Boletim Focus tem levado a erros de decisões
Ruim com ele, pior sem ele? Para economistas, há um desejo intrínseco em superestimar a inflação, provocando alta dos juros

Anunciado semanalmente pelo Banco Central, o Boletim Focus apresenta as projeções das instituições financeiras e consultorias econômicas sobre os principais indicadores econômicos do país e conta com cerca de 160 respondentes e tem impacto nas deliberações da própria autoridade monetária sobre a política de fixação da taxa básica de juros (Selic), atualmente em 14,25% ao ano. Apesar da sua relevância, o levantamento tem sido motivo de questionamentos. O Conselho Regional de Economia da 2ª Região – SP (Corecon-SP) ressalta que os agentes econômicos têm sido levados a erros de interpretação e direcionamento de suas decisões devido aos recorrentes deslizes nas projeções do Focus. “Considerando o primeiro e o último Relatório Focus divulgados em 2024, as estimativas variaram de 3,9% para 4,9% no IPCA; de 1,59% para 3,49% no PIB; de R$ 5 para R$ 6 no dólar; e de 9% a.a. para 11,75% a.a. na Selic. A variação entre um relatório e outro indica expressivos desacertos nas previsões”, ressalta comunicado divulgado pelo Corecon-SP.
Para o órgão, a visão é de que as estimativas do mercado revelam mais desejos do que projeções fundamentadas sobre o que realmente se acredita que ocorrerá. “Há um incentivo intrínseco, quase sem risco, de grande parte dos respondentes em superestimar a inflação, com o objetivo de pressionar pela manutenção de elevada taxa Selic e, consequentemente, assegurar juros reais mais elevados na economia brasileira e garantir alta rentabilidade nas suas operações financeiras e nos seus fundos administrados”, afirma.
Por que o Boletim Focus tem tantos erros?
Segundo o Conselho Regional de Economia da 2ª Região – SP (Corecon-SP), como está hoje, o Boletim Focus, que apresenta as projeções de 160 instituições financeiras e consultorias econômicas, impacta as expectativas de forma positiva e negativa, mas sempre com o viés interpretativo do mercado financeiro, que tem uma presença exagerada na composição da amostra.
“Empresários que investiriam na economia real tornam-se mais refratários, o que afeta o crescimento econômico, os investimentos produtivos, a geração de empregos e a própria competitividade sistêmica brasileira. Quase todos perdem, pela ausência de diversidade de agentes econômicos respondentes, diante do desequilíbrio decorrente da amostra que origina o levantamento”, explicita o Corecon-SP em comunicado.
A entidade dos economistas defende a necessidade de buscar uma forma alternativa – para o bem do Brasil, pois como está, o Focus desvirtua a realidade em favor de poucos. “Nesse sentido, o Relatório Firmus é uma importante iniciativa. Porém, precisa ganhar fôlego e receber a devida atenção da sociedade, da mídia e até do próprio BCB”, diz.
O Firmus é uma pesquisa trimestral, ainda em fase piloto (já na terceira edição), cujo objetivo é captar a percepção de empresas não financeiras sobre a situação de seus negócios e em relação às variáveis econômicas que influenciam suas decisões.
Vantagens e desvantagens
Filipe Ferreira, diretor da Comdinheiro, ressalta que o Boletim Focus é uma pesquisa entre os bancos e, por isso, tem sua vantagem e desvantagem. “A vantagem é que o economista do banco consegue travar a sua opinião sincera, você não precisa ser influenciado por fatores terceiros do mercado, você consegue traçar seu modelo e tentar acertar”, diz ao lembrar que a imprecisão do Focus costuma ser criticada.
“Mas, de fato, os indicadores são difíceis de precisar, e conforme algumas coisas mudam, as projeções impactam o cenário elaborado. Esse é um indicador, é um consenso entre os economistas, você está bebendo em uma boa fonte, o que acontece é que todo mundo está aberto ao erro”, explica o economista.
Para ele, é melhor você usar a projeção do Focus do que não usar nada, e abrir de projeção é como abrir mão de orçamento. “Então, não é porque o orçamento às vezes erra que você vai deixar de fazer orçamento, aqui vai o mesmo princípio, não é porque a projeção está errada você vai abdicar dela”, comenta.
Em 20 previsões do Focus em 4 anos, apenas 1 acerto
Alex Agostini, economista-chefe da Austin Rating, propõe uma reflexão: “Vamos pensar o seguinte, tirando o Focus o que mais nós temos de informação de projeções para os principais indicadores macroeconômicos do Brasil? Bom, nós vamos ter algumas instituições que naturalmente cada uma tem sua linha de escola, sua linha de entendimento da escola econômica. Então, você vai ter ali uma escola mais ortodoxa outra mais heterodoxa, depende de onde você tirar a informação. Acaba ficando um pouco enviesado.”
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“A gente não tem uma situação muito isenta dessa parte de projeções quando a gente pega projeções de instituições individuais. Quando a gente pega o Focus estamos falando de mais de 100 instituições que abastecem diariamente as previsões no sistema do Banco Central. Por que diariamente? Porque naturalmente cada instituição tem a sua equipe econômica, tem o seu especialista em cada área, ou tem uma equipe ou tem um economista. Acaba fazendo ali as inserções conforme a atualização de cada indicador”, explica Agostini.
Ele cita como exemplo quando saiu o IPCA, é feita a atualização, saiu o IPCA 15 é atualizado, saiu indicador de setor público e assim vai sendo divulgado constantemente porque tem indicador praticamente todos os dias sobre a economia brasileira.
“Sobre taxa de câmbio de fato é dificílimo a gente projetar taxa de câmbio, porque não é como no passado quando a gente projetava olhando em grande parte o fluxo de capitais, ou seja, oferta e demanda da moeda. A gente tinha mais ou menos como conseguir o nível. Agora, a gente não tem porque o câmbio passou muito tempo ser um ativo financeiro e todo o ativo de financeiro a formação do preço tem um componente subjetivo muito grande. Qual é este componente subjetivo? As expectativas futuras dos investidores em relação às moedas”, esclarece.
Levantamento realizado pelo UOL das estimativas feitas pelo mercado no início de cada ano para o Ibovespa, Selic, o PIB, variação do dólar e da inflação, medida pelo IPCA, mostra que o mercado errou em 95% das previsões sobre economia e Bolsa desde 2021: de 20 previsões, só acertou uma.
Procurada, a Febraban (Federação Brasileira de Bancos) informou por meio da sua assessoria de imprensa que “o Boletim Focus é uma publicação semanal do Banco Central, que coleta expectativas dos agentes de mercado sobre indicadores econômicos, não cabendo à Febraban tecer considerações a respeito”.
Por Gilmara Santos, especial para o Monito
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