do Estado brasileiro é radical, afetando sua capa cidade de atuar como Estado capitalista em favor da acumulação de capital, do desenvolvimento das forças produtivas, da melhoria mínima das condições de vida das pessoas, minimizando a desigualdade natural criada pelo sistema. Sua base está na crença de que, sem o Estado, criar-se-ia um "ambiente favorável aos negócios", como estava na Ponte para o Futuro, e o Brasil teria uma "chuva" de investimentos estrangeiros que "colocaria o país na rota de crescimento", como propagandeia o atual ministro.

Mais grave, os defensores do Programa apontam que a taxa de "crescimento sustentável" (não inflacionário nos cânones ortodoxos) seria de 2,5% a 3%, percentuais que tornam impossível a diminuição da taxa de desemprego, não levando em conta que, no capitalismo, o emprego é a forma de inserção social e distribuição de renda. Talvez não seja mesmo esse o objetivo, como revelado em 2015 pela afirmação dos mentores da Ponte para o Futuro, ao afirmarem que a taxa de desemprego, em torno de 6%, estaria muito baixa em 2014.

O país caminha para se tornar "pária do mundo", um grande fazendão primário-exportador com sua população vivendo na mais absoluta miséria, estruturalmente pobre. Anos após a Ponte, já é possível afirmar que as reformas atuam como o "tratamento precoce", sob o argumento de que, resolvendo-se a questão fiscal, o crescimento viria da forma automática. Esse remédio, sem comprovação histórica, cheio de efeito colaterais às instituições (destrói o Estado), resultou em 14,7 milhões de de sempregados, 33 milhões de desalentados e 60% da população com insegurança alimentar.

Rubens R. Sawaya - Economista e professor e coordenador da Pós-graduação em Economia Política da PUC-SP.

Fonte: Jornal do Corecon-RJ

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