Abertura do mercado e preço do gás natural no Brasil
Carta da AEPET ao presidente da ABIQUIM, Fernando Figueiredo
AEPET 017/2019
Rio de Janeiro, 4 de junho de 2019
Ilmo Sr.
Fernando Figueiredo
Presidente Executivo da Associação Brasileira da Indústria Química (ABIQUIM)
Assunto: Abertura do mercado e preço do gás natural no Brasil
Prezado Presidente,
De acordo com o Valor Econômico, a promessa do governo federal de publicar em junho um pacote de medidas que resultará na abertura do mercado de gás natural encheu de otimismo a indústria química brasileira.
Segundo a indústria, nunca se esteve tão perto de alcançar um avanço tão significativo no mercado de gás natural, tema de discussões e negociações com o governo há pelo menos uma década.
A novidade, agora, é o alinhamento entre os ministérios da Economia e de Minas e Energia quanto à necessidade de um “choque no preço do gás”, segundo o presidente executivo da Associação Brasileira da Indústria Química (Abiquim), Fernando Figueiredo.
Considerando a importância do assunto, estamos enviando, em anexo, estudo elaborado pela Aepet, “Nota técnica sobre a proposta da FGV para a produção, transporte e distribuição do gás natural no Brasil.”
Conforme a Nota técnica da Aepet:
A malha Sudeste é de propriedade da Nova Transportadora do Sudeste – NTS e a malha Nordeste é de propriedade da Transportadora Associada de Gás – TAG. A NTS e a TAG eram subsidiárias integrais da Petrobrás, pois foram privatizadas a partir da venda de 90% das ações por, respectivamente, US$ 5,08 bilhões e US$ 8,6 bilhões.
Como os compradores do controle acionário da NTS e da TAG objetivam recuperar seus investimentos e, para reduzir riscos, mantém contratos de médio e longo prazos, não há perspectiva de redução das tarifas de transporte de gás natural, muito pelo contrário as tarifas de US$ 1,57/MMBtu e US$ 1,95/MMBtu devem aumentar com as privatizações dessas empresas a partir do momento em que os contratos forem vencendo.
1. Inicialmente, é importante esclarecer que o setor de gás natural pode ser divido, basicamente, em três segmentos: produção, transporte e distribuição. No segmento da produção, o mercado já é extremamente competitivo desde a promulgação da Lei nº 9.478/1997, que introduziu o acesso aos blocos para atividades de exploração e produção por meio de licitações públicas.
Nos termos dessa Lei, já foram realizadas quinze rodadas de licitação sob o regime de concessão. Sob o regime de partilha de produção, introduzido a partir da Lei nº 12.351/2010, já foram realizadas cinco rodadas de licitação. Nesses modelos, as empresas disputam os blocos, geralmente, por meio de consórcios. Na grande maioria dos consórcios a Petrobrás é minoritária ou não está presente.
Na província do Pré-Sal, o gás natural produzido, principalmente por meio de consórcios, é associado à produção de petróleo. Dessa forma, não há monopólio na produção de petróleo nem na produção do gás natural associado. Assim sendo, não se vislumbra qualquer possibilidade de se tornar o segmento de produção de gás natural ainda mais competitivo.
2. Nessa província, é comum a presença de altos teores de dióxido de carbono – CO2, o que torna elevado o custo de produção do gás natural, principalmente para campos muito distantes do litoral.
A Empresa de Pesquisa Energética – EPE elaborou um Informe intitulado “Custos de Gás Natural no Pré-Sal Brasileiro”, de 18 de abril de 2019, segundo o qual o preço de equilíbrio (Break-Even) para o gás natural no Pré-Sal é extremamente sensível ao teor de CO2 e à distância à costa.
Na Figura 1 desse Informe da EPE, o preço de equilíbrio do gás natural para um cenário típico do Pré-Sal, distância de 250 km da costa e 20% de CO2, seria da ordem de US$ 8/MMBtu.
A EPE também elaborou outro Informe intitulado “Comparações de Preços de Gás Natural: Brasil e Países Selecionados”, de 18 de abril de 2019, segundo o qual, no caso da tarifa de transporte, os contratos vigentes incluem reajustes trimestrais utilizando o índice IGP-M, e seus valores em dezembro de 2018 eram de US$ 1,57/MMBtu e US$ 1,95/MMBtu para as malhas Sudeste e Nordeste.
3. A malha Sudeste é de propriedade da Nova Transportadora do Sudeste – NTS e a malha Nordeste é de propriedade da Transportadora Associada de Gás – TAG. A NTS e a TAG eram subsidiárias integrais da Petrobrás, pois foram privatizadas a partir da venda de 90% das ações por, respectivamente, US$ 5,08 bilhões e US$ 8,6 bilhões.
Como os compradores do controle acionário da NTS e da TAG objetivam recuperar seus investimentos e, para reduzir riscos, mantém contratos de médio e longo prazos, não há perspectiva de redução das tarifas de transporte de gás natural, muito pelo contrário as tarifas de US$ 1,57/MMBtu e US$ 1,95/MMBtu devem aumentar com as privatizações dessas empresas a partir do momento em que os contratos forem vencendo.
4. Admitindo-se um custo da “molécula” na costa da ordem de US$ 8/MMBtu e uma tarifa de transporte superior a US$ 1,5/MMBtu, o preço do gás natural nos city-gates seria de cerca de US$ 9,5/MMBtu.
De acordo com o mencionado Informe da EPE que compara preços do gás natural, as margens de distribuição variam entre as companhias distribuidoras locais e os tipos de consumo. Em 2017, segundo a EPE, essas margens ficaram na faixa de US$ 2,7/MMBtu para consumidores industriais com um porte de consumo de cerca de 70 mil m³/d.
Acrescida a margem de distribuição da ordem de US$ 2,00/MMBtu, o preço do gás natural, antes dos impostos, seria de US$ 11,5/MMBtu.
Incidem sobre a comercialização do gás natural PIS/COFINS e ICMS. A alíquota de PIS/COFINS é de 9,25% e a alíquota de ICMS varia de 12% a 25%, conforme mostrado na Figura 3.
Havendo a incidência de PIS/COFINS, o preço do gás natural para a indústria seria da ordem de US$ 14,6/MMBtu, independentemente do papel da Petrobrás.
Diante do exposto, não é o mercado competitivo que reduziria o preço do gás natural de US$ 12/MMBtu para US$ 5/MMBtu como citado nos objetivos do documento da FGV. Esse documento pode ser considerado falacioso ao indicar que o preço de US$ 12/MMBtu é consequência da atuação da Petrobrás no setor.
Na realidade, o que pode reduzir o preço do gás natural para a indústria é a efetiva regulação da ANP, os baixos custos da Petrobrás no segmento de produção e os baixos custos de transporte que a estatal tinha, a efetiva regulação das agências estaduais, a redução das margens das distribuidoras locais e a redução dos tributos.
5. Mantidas as privatizações da NTS e da TAG, mantidas as margens da distribuidora e as alíquotas de PIS/COFINS, não há perspectiva para redução dos preços do gás para a indústria.
A venda de participação da Petrobrás apenas tende a aumentar a tarifa de transporte a partir dos custos, e margens de lucro, dos compradores com atuação desintegrada. Para a estatal, os gasodutos já estavam amortizados, ou mais próximos da amortização. Os compradores terão que recuperar seus custos de capital na compra das participações da Petrobrás e esses custos serão repassados para as tarifas.
Em suma, cabe à ANP regular as tarifas de transporte e o livre acesso. Dessa forma, se algum problema existe, é por causa da ineficiência regulatória do órgão regulador federal.
A negociação do acesso ao gás para grandes consumidores nos Estados que recebem gás do Pré-Sal (Rio de Janeiro, São Paulo e Espírito Santo), independe da atuação da Petrobrás. Ressalte-se, contudo, que as medidas desse segundo passo podem aumentar os custos de transação, como no caso da separação da distribuição da comercialização. Essa decisão cabe, contudo, aos Estados da Federação.
O gás associado do Pré-Sal somente será competitivo para a geração de energia elétrica se ele tiver um baixo custo de produção, um baixo custo de transporte, um baixo custo de distribuição e uma baixa carga tributária. A participação da Petrobrás é fundamental para reduzir os custos de produção e transporte. O custo de distribuição depende da eficiente regulação dos Estados. Já a redução dos tributos é uma decisão política.
Conclui-se, então, que a redução dos preços do gás natural associado do Pré-Sal depende da forte regulação da ANP das atividades de produção e transporte, da eficiência das empresas que produzem e transportam o gás natural, da eficiente regulação dos Estados das atividades de distribuição e da redução dos tributos federais e estaduais.
Desse modo, ao criar uma falsa expectativa de redução dos preços e culpar a Petrobrás pelos problemas do setor, em vez de focar na regulação, o documento da FGV chega a ser irresponsável.
Na realidade, se o setor for bem regulado, a estatal é fundamental para a queda dos preços do gás natural para os consumidores brasileiros, em razão de seus baixos custos de produção e transporte.
Colocamo-nos à disposição para eventuais esclarecimentos adicionais.
Diretoria da Associação dos Engenheiros da Petrobrás – AEPET
Anexo – Nota técnica sobre a proposta da FGV para a produção, transporte e distribuição de gás natural no Brasil
NOTA TÉCNICA SOBRE PROPOSTA DA FGV PARA A PRODUÇÃO, TRANSPORTE E DISTRIBUIÇÃO DE GÁS NATURAL NO BRASIL
AEPET*,maio de 2019
O sítio www.poder360.com.br divulgou um documento elaborado pela Fundação Getulio Vargas – FGV intitulado “DESAFIOS E OPORTUNIDADES DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO A PARTIR DO NOVO CENÁRIO DE PRODUÇÃO DE GÁS NATURAL E PETRÓLEO DO PRÉ-SAL”, de fevereiro 2019.
Esse documento apresenta como objetivo a obtenção de um mercado competitivo para o gás natural do Brasil a partir do aproveitamento das novas descobertas do Pré-Sal com os seguintes reflexos:
– gás competitivo na costa para grandes projetos industriais na faixa de US$ 5 por milhão de Btu – MMBtu contra os US$ 12/MMBtu recebidos hoje pela indústria;
– internação deste gás pelos gasodutos inclusive para outras regiões com preços nos city-gates (antes da Distribuidora) de US$ 6/MMBtu;
– geração de energia elétrica em base (gás associado do Pré-Sal) ao longo da costa do sudeste na faixa de US$ 50/MWh e em US$ 60/MWh em outras regiões já conectadas por gasodutos;
– geração de fortes investimentos industriais ao longo da costa em beneficiamento de minérios (ferro, alumínio etc.), vidro, petroquímica, fertilizantes nitrogenados, metanol etc.
Inicialmente, é importante esclarecer que o setor de gás natural pode ser divido, basicamente, em três segmentos: produção, transporte e distribuição. No segmento da produção, o mercado já é extremamente competitivo desde a promulgação da Lei nº 9.478/1997, que introduziu o acesso aos blocos para atividades de exploração e produção por meio de licitações públicas.
Nos termos dessa Lei, já foram realizadas quinze rodadas de licitação sob o regime de concessão. Sob o regime de partilha de produção, introduzido a partir da Lei nº 12.351/2010, já foram realizadas cinco rodadas de licitação. Nesses modelos, as empresas disputam os blocos, geralmente, por meio de consórcios. Na grande maioria dos consórcios a Petrobrás é minoritária ou não está presente.
Na província do Pré-Sal, o gás natural produzido, principalmente por meio de consórcios, é associado à produção de petróleo. Dessa forma, não há monopólio na produção de petróleo nem na produção do gás natural associado. Assim sendo, não se vislumbra qualquer possibilidade de se tornar o segmento de produção de gás natural ainda mais competitivo.
Nessa província, é comum a presença de altos teores de dióxido de carbono – CO2, o que torna elevado o custo de produção do gás natural, principalmente para campos muito distantes do litoral.
Descrevem-se, a seguir, os teores de dióxido de carbono no gás em vários campos do Pré-Sal:
– Lula: 10% – 20%
– Sapinhoá: 15% – 20%;
– Búzios: 22% – 25%;
– Entorno de Iara (Suruu, Berbigão e Atapu): 25% – 35%;
– NE Tupi (Sépia): 15% – 20%;
– Florim (Itapu): muito baixo;
– Sul de Lula: 17%;
– Sul de Guará (Sul de Sapinhoá): 15%; e
– Libra: 45%.
A Empresa de Pesquisa Energética – EPE elaborou um Informe intitulado “Custos de Gás Natural no Pré-Sal Brasileiro”, de 18 de abril de 2019, segundo o qual o preço de equilíbrio (Break-Even) para o gás natural no Pré-Sal é extremamente sensível ao teor de CO2 e à distância à costa.
Conforme mostrado na Figura 1 desse Informe da EPE, o preço de equilíbrio do gás natural para um cenário típico do Pré-Sal, distância de 250 km da costa e 20% de CO2, seria da ordem de US$ 8/MMBtu.
A EPE também elaborou outro Informe intitulado “Comparações de Preços de Gás Natural: Brasil e Países Selecionados”, de 18 de abril de 2019, segundo o qual, no caso da tarifa de transporte, os contratos vigentes incluem reajustes trimestrais utilizando o índice IGP-M, e seus valores em dezembro de 2018 eram de US$ 1,57/MMBtu e US$ 1,95/MMBtu para as malhas Sudeste e Nordeste.
Fonte: EPE
A malha Sudeste é de propriedade da Nova Transportadora do Sudeste – NTS e a malha Nordeste é de propriedade da Transportadora Associada de Gás – TAG. A NTS e a TAG eram subsidiárias integrais da Petrobrás, pois foram privatizadas a partir da venda de 90% das ações por, respectivamente, US$ 5,08 bilhões e US$ 8,6 bilhões.
Como os compradores do controle acionário da NTS e da TAG objetivam recuperar seus investimentos e, para reduzir riscos, mantém contratos de médio e longo prazos, não há perspectiva de redução das tarifas de transporte de gás natural, muito pelo contrário as tarifas de US$ 1,57/MMBtu e US$ 1,95/MMBtu devem aumentar com as privatizações dessas empresas a partir do momento em que os contratos forem vencendo.
Admitindo-se um custo da “molécula” na costa da ordem de US$ 8/MMBtu e uma tarifa de transporte superior a US$ 1,5/MMBtu, o preço do gás natural nos city-gates seria de cerca de US$ 9,5/MMBtu.
De acordo com o mencionado Informe da EPE que compara preços do gás natural, as margens de distribuição variam entre as companhias distribuidoras locais e os tipos de consumo. Em 2017, segundo a EPE, essas margens ficaram na faixa de US$ 2,7/MMBtu para consumidores industriais com um porte de consumo de cerca de 70 mil m³/d, conforme mostrado na Figura 2.
Figura 2: Margens de distribuição em vários Estados e outros países
Fonte: EPE
Acrescida a margem de distribuição da ordem de US$ 2,00/MMBtu, o preço do gás natural, antes dos impostos, seria de US$ 11,5/MMBtu.
Incidem sobre a comercialização do gás natural PIS/COFINS e ICMS. A alíquota de PIS/COFINS é de 9,25% e a alíquota de ICMS varia de 12% a 25%, conforme mostrado na Figura 3.
Figura 3: Tributação do gás natural
Fonte: EPE
Havendo a incidência de PIS/COFINS, o preço do gás natural para a indústria seria da ordem de US$ 14,6/MMBtu, independentemente do papel da Petrobrás.
Diante do exposto, não é o mercado competitivo que reduziria o preço do gás natural de US$ 12/MMBtu para US$ 5/MMBtu como citado nos objetivos do documento da FGV. Esse documento pode ser considerado falacioso ao indicar que o preço de US$ 12/MMBtu é consequência da atuação da Petrobrás no setor.
Na realidade, o que pode reduzir o preço do gás natural para a indústria é a efetiva regulação da ANP, os baixos custos da Petrobrás no segmento de produção e os baixos custos de transporte que a estatal tinha, a efetiva regulação das agências estaduais, a redução das margens das distribuidoras locais e a redução dos tributos.
Mantidas as privatizações da NTS e da TAG, mantidas as margens da distribuidora e as alíquotas de PIS/COFINS, não há perspectiva para redução dos preços do gás para a indústria.
O documento da FGV também apresenta três passos para a implementação do chamado mercado competitivo (“ROAD MAP DE IMPLEMENTAÇÃO”).
O primeiro passo seria um Termo de Ajuste de Conduta (TAC) da Petrobrás com a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis – ANP e Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE, contendo as seguintes medidas principais:
1.1. Petrobrás informa aos transportadores (TBG, NTS e TAG) e a ANP, dentro dos contratos atuais, quais são os volumes de retirada máxima em cada city-gate, eliminando o congestionamento contratual hoje existente;
1.2. Petrobrás declina da exclusividade ainda remanescente de único carregador (ainda vigente até 2020 para alguns gasodutos);
1.3. Petrobrás aceita a implementação de novo sistema tarifário que viabilize o acesso de terceiros a ser implementada pelos transportadores em acordo com a ANP (Petrobrás se beneficia com redução de custos de transporte a partir da cessão para novos entrantes);
1.4. Petrobrás compromete-se a vender a participação ainda existente nos gasodutos (TBG, NTS, TAG e TSB) e enquanto o processo de venda não estiver finalizado, não indicar membros da Diretoria Executiva ou Conselho de Administração, evitando a assimetria de informações com outros agentes;
1.5. Petrobrás compromete-se a vender 100% da participação nas Distribuidoras de Gás Natural, eliminando o self dealing, e enquanto o processo não estiver finalizado, não indicar membros da Diretoria Executiva ou Conselho de Administração, evitando conflito de interesses (compliance); e
1.6. Petrobrás compromete-se a reduzir sua participação na comercialização do gás nacional, cedendo contratos com o mercado (Gas Release) e de transporte de forma que no curto prazo elimine totalmente a compra de gás de terceiros e no médio/longo prazo não tenha uma participação de mercado superior a 50% do total do mercado brasileiro, equivalente a sua participação na produção futura.
Se há congestionamento contratual, como menciona a medida 1.1, é por causa da ineficiente atuação da ANP a quem cabe estabelecer regular o livre acesso, previsto nas Leis nº 9.478/1997 e nº 11.909/2009. Da mesma forma, a medida 1.2. A exclusividade da Petrobrás é apenas outra deficiência da ANP. Com relação ao acesso de que trata a medida 1.3, também cabe à ANP regular o sistema tarifário e o acesso de terceiros. Por ser um monopólio natural, o transporte de gás deve ser efetivamente regulado e a legislação brasileira já permite isso. Transcreve-se, a seguir, a Seção VIII da Lei nº 11.909/2009:
Seção VIII
Do Acesso de Terceiros aos Gasodutos e da Cessão de Capacidade
Art. 32. Fica assegurado o acesso de terceiros aos gasodutos de transporte, nos termos da lei e de sua regulamentação, observado o disposto no § 2o do art. 3o e no § 3o do art. 30 desta Lei.
Art. 33. O acesso aos gasodutos de transporte dar-se-á, entre outras formas previstas em regulamentação, por contratação de serviço de transporte:
I – firme, em capacidade disponível;
II – interruptível, em capacidade ociosa; e
III – extraordinário, em capacidade disponível.
Parágrafo único. O acesso aos gasodutos dar-se-á primeiramente na capacidade disponível e somente após sua integral contratação é que ficará garantido o direito de acesso à capacidade ociosa, observado o disposto no § 2o do art. 3o e no § 3o do art. 30 desta Lei.
Art. 34. O acesso ao serviço de transporte firme, em capacidade disponível, referido no inciso I do caput do art. 33 desta Lei, dar-se-á mediante chamada pública realizada pela ANP, conforme diretrizes do Ministério de Minas e Energia.
Parágrafo único. Os acessos aos serviços de transporte interruptível, em capacidade ociosa, e extraordinário, em capacidade disponível, dar-se-ão na forma da regulamentação, assegurada a publicidade, transparência e garantia de acesso a todos os interessados.
Art. 35. Fica autorizada a cessão de capacidade, assim entendida como a transferência, no todo ou em parte, do direito de utilização da capacidade de transporte contratada sob a modalidade firme.
Parágrafo único. A ANP deverá disciplinar a cessão de capacidade de que trata este artigo de forma a preservar os direitos do transportador.
Em relação à medida 1.4, a venda de participação da Petrobrás apenas tende a aumentar a tarifa de transporte a partir dos custos, e margens de lucro, dos compradores com atuação desintegrada. Para a estatal, os gasodutos já estavam amortizados, ou mais próximos da amortização. Os compradores terão que recuperar seus custos de capital na compra das participações da Petrobrás e esses custos serão repassados para as tarifas.
Em suma, cabe à ANP regular as tarifas de transporte e o livre acesso. Dessa forma, se algum problema existe, é por causa da ineficiência regulatória do órgão regulador federal.
Com relação à medida 1.5, é importante esclarecer que, nos termos do art. 25, § 2º, da Constituição Federal, cabe aos Estados a regulação do segmento de distribuição. As companhias estaduais distribuidoras de gás são independentes da Petrobrás e têm contabilidade própria. Cabe às agências estaduais evitar qualquer tipo de abuso dessas companhias. Desse modo, a venda de 100% da participação nas distribuidoras terá pouquíssimo ou nenhum efeito sobre os preços do gás natural.
Quanto à medida 1.6, que restringe a participação da Petrobrás a 50% do total do mercado brasileiro, equivalente a sua participação na produção futura, isso já deverá ocorrer naturalmente em razão dos consórcios vencedores das licitações do Pré-Sal. No entanto, quanto maior a participação da Petrobrás, menores serão os custos de produção. Assim sendo, a redução da participação da estatal na produção futura aumentará os custos de produção do gás natural.
O segundo passo da implementação do mercado competitivo, que é a negociação do acesso ao gás para grandes consumidores nos Estados que recebem gás do Pré-Sal (Rio de Janeiro, São Paulo e Espírito Santo), independe da atuação da Petrobrás. Ressalte-se, contudo, que as medidas desse segundo passo podem aumentar os custos de transação, como no caso da separação da distribuição da comercialização. Essa decisão cabe, contudo, aos Estados da Federação.
O terceiro passo da implementação do mercado competitivo, que é a Integração Gás Natural/Energia Elétrica, contempla as seguintes medidas:
3.1. Aneel/EPE organizam leilão reverso de compra de gás natural na costa (“pool de gás”) com preço máximo para geração na base (gás associado do Pré-Sal), escolhendo volume e locais preferenciais com um calendário de horizonte quinquenal (por exemplo 2 GW por ano durante 5 anos a partir de 2025). Petrobrás pode participar nos leilões cuidando que sua participação final não ultrapasse os 50% do pool;
3.2. Aneel/EPE organizam posteriormente leilão de geração de energia para escolher empresas privadas que invistam nas térmicas absorvendo os contratos de gás do pool acima;
3.3. Objetivo seria alcançar por exemplo uma entrada anual de 2GW de térmicas a gás na base mais 2GW de renováveis (eólica, solar e alguma hídrica possível) que permita o País crescer 3 a 4% a.a. de forma consistente com energia competitiva;
3.4. O casamento deste programa com o avanço das ações previstas no TAC listadas no 1º passo, permitiria uma solução natural para a Petrobrás absorver gradualmente a redução de participação no mercado não térmico assim como absorveria seu gás “novo”, sem necessidade de investimentos em projetos de exportação de gás via GNL, estratégia hoje imaginada para absorver o excesso futuro de oferta no sudeste do Brasil.
O gás associado do Pré-Sal somente será competitivo para a geração de energia elétrica se ele tiver um baixo custo de produção, um baixo custo de transporte, um baixo custo de distribuição e uma baixa carga tributária. A participação da Petrobrás é fundamental para reduzir os custos de produção e transporte. O custo de distribuição depende da eficiente regulação dos Estados. Já a redução dos tributos é uma decisão política.
Dessa forma, esse terceiro passo contempla palavras vazias de quem desconhece ou omite os verdadeiros entraves para transformar o gás do Pré-Sal uma importante fonte para geração de energia elétrica.
Conclui-se, então, que a redução dos preços do gás natural associado do Pré-Sal depende da forte regulação da ANP das atividades de produção e transporte, da eficiência das empresas que produzem e transportam o gás natural, da eficiente regulação dos Estados das atividades de distribuição e da redução dos tributos federais e estaduais.
Desse modo, ao criar uma falsa expectativa de redução dos preços e culpar a Petrobrás pelos problemas do setor, em vez de focar na regulação, o documento da FGV chega a ser irresponsável.
Na realidade, se o setor for bem regulado, a estatal é fundamental para a queda dos preços do gás natural para os consumidores brasileiros, em razão de seus baixos custos de produção e transporte.
* Associação dos Engenheiros da Petrobrás (AEPET)
http://aepet.org.br/w3/
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