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Consultor esclarece jornalista sobre farra de Mishell Temer com o pré-sal

Penso ser oportuno o envio desta mensagem de esclarecimento

Publicado em 21/12/2017
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Prezado Vinícius Torres Freire,


Em razão de matéria publicada em sua coluna do Jornal “Folha de São Paulo”, no dia 14 de dezembro de 2017, intitulada “Temer deu R$ 1 trilhão a petroleiras?”, penso ser oportuno o envio desta mensagem de esclarecimento. Espero que ela seja publicada em sua coluna.

O regime de partilha de produção foi introduzido no Brasil a partir da promulgação da Lei nº 12.351, de 22 de dezembro de 2010. Nos termos do inciso I do art. 2º dessa Lei, partilha de produção é o regime de exploração e produção de petróleo e gás natural no qual o contratado exerce, por sua conta e risco, as atividades de exploração, avaliação, desenvolvimento e produção e, em caso de descoberta comercial, adquire o direito à apropriação do custo em óleo, do volume da produção correspondente aos royalties devidos, bem como de parcela do excedente em óleo, na proporção, condições e prazos estabelecidos em contrato.

De acordo com o inciso II desse artigo, custo em óleo é a parcela da produção correspondente aos custos e aos investimentos realizados pelo contratado na execução das atividades de exploração, avaliação, desenvolvimento, produção e desativação das instalações.

O inciso III, também do art. 2º da Lei nº 12.351/2010, estabelece que excedente em óleo é a parcela da produção a ser repartida entre a União e o contratado, resultante da diferença entre o volume total da produção e as parcelas relativas ao custo em óleo e aos royalties. Assim sendo, o excedente em óleo é o “óleo lucro” ou profit oil, como denominado na literatura internacional.

O contrato de partilha de produção referente ao bloco de Libra dispõe que não integram o custo em óleo, entre outros: os encargos financeiros e amortizações de empréstimos e financiamentos; parcela das despesas qualificadas de pesquisa, desenvolvimento e inovação; gastos com ativos imobilizados que não estejam diretamente relacionados com as atividades de exploração e avaliação, desenvolvimento, produção e desativação das instalações; gastos relacionados com custas judiciais e extrajudiciais, conciliações, arbitragens, perícias, honorários advocatícios; multas, sanções e penalidades; gastos com a reposição de bens, equipamento e insumos que forem perdidos, danificados ou inutilizados em virtude de caso fortuito, bem como de dolo, imperícia, negligência, ou imprudência por parte do operador; tributos sobre a renda; e gastos com comercialização ou transporte, excluídos todos os gastos relacionados ao escoamento da produção.

No regime de partilha de produção, vendido o “óleo lucro” pelo contratado, obtém-se o lucro real da atividade antes de outras deduções de menor valor. As despesas acima mencionadas, previstas no contrato como não integrantes do custo em óleo, até poderiam ser deduzidas, sem gerar duplicidade, para fins de determinação do lucro líquido, que deve ser a base de cálculo do Imposto sobre a Renda da Pessoa Jurídica – IRPJ e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido – CSLL. Entretanto, outras deduções, além dessas, reduziriam, indevidamente, essa base de cálculo.

É importante registrar que, nos termos do contrato de partilha, integram o custo em óleo todos os gastos com ativos imobilizados que estejam diretamente relacionados com as atividades de exploração e avaliação, desenvolvimento, produção e desativação das instalações. Esses ativos são compostos por poços exploratórios, unidades estacionárias de produção, linhas de produção, linhas de injeção, poços produtores, poços injetores, máquinas, equipamentos submarinos, dutos de escoamento da produção, entre outros. Tais gastos já são, então, “deduzidos” do volume total da produção para se chegar ao “óleo lucro”, que é partilhado entre o contratado e a União.

A etapa de desenvolvimento da produção tem início com a aprovação do plano de desenvolvimento e se prolonga durante a fase de produção enquanto forem necessários investimentos em poços, equipamentos e instalações destinados à produção.

Nos termos do contrato de Libra, o contratado, a cada mês, poderá recuperar o custo em óleo, respeitando o limite de 50% do valor bruto da produção nos dois primeiros anos de produção e de 30% nos anos seguintes, para cada módulo[1]. Para se desenvolver adequadamente as várias áreas de Libra, serão necessários muitos módulos, instalados ao longo de vários anos.

É razoável prever a instalação de 10 módulos, incluindo as respectivas unidades estacionárias de produção, geralmente navios flutuantes do tipo FPSO (floating, production, storage and offloading), ao longo de 10 anos. Assim, o desenvolvimento da produção ocorre simultaneamente com a produção propriamente dita.

Após o início da produção, caso os gastos registrados como custo em óleo não sejam recuperados no prazo de 2 anos, a contar da data do seu reconhecimento como crédito para o contratado, o limite de 30% será aumentado, no período seguinte, para 50% até que os respectivos gastos sejam recuperados.

Observa-se, então, que todos os valores investidos pelo contratado na formação do ativo de cada módulo para produção de petróleo e gás natural serão rapidamente recuperados a partir da apropriação de até 50% do valor bruto da produção, a título de custo em óleo.
O § 1º do art. 1º do Projeto de Lei de Conversão – PLV nº 36, de 2017, decorrente da Medida Provisória nº 795, de 2017, permite a dedução da despesa de exaustão decorrente de ativos formados mediante gastos aplicados nas atividades de desenvolvimento para viabilizar a produção. O § 2º permite a exaustão acelerada desses ativos e o § 3º estabelece que a quota de exaustão acelerada será excluída do lucro líquido.

Dessa forma, essa exclusão será feita em “duplicidade”, pois, nos termos do contrato de partilha de produção citado, integram o custo em óleo todos os gastos com ativos imobilizados que estejam diretamente relacionados com as atividades de exploração e avaliação, desenvolvimento, produção, desativação das instalações, que são totalmente recuperados pelo contratado.

Importa registrar que os gastos para formação de tais ativos representam o principal componente dos custos e investimentos com vistas à produção petrolífera na província petrolífera do Pré-Sal.

Vale destacar que deduções referentes à depreciação de máquinas e equipamentos que compõem esses ativos imobilizados também ocorrerão em “duplicidade”, pois o § 5º do art. 1º do PLV nº 36, de 2017, determina tais deduções e o contrato de partilha permite a recuperação desses ativos como custo em óleo.

Analisa-se a seguir deduções relativas a custos exploratórios. A província do Pré-Sal foi descoberta a partir da perfuração de poço na área de Parati, iniciada em 2005. Essa área, na qual a Petrobras tinha participação de 65%, foi devolvida por falta de atratividade econômica. Foram devolvidas muitas outras áreas do Pré-Sal, tais como: Caramba, Abaré, Iguaçu, Bem-te-vi, Macunaíma e Biguá. Até o grande bloco BM-S-22 do consórcio formado pela ExxonMobil (50%) e Petrobras (50%), onde grandes investimentos foram feitos, foi devolvido. Júpiter, licitado em 2001, ainda não foi nem devolvido nem declarado comercial.

A Petrobras esteve presente nessas áreas a partir de consórcios com empresas petrolíferas, principalmente internacionais. Os custos exploratórios foram altíssimos (dezenas de bilhões de Reais), em razão, principalmente, das sísmicas realizadas e dos poços exploratórios perfurados. No entanto, não houve produção comercial.

A Petrobras pôde deduzir, em cada exercício, esses custos exploratórios para fins de base de cálculo do IRPJ e CSLL, em razão do art. 12 do Decreto-Lei nº 62, de 21 de novembro de 1966, consolidado no art. 416 do Regulamento do Imposto de Renda – RIR de 1999 (Decreto nº 3.000, de 26 de março de 1999), mesmo após o fim do monopólio operacional da estatal decorrente da promulgação da Emenda Constitucional nº 9, de 1995. Foi o monopólio da Petrobras na “prospecção e extração” de petróleo que justificou a edição desse Decreto-Lei.
Os parceiros da Petrobras não poderiam ter deduzido esses custos, pois não havia base legal para isso. No entanto, o Ministério da Fazenda permitiu essas deduções, com base no § 1º do art. 53 da Lei nº 4.506, de 30 de novembro de 1964. Penso que esse parágrafo não trata de exploração petrolífera, mas de cubagem e prospecção realizadas por concessionários de pesquisas ou lavra de minérios, sob a orientação técnica de engenheiro de minas. Além disso, seriam impossíveis tais deduções no regime de partilha de produção, no qual sequer há concessionários.

Nos termos do caput do art. 1º do PLV nº 36, de 2017, para fins de determinação do lucro real e da base de cálculo da CSLL, poderão ser integralmente deduzidos todos os custos exploratórios, em cada período de apuração. Em caso de descoberta comercial, os custos exploratórios também poderão ser recuperados pelo contratado como custo em óleo, o que poderá ocorrer muitos anos depois da realização do gasto e sua respectiva dedução. Desse modo, a interpretação de que poderá haver “duplicidade de dedução” também se aplica aos custos exploratórios em caso de descoberta comercial.

Essa mesma interpretação é possível em relação aos custos de produção propriamente ditos, conhecidos na literatura internacional como lifting costs(custos de extração) e em relação aos custos de desativação, pois esses custos são recuperados pelo contratado como custo em óleo, além de poderem ser deduzidos nos temos do caput do art. 1º do PLV nº 36, de 2017. No regime de partilha de produção, há limites de valor e de tempo para tal recuperação; no caso do caput do art. 1º do PLV nº 36, de 2017, as deduções ocorrem em cada período de apuração.

No Brasil, no ano de 2016, o custo dos produtos vendidos referente a cada barril de petróleo equivalente foi da ordem de US$ 22. Para fins de determinação do IRPJ e da base de cálculo da CSLL para a área de negócio “exploração e produção – E&P”, outras despesas e custos foram deduzidos, tais como despesas de vendas, despesas gerais e administrativas, custos exploratórios em áreas não comerciais e custos com pesquisa e desenvolvimento tecnológico. Assim, em 2016, o custo total de produção relativo às atividades de E&P foi de aproximadamente US$ 24 por barril. Em áreas novas do Pré-Sal como Carcará, por exemplo, onde não há infraestrutura principalmente para o escoamento do gás natural, esse custo pode chegar a US$ 30 por barril.

É importante registrar que o regime de partilha de produção é novo no Brasil. Tudo está para ser consolidado. Dessa forma, a redação do art. 1º do PLV nº 36, de 2017, não deveria gerar dúvidas quanto à sua aplicação. Na minha visão técnica, esse artigo permite deduções de custos e despesas que são recuperadas como custo em óleo nos termos da Lei nº 12.351/2010 e dos contratos de partilha de produção. Isso permitirá, no meu entendimento, "dupla dedução" tanto de custos de formação de ativos quanto de gastos operacionais.

Vale ressaltar que a visão técnica da Receita Federal do Brasil, que não admite possibilidade da “dupla dedução”, pode ser questionada junto ao Conselho Administrativo de Recursos Fiscais – CARF e, eventualmente, junto ao Poder Judiciário. Poderão ser muitas décadas de discussões administrativas e judiciais, que poderão ou não ter graves consequências para as finanças públicas. Importa registrar que, nos últimos meses, a Receita Federal do Brasil vem sofrendo, junto ao CARF, derrotas bilionárias para a Petrobras em processos relativos ao IRPJ e CSLL, a exemplo do ocorrido em recente decisão de 19 de outubro de 2017.

Apesar de diferente da minha, respeito a interpretação do Ministério da Fazenda/Receita Federal do Brasil, expressa na nota citada na sua coluna, quanto ao alcance do art. 1º do PLV nº 36, de 2017. Em razão da minha visão técnica, descrita nesta mensagem, não creio haver os erros ou equívocos apontados nessa nota e em sua coluna. Com relação a trabalhos de colegas Consultores Legislativos, julgo-me no direito de, nesta mensagem, não comentá-los por questão de ética profissional.

Em suma, considero tecnicamente inadequada a redação do art. 1º do PLV nº 36, de 2017, decorrente da Medida Provisória nº 795, de 2017. Penso que interpretações desse artigo podem gerar renúncia fiscal da ordem de R$ 1 trilhão, calculada a partir de uma dedução de US$ 22 por barril, da produção de 40 bilhões de barris de petróleo equivalente e de taxa de câmbio de 3,3 Reais por Dólar.

Ao contrário do mencionado na nota do Ministério da Fazenda/Receita Federal, creio que essa renúncia independe do percentual do excedente em óleo destinado ao contratado e, em decorrência, à União; como aqui demonstrado, a renúncia depende apenas do valor e da forma como o custo em óleo é recuperado pelo contratado e das deduções permitidas pelo art. 1º do PLV nº 36, de 2017.

Esclareço, por fim, que o estudo técnico por mim elaborado e citado em sua coluna não foi publicado no sítio da Câmara dos Deputados, pois não autorizo a publicação de trabalhos técnicos que tenham como foco matéria em tramitação na Câmara dos Deputados. Esse estudo apenas é resultado do atendimento a uma demanda de trabalho feita pela Liderança do Partido dos Trabalhadores – PT da Câmara dos Deputados; apenas cumpri meu dever funcional de servidor público. O Líder do PT, senhor Deputado Carlos Zarattini, foi quem publicou o trabalho. Não cabe a mim, cercear o destino e uso de qualquer dos trabalhos técnicos solicitados. Em última análise, eu sou o autor, mas o solicitante é o “dono” do trabalho produzido.


Atenciosamente,

Paulo César Ribeiro Lima
Consultor Legislativo da Câmara dos Deputados

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