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Tereza Cruvinel

Waldir Pires

testemunha palaciana do golpe de 1964, resistente no exílio e construtor da democracia que ainda temos. Daquela geração de políticos que cheg

Publicado em 25/06/2018
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testemunha palaciana do golpe de 1964, resistente no exílio e construtor da democracia que ainda temos. Daquela geração de políticos que chegou ao poder com Jango e ousou reformar o Brasil arcaico de então, só resta vivo Almino Afonso, que era o líder do governo. Neste tempo de indigência política, Waldir deve ser lembrado por sua integridade e inteligência, sua valentia combinada com doçura e o desapego às vantagens pessoais.

Com ele tive longa e afetuosa convivência desde seu retorno do exílio, e sempre aproveitava para explorar sua memória dos idos do golpe. Nos anos 80, ele e seu grande amigo Bocayuva Cunha eram deputados. Ouvi muitas vezes suas reminiscências das experiências vividas. Quando o golpe fez 50 anos, em 2014, fiz longa entrevista com Waldir para o Correio Braziliense. Aos 83 anos, recordava tudo com enorme clareza.

Em 1964, com 38 anos, ele era um dos homens mais poderosos do governo Jango, chefe da Consultoria Geral da República, a AGU de hoje. Elaborou os atos legais mais ousados do governo, como a Lei da remessa de lucros das multinacionais (que irritou tanto os EUA) e o decreto da reforma agrária, que insuflou o latifúndio. Tempo de Guerra Fria, tudo era coisa de comunistas.

No dia primeiro de abril, quando chegou a Brasília, vindo do Rio, com o golpe em curso, Jango pediu a Waldir e ao chefe da Casa Civil, Darcy Ribeiro, que ficassem no Planalto, garantindo a normalidade. Que informassem o Congresso de que ele fora para o Rio Grande do Sul organizar a resistência ao golpe. Juntos redigiram o comunicado e Darcy foi levá-lo à sessão convocada para a madrugada de 2 de abril. O presidente do Senado, Auro Moura Andrade, leu o ofício mas foi em frente no propósito golpista: declarou vaga a Presidência da República e empossou Ranieri Mazzilli, o presidente da Câmara.

O resto se sabe. Darcy e Waldir deixaram o Palácio e viveram toda sorte de perigos no esforço para se juntarem a Jango no Sul. Dormiram num cerrado, perto da Base Aérea, conseguiram embarcar num monomotor de lona, pousaram numa fazenda de Jango em Mato Grosso, onde souberam que ele se exilara no Uruguai. Tudo perdido, só lhes restava partir também, o que fizeram carregando latas de gasolina no colo para o reabastecimento. Pousaram numa pastagem uruguaia e começou o exílio que iria durar 15 anos.

Em 2014, insisti em saber por que Jango, em vez de resistir, exilou-se. Transcrevo Waldir: “Já no exílio o presidente me contou algo que foi determinante para a não resistência. Ele teve uma conversa com o San Thiago Dantas, que era o seu ministro das Relações Exteriores, ainda no Palácio Laranjeiras, nas primeiras horas da movimentação militar. O San Thiago o informou de que a esquadra americana já se deslocava, dizendo: “Presidente, tenha cuidado. Resista se for preciso, mas avaliando se tem forças para sufocar a sublevação, evitando a guerra civil. Pois se ela vier, tenho informações seguras de que o Pentágono colocará seu plano em ação. Haverá a intervenção militar americana e eles vão se valer da guerra civil para dividir o Brasil em dois. Isso me contou o presidente João Goulart”.

Passada a ditadura, Waldir foi ministro da Previdência de Sarney e elegeu-se governador da Bahia em 1986, pelo PMDB. Era a chance da oposição de liquidar com o carlismo mas Waldir não resistiu aos apelos de Ulysses Guimarães para que fosse seu vice e renunciou. Ulysses, o timoneiro da transição, estava sendo cristianizado pelo PMDB e por isso mesmo Waldir aceitou o sacrifício, que foi inútil.

Quando o PMDB começou a virar o que é hoje, Waldir foi para o PDT. Depois apoiou Lula e foi seu ministro da CGU e da Defesa. Quando a idade chegou, virou vereador em Salvador. No cargo modesto, mantinha a fala suave e a firmeza política de quando tinha muito poder.

Fonte: Jornal do Brasil

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Publicado em 22/09/2017

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