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Editorial: Tributos sobre a renda pagos por empresas petrolíferas após a Lei Nº 13.586/2017

A produção de petróleo no Brasil é caracterizada pela baixa participação governamental.

Publicado em 10/12/2019
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De 2008 a 2018, a participação governamental no Brasil decorreu, principalmente, do regime de concessão. Nesse regime, a participação governamental é composta pelos royalties, participação especial, taxa de retenção de área, bônus de assinatura, Imposto sobre a Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) e Contribuição sobre o Lucro Líquido (CSLL).

Como a alíquota de royalties no regime de concessão é próxima de 10% do valor da produção, pode-se afirmar que, nesse período, a receita bruta de produção das empresas petrolíferas foi de cerca de R$ 1,567 trilhão. Houve o pagamento de R$ 156,691 bilhões de royalties e R$ 154,048 bilhões de participação especial, que é uma participação governamental devida no caso de campos de alta produção.

De 2008 a 2018, o pagamento de IRPJ e CSLL foi muito menor que pagamento de R$ 310,739 bilhões de royalties e participação especial. A Petrobrás pagou R$ 273,729 bilhões de royalties e participação especial, mas apenas R$ 65,991 bilhões de IRPJ e CSSL. Como a receita bruta de produção da Petrobrás foi de R$ 1,367 trilhão, o que representou 87,2% do total, pode-se afirmar que o pagamento total de IRPJ e CSLL foi inferior a R$ 100 bilhões. Dessa forma, a participação governamental, considerando-se os royalties, a participação especial, o IRPJ e a CSLL, foi inferior a 26,2%.

A alíquota da participação especial varia de zero a percentuais pouco abaixo de 40% da receita líquida do campo. A receita líquida é a diferença entre a receita bruta e o custo de produção acrescido dos royalties.

Nos termos do § 1º do art. 50 da Lei nº 9.478, de 6 de agosto de 1997, podem ser deduzidos da receita bruta da produção, além dos royalties, os investimentos na exploração, os custos operacionais, a depreciação e os tributos previstos na legislação em vigor. Nessa Lei e nos contratos de concessão não há menção à exaustão.

No regime de partilha de produção, introduzido pela Lei nº 12.351, de 22 de dezembro de 2018, não há pagamento de participação especial. Há, contudo, uma participação governamental denominada excedente em óleo da União, obtida após a dedução do custo em óleo e da parcela do contratado no excedente em óleo.

O custo em óleo, nos termos do inciso II do art. 2º dessa Lei, é a parcela da produção, exigível unicamente em caso de descoberta comercial, correspondente aos custos e aos investimentos realizados pelo contratado na execução das atividades de exploração, avaliação, desenvolvimento, produção e desativação das instalações, sujeita a limites, prazos e condições estabelecidos em contrato. Na Lei nº 12.351/2010 e no contrato de partilha de produção não há menção à depreciação nem à exaustão.

O regime de concessão, com baixíssima participação governamental, e de partilha de produção apresentam semelhanças, mas também grandes diferenças conceituais. Dessa forma, o Brasil carecia de uma lei que estabelecesse  um modelo tributário referente IRPJ e CSLL que considerasse a baixa participação governamental no Brasil e as diferenças entre os regimes de concessão e de partilha de produção.

O art. 1º da Lei nº 13.586, de 27 de dezembro de 2017, teve como objetivo estabelecer um “modelo tributário” aplicável tanto ao regime de concessão quanto ao regime de partilha de produção. O objetivo deste trabalho é analisar esse artigo e seus impactos sobre a arrecadação de IRPJ e CSLL no ano de 2018 e nos próximos trinta e cinco anos de produção sob os regimes de concessão e de partilha.

2. A LEI Nº 13.586/2017

O grande mérito da Lei nº 13.586/2017 foi revogar, por meio do seu art. 11, o art. 12 do Decreto-Lei nº 62, de 21 de novembro de 1966, que permitia que a Petrobrás pudesse deduzir, para efeito de determinação do lucro sujeito à tributação, as importâncias aplicadas em cada exercício na prospecção e extração do petróleo cru.

Na realidade, o art. 12 do Decreto-Lei nº 62/1966 deveria ter sido revogado juntamente com o fim do monopólio da Petrobrás nas atividades de exploração e produção e com a promulgação da Lei nº 9.478/1997, Em vez disso, o Regulamento do Imposto de Renda (RIR), Decreto nº 3.000, de 26 de março de 1999, incorporou, com pequenos ajustes, esse artigo.

Entretanto, o caput do art. 1º da Lei nº 13.586/2017, à exceção da etapa de desenvolvimento da produção, estendeu os benefícios fiscais, anteriormente exclusivos para a Petrobrás, a todas as empresas petrolíferas. A própria etapa de desenvolvimento da produção não é adequadamente tratada pelos parágrafos desse artigo.

Esse caput estabelece que, para fins de determinação do lucro real e da base de cálculo da CSLL, poderão ser integralmente deduzidas as importâncias aplicadas, em cada período de apuração, nas atividades de exploração e de produção, observado o disposto no § 1º do art. 1º.

Desse modo, todas as empresas poderão deduzir integralmente da base de cálculo do IRPJ e da CSLL, no período de apuração, os pagamentos feitos a título de royalties e bônus de assinatura relativos ao regime de partilha de produção. Além disso, permite que todos os custos de exploração e avaliação possam ser deduzidos no período da apuração.

O § 1º do art. 1º da Lei nº 13.586/2017 dispõe que a despesa de exaustão decorrente de ativo formado mediante gastos aplicados nas atividades de desenvolvimento para viabilizar a produção de campo de petróleo ou de gás natural é dedutível na apuração do lucro real e da base de cálculo da CSLL.

Esse parágrafo inova com relação aos custos de produção que já são deduzidos da receita bruta para fins de apuração da base de cálculo da participação especial do regime de concessão.

Nos termos da Resolução da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis – ANP nº 12, de 21 de fevereiro de 2014, são dedutíveis os encargos relacionados à depreciação dos bens aplicados nas atividades de desenvolvimento e produção do campo e a amortização dos recursos aplicados em gastos diretamente relacionados às atividades do campo produtor que contribuam para a formação do resultado de mais de um período-base.

O § 4º do art. 27 estabelece que não será admitida amortização de gastos, para os quais seja registrada quota de depreciação. Dessa forma, não há possibilidade de duplicidade de dedução de amortização e depreciação.

Para haver uniformidade com a terminologia do setor petrolífero, a Lei nº 13.586/2017 deveria, então, ter usado o termo amortização. Com a redação do § 1º pode-se interpretar que foi criada uma nova possibilidade de dedução.

O § 2º do art. 1º permite que haja a exaustão acelerada do ativo, calculada mediante a aplicação da taxa de exaustão, determinada pelo método das unidades produzidas, multiplicada por dois inteiros e cinco décimos. Nos termos do § 3º, essa cota será excluída do lucro líquido. Pode-se interpretar, então, que essa cota não estaria incluída no custo dos produtos vendidos.

O § 5º do art. 1º da Lei nº 13.586/2017 estabelece que, quanto às máquinas, aos equipamentos e aos instrumentos facilitadores aplicados nas atividades de desenvolvimento da produção, a depreciação dedutível, para fins de determinação do lucro real e da base de cálculo da CSLL, deverá ser realizada de acordo com as taxas publicadas periodicamente pela Secretaria da Receita Federal do Brasil, para cada espécie de bem, em condições normais ou médias.

Os bens de que trata esse artigo também compõe o ativo da empresa petrolífera, cuja depreciação pode ser deduzida da base de cálculo da participação especial, o que enseja a reversão do bem para a União.

Com a redação do § 5º, a depreciação, que já deduzida da base de cálculo da participação especial poderá ser deduzida também da base de cálculo do IRPJ e da CSLL.

A exemplo da Resolução ANP nº 12/2014, o art. 1º da Lei nº 13.586 /2017 deveria deixar clara a impossibilidade de haver exaustão de ativo para o qual fosse registrada quota de depreciação. Dessa forma, pode-se interpretar que há possibilidade de duplicidade de dedução de exaustão e depreciação.

Quanto aos bens arrendados, o art. 13 do Decreto-Lei nº 1.598, de 26 de dezembro de 1977, dispõe que os encargos de depreciação, amortização e exaustão gerados por bem objeto de arrendamento mercantil não são considerados como custos para fins de apuração do lucro real da pessoa jurídica arrendatária, pois ela pode deduzir de seu lucro real as despesas relativas à contraprestação pelo arrendamento.

Nos termos da International Financial Reporting Standard – IFRS 16, todos os contratos de arrendamento deverão ser registrados no ativo e no passivo. As parcelas de arrendamento são contabilizadas como despesas financeiras e depreciação do ativo constituído (1) . Assim sendo, pode-se interpretar que até os bens arrendados poderão ser “exauridos aceleradamente”.

No regime de partilha, não se aplicam os conceitos de depreciação, amortização e exaustão. Nesse regime, os custos de todos os bens que compõem o ativo serão recuperados pelo contratado como custo em óleo. Há, no entanto, um limite para a recuperação desses custos.

Quanto aos bens arrendados, os contratados sob esse regime receberão como custo em óleo a parcela da produção referente às parcelas de locação, manutenção e reparo e às relativas a arrendamento. Observa-se, então, que os contratos de arrendamento, que gerarão custo em óleo para a União, também poderão gerar encargos financeiros dedutíveis, depreciação e exaustão acelerada do ativo formado, o que pode levar à duplicidade de dedução.

Na exploração e produção de petróleo em águas profundas, como na província petrolífera do Pré-Sal, já é normal que os navios flutuantes de produção e estocagem (Floating Production, Storage and Offloading – FPSO) sejam arrendados. No entanto, com a possibilidade de benefícios fiscais, também poderão ser arrendados os navios-sonda de perfuração, de completação e de intervenção, e todas as embarcações de apoio.

É importante ressaltar que, com a promulgação da Lei nº 13.586/2017, o Brasil optou por não adotar o conceito de ring-fencing no regime de partilha de produção e não adotar o princípio da uniformidade, segundo o qual os custos e despesas dedutíveis como custo em óleo (cost oil) são os mesmos adotados para cálculo do imposto sobre a renda (2) .

Com isso, o IRPJ e o CSLL efetivamente arrecadados continuarão a depender de todas as atividades corporativas da controladora, não apenas da rentabilidade do campo. Desse modo, muitas deduções na base de cálculo desses tributos continuarão sendo possíveis.

Lima (2018) estima que as deduções permitidas pela Lei nº 13.586/2017 podem gerar uma redução na base de cálculo da do IRPJ e da CSLL de US$ 23,5 por barril (3) .

É importante destacar, ainda, que a não adoção do princípio da uniformidade fará com que o Estado brasileiro tenha duas instituições trabalhando na apuração dos custos e despesas: a Pré-Sal Petróleo S.A., para acompanhar e controlar o cálculo do custo em óleo, e a Receita Federal do Brasil para acompanhar o custo dos produtos vendidos e as despesas dedutíveis da base de cálculo do IRPJ e da CSLL.

3. O PAGAMENTO DE IRPJ E CSSL PELAS EMPRESAS PETROLÍFERAS EM 2018

No ano de 2018, após a promulgação da Lei nº 13.586/2017, foi muito baixo o pagamento de IRPJ e CSLL pelas empresas petrolíferas estrangeiras, apesar da alta rentabilidade dos campos do Pré-Sal onde elas atuam, como os campos de Lula e Sapinhoá da província petrolífera do Pré-Sal, que foram os que apresentaram maior receita líquida nesse ano.

A Tabela 3.1 apresenta a produção de petróleo e gás natural das cinco maiores empresas petrolíferas que constam entre as mil maiores empresas do Brasil, segundo levantamento feito pelo Jornal Valor Econômico (4) .

As empresas estrangeiras mostradas na Tabela 3.1 produziram 199,1 milhões de barris de petróleo e 7,486 bilhões de metros cúbicos de gás natural no Brasil. A Tabela 3.2 apresenta o lucro líquido dessas empresas (5) .

Conforme mostrado na Tabela 3.2, as cinco empresas estrangeiras produtoras de petróleo que constam entre as mil maiores empresas do Brasil apresentaram uma receita líquida de R$ 47,405 bilhões e a soma dos lucros líquidos e dos prejuízos contábeis foi de apenas R$ 1,951 bilhão. A Petrobrás (controladora) apresentou um lucro líquido de R$ 25,779 bilhões. A única empresa que apresentou um lucro líquido compatível com a receita líquida foi a Repsol Sinopec.

Ocorre que as deduções da Lei nº 13.586/2017 são permitidas, não são obrigatórias. Na realidade, fica a critério da empresa “escolher” as deduções e, consequentemente, o resultado financeiro do período.

A Shell Brasil e a Total Brasil apresentaram prejuízo. Admitida uma alíquota de 25% sobre essa soma, as empresas petrolíferas estrangeiras que faturaram R$ 47,405 bilhões podem ter pago apenas R$ 739 milhões de IRPJ.

Considerando-se apenas as empresas que apresentaram lucro, a arrecadação de IRPJ e CSLL foi de R$ 1,765 bilhão; um valor irrisório. A Petrobrás (controladora) pagou R$ 11,603 bilhões para uma receita de R$ 281,099 bilhões. Dessa forma, as seis maiores produtoras de petróleo do Brasil pagaram apenas R$ 13,368 bilhões de IRPJ e CSLL para uma receita de R$ 328,504 bilhões. Esses impostos representaram apenas 4% da receita.

 Tabela 3.1: Produção de petróleo e gás natural – 2018

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Fonte: elaboração própria a partir de dados do Valor Econômico (6)

A Shell Brasil Petróleo Ltda. é a grande produtora de petróleo no País depois da Petrobrás. Com a Petrogal Brasil e a Petrobrás, a empresa compõe o consórcio do campo de Lula. A Shell tem uma participação de 25% nesse consórcio. Em 2018, o campo de Lula produziu 315,126 milhões de metros cúbicos de petróleo e 7,331 bilhões de metros cúbicos de gás natural. Dessa forma, a Shell produziu 78,781 milhões de barris de petróleo e 1,832 bilhão de metros cúbicos de gás natural no campo de Lula.

Como o campo de Lula gerou uma receita bruta de R$ 81,834 bilhões, a receita bruta da Shell nesse campo foi de R$ 20,459 bilhões; a receita líquida foi de R$ 15,888 bilhões. Como a alíquota média da participação especial para esse campo foi de 36,763%, o pagamento da Shell Brasil foi de R$ 5,841 bilhões.

Como 50% da participação especial do campo de Lula são distribuídos para o Estado do Rio de Janeiro e seus Municípios, esses entes receberam da Shell, em 2018, R$ 2,920 bilhões. A União também recebeu da Shell R$ 2,920 bilhões, correspondente aos outros 50% da participação especial. A receita líquida da Shell no campo de Lula de R$ 15,888 bilhões é, de certa forma, o “lucro operacional” do campo de Lula. Essa receita gerou elevado pagamento de participação especial, mas nenhuma receita para o FPE e FPM advinda do IRPJ.

A Shell também tem participação de 30% no campo de Sapinhoá, que, em 2018, foi o segundo campo de maior produção no Brasil, ficando atrás somente do campo de Lula. Nesse campo, em 2018, a Shell produziu 4,312 milhões de barris de petróleo e 498,224 milhões de metros cúbicos de gás natural, o que gerou uma receita líquida de R$ 4,492 bilhões.

Observa-se, então, que a receita líquida da Shell Brasil Petróleo Ltda. nos campos de Lula e Sapinhoá, extraída dos Relatórios Trimestrais de Participação Especial da ANP (7) , foi de R$ 20,380 bilhões em 2018, mas não foi pago nenhum valor de IRPJ e CSLL.

Os poços dos campos do Pré-Sal são os de maior produtividade no mundo; eles são mais produtivos que os poços da Arábia Saudita, segundo a Pré-Sal Petróleo S.A. (PPSA), conforme apresentação feita pela Secretária de Petróleo, Gás Natural de Bicombustíveis na Câmara dos Deputados em 10 de julho de 2019 (8) .

O prejuízo contábil da Shell Brasil decorre das deduções permitidas pela Lei nº 13.586/2017. Como a Shell Brasil é uma sociedade limitada, é difícil quantificar cada uma das deduções, mas é possível afirmar que as deduções foram muito elevadas. Essa é a única forma de uma empresa que tem 25% no campo de Lula e 30% no campo de Sapinhoá apresentar prejuízo contábil.

Enquanto a Shell Brasil Petróleo Ltda. apresentou prejuízo contábil em 2018, a Royal Dutch Shell PLC, que tem ADRs (9) negociadas na bolsa de Nova Iorque, apresentou lucro líquido de US$ 17,51 bilhões e pagou imposto sobre a renda de US$ 8,79 bilhões (10) . Como, em 2018, o câmbio médio foi de 3,65 Reais por Dólar, a Royal Dutch Shell apresentou um lucro líquido de R$ 86,2495 bilhões, antes dos tributos sobre a renda, e pagou tributos sobre a renda de R$ 30,255 bilhões.

Analisa-se, a seguir, a participação governamental da Shell Brasil Petróleo Ltda. nos campos de Lula e Sapinhoá. Como a Shell Brasil não pagou IRPJ nem CSLL, a participação governamental, em 2018, foi composta basicamente de royalties, participação, bônus de assinatura e despesa com retenção de área.

A Shell Brasil Petróleo Ltda. pagou royalties de R$ 676 milhões, no campo de Sapinhoá, e R$ 2,046 bilhões, no campo de Lula. Quanto à participação especial, a empresa pagou R$ 1,277 bilhão, no campo de Sapinhoá, e R$ 5,088 bilhões no campo de Lula.

O bônus de assinatura de Lula foi de R$ 15,164 milhões e o de Sapinhoá foi de R$ 51,450 milhões, o que gera valor anual para a Shell de apenas R$ 1,2 milhão. Os bônus de assinatura e as taxas de retenção de área foram de R$ 1,3 milhão.

Como a receita líquida da Shell Brasil Petróleo Ltda. foi de R$ 20,380 bilhões e a participação governamental foi de R$ 9,088 bilhões, em termos percentuais, a participação governamental da empresa foi de 44,6%.

Se a participação governamental de R$ 9,087 bilhões fosse subtraída da receita líquida de R$ 20,380 bilhões, o “lucro líquido” da Shell Brasil Petróleo Ltda. nos campos de Lula e Sapinhoá, em 2018, teria sido de R$ 11,292 bilhões. Esse “lucro líquido” geraria um pagamento de IRPJ e CSLL de R$ 3,840 bilhões.

Com esse pagamento de R$ 3,840 bilhões, a participação governamental aumentaria de 44,6% para 63,4%, que ainda seria um percentual muito baixo para os padrões internacionais. Na Noruega, onde os campos na plataforma continental têm uma rentabilidade bem menor que Lula e Sapinhoá, a participação governamental em 2018 foi de 82% (11) .

Segundo Martén, Whittaker e Bourio (2015), o Brasil está entre os países com menor participação governamental média de 2009 a 2014. Na Noruega, a participação governamental, nesse período, foi de 76%, enquanto no Brasil essa participação foi de 56%. Isso, por si só, já evidencia a baixa arrecadação de tributos no Brasil.

Desse modo, a Lei nº 13.586/2017 gerou uma redução de arrecadação de IRPJ e CSLL para a Shell Brasil Petróleo Ltda., em 2018, de R$ 3,840 bilhões, no caso dos campos de Sapinhoá e Lula. Nesse ano, a produção da Shell Brasil Petróleo Ltda. nesses campos foi de 120,570 milhões de barris equivalentes de petróleo. Assim, a redução de arrecadação foi de pelo menos R$ 31,849 por barril, sem considerar as possíveis reduções devido a outras atividades, ao segmento Corporativo da empresa e ao prejuízo financeiro de R$ 3,389 bilhões.

Na realidade, como a Shell deu prejuízo, a soma dos custos dos produtos vendidos, das despesas denominadas operacionais e do resultado financeiro foi maior que a receita de R$ 28,334. A relação entre essa receita e a produção de 149,211 milhões de barris equivalentes de petróleo pela Shell foi maior que R$ 189,891 por barril.

Apesar de a Petrobrás ter apresentado lucro líquido consolidado de R$ 26,698 bilhões, em 2018, a estatal, assim como a Shell Brasil Petróleo Ltda., apresentou, em razão da Lei nº 13.586/2017, um alto padrão de deduções.

No caso da Petrobrás, foram deduzidos da base de cálculo do IRPJ e da CSLL royalties de R$ 17,923 bilhões e participação especial de R$ 21,685 bilhões, pois essas participações governamentais são tratadas como custos, além das taxas de retenção de área, mas que são irrisórias em relação às anteriores. Também foram deduzidas a despesa com exaustão acelerada, os custos de exploração e os bônus de assinatura, que a Petrobrás tem depletado pelo método das unidades produzidas.

Foram deduzidos, ainda, pela Petrobrás, em 2018, as despesas denominadas operacionais do segmento de exploração e produção de R$ 19,463 bilhões; as despesas denominadas operacionais do segmento Corporativo de R$ R$ 16,911bilhões; e o resultado financeiro líquido negativo do segmento Corporativo no valor de R$ 21,100 bilhões.

Em 2018, incluindo-se o pagamento pela Petrobrás (controladora) de IRPJ e CSLL de R$ 11,603 bilhões, a participação governamental total foi de R$ 56,383 bilhões, o que representou apenas 44,1% da receita líquida do segmento de exploração e produção de R$ 127,764 bilhões. Apenas a fatia de 65% da Petrobrás no campo de Lula deveria ter gerado um pagamento de IRPJ e CSLL de R$ 8,138 bilhões.

Em 2018, a receita da Petrobrás (controladora) foi de R$ 281,099 bilhões e o lucro antes dos impostos foi de R$ 37,382 bilhões. Dessa forma, a soma do custo dos produtos vendidos, das despesas operacionais e do resultado financeiro foi de R$ 243,717 bilhões. A relação entre essa soma e a produção de 834,9 milhões de barris equivalentes de petróleo foi de R$ 291,912 por barril. Assim sendo, a redução do IRPJ e da CSLL da estatal pode ter sido, proporcionalmente, maior que a da Shell Brasil Petróleo Ltda.

4. POTENCIAL DE REDUÇÃO DE ARRECADAÇÃO DE IRPJ E CSLL

A baixa arrecadação de IRPJ e CSLL e a reduzida participação governamental no Brasil devem continuar nas próximas décadas, a menos que a Lei nº 13.586/2017 seja alterada. Para um País cuja produção petrolífera pode triplicar nas próximas décadas, principalmente pelo aumento da participação das empresas estrangeiras na província do Pré-Sal, é fundamental que se rediscuta o modelo tributário vigente.

Sob o regime de concessão, muitas áreas do Pré-Sal, como os próprios campos de Lula e Sapinhoá, Carcará, Sagitário, Gato do Mato, na bacia de Santos, e muitos campos na bacia de Campos continuarão ou entrarão em produção. Além disso, muitas áreas fora do polígono do Pré-Sal licitadas nas últimas rodadas de concessão irão produzir nas próximas décadas.

Dessa forma, estima-se, que nos próximos trinta e cinco anos o Brasil produza cerca de 30 bilhões de barris equivalentes de petróleo sob esse regime. Adotando-se a redução de arrecadação da Shell de R$ 31,849 por barril, mas que pode ser bem maior, a perda de arrecadação total de IRPJ e CSLL poderá ser de R$ 955 bilhões, sem atualização a valor presente.

Admitindo-se uma taxa de desconto de 5% ao ano, o valor presente da redução de arrecadação do regime de concessão pode ser de R$ 409,709 bilhões.

No regime de partilha de produção, a Lei nº 12.351/2010 não permite que os royalties e os bônus de assinatura sejam tratados como custo em óleo e veda qualquer tipo de ressarcimento dessas parcelas aos contratos.

Entretanto, como a Lei nº 13.586/2017 deu ao regime de partilha o mesmo tratamento do regime de concessão, é possível que os royalties e os bônus de assinatura sejam deduzidos da base de cálculo do IRPJ e da CSLL. No regime de partilha, os royalties têm alíquota de 15% e os bônus de assinatura são de alto valor.

A Rodada de Licitações de Partilha de Produção para os Volumes Excedentes aos contratados sob o Regime de Cessão Onerosa apresenta bônus de assinatura no valor de R$ 106,561 bilhões. Os excedentes da cessão onerosa, que podem chegar a 15 bilhões de barris equivalentes de petróleo, podem gerar, a valor presente líquido, uma receita líquida de R$ 1,106 trilhão.

As deduções adicionais, a valor presente, de royalties de R$ 250,874 bilhões e de bônus de assinatura de R$ 106,561 bilhões podem levar a uma redução adicional de R$ 121,528 bilhões. Dessa forma, a redução total de arrecadação de IRPJ e da CSLL relativa aos excedentes da cessão onerosa pode ser de R$ 269,618 bilhões.

Além da Rodada dos Excedentes da Cessão Onerosa, já foram realizadas cinco Rodadas de Partilha de Produção e futuras rodadas estão previstas. Na 1ª Rodada de Partilha de Produção, foi licitada a área de Libra. Dessa forma, é possível que nos próximos trinta e cinco anos o Brasil produza 30 bilhões de barris equivalentes de petróleo sob esse regime, além dos 15 bilhões de barris dos excedentes da cessão onerosa.

A dedução dos royalties a valor presente deve ser de R$ 501,748 bilhões. Os bônus de assinatura podem ultrapassar R$ 30 bilhões. As deduções adicionais, a valor presente, podem ser de R$ 180,794 bilhões. Dessa forma, a redução total de arrecadação de IRPJ e CSLL relativa aos 30 bilhões de barris equivalentes pode ser de R$ 590,705 bilhões.

A redução total de arrecadação de IRPJ e da CSLL, nos próximos trinta e cinco anos, a valor presente, referente aos 30 bilhões de barris a serem produzidos sob o regime de concessão, aos 15 bilhões de barris dos excedentes da cessão onerosa e aos 30 bilhões a serem produzidos sob o regime de partilha de produção totalizam R$ 1,270 trilhão.

Dessa potencial perda de arrecadação de IRPJ e CSLL de R$ 1,270 trilhão, R$ 933,847 milhões será a perda de IRPJ e R$ 336,185 milhões a perda de CSLL.

Como 24,5% do IRPJ são destinados ao Fundo de Participação dos Municípios (FPM), todos os Municípios brasileiros podem perder R$ 228,793 milhões. A perda de arrecadação do Fundo de Participação dos Estados e Distrito Federal (FPE) pode chegar a R$ 200,777 milhões, pois esse Fundo recebe 21,5% da arrecadação de IRPJ.

Em suma, a participação governamental efetivamente paga pelas empresas é muito baixa no Brasil. A principal causa dessa baixa participação governamental é o reduzido pagamento efetivo de IRPJ e CSLL. Caso a Lei nº 13.586/2017 não seja revista, o baixo padrão de arrecadação desses tributos vai continuar nas próximas décadas com graves consequências para os entes federativos, especialmente Estados e Municípios.

5. CONCLUSÕES

A produção petrolífera no Brasil caracteriza-se pela baixa participação governamental. De 2009 a 2104, a participação governamental média teórica no Brasil foi de apenas 56%; na Noruega, foi de 76%. Em 2018, a participação governamental paga pela Shell Brasil Petróleo Ltda. foi de apenas de 44,6%.

Com a descoberta do Pré-Sal e as altas produtividades dos poços dessa província, os mais produtivos do mundo, esperava-se que o Brasil rediscutisse a baixa tributação sobre a renda das empresas petrolíferas e implantasse um novo modelo tributário capaz de elevar a participação governamental.

De fato, com a promulgação da Lei nº 13.586/2017, foi implantado um novo modelo tributário, mas que não foi capaz de elevar a participação governamental nem a arrecadação de IRPJ e CSLL, muito pelo contrário.

Em 2018, após a promulgação dessa Lei, a arrecadação desses tributos foi baixíssima. As cinco maiores produtoras estrangeiras de petróleo no Brasil apresentaram uma soma de lucros e prejuízos contábeis de R$ 1,951 bilhão; a Petrobrás (controladora) apresentou um lucro líquido de apenas R$ 25,779 bilhões.

O IRPJ e a CSLL pagos pelas cinco maiores empresas estrangeiras produtoras de petróleo no Brasil foram estimados em R$ 1,765 bilhão para uma receita líquida de R$ 47,405 bilhões.
A participação das empresas estrangeiras vai aumentar muito no Brasil em relação ao ano de 2018. Assim sendo, é fundamental que a Lei nº 13.586/2017 seja alterada de modo a aumentar a arrecadação de IRPJ e CSLL e a participação governamental no Brasil.

Caso isso não ocorra, o baixo padrão de participação governamental e de baixa arrecadação de IRPJ e CSLL deve continuar nas próximas décadas tanto no regime de concessão quanto no regime de partilha de produção.

A redução total de arrecadação de IRPJ e CSLL, nos próximos trinta e cinco anos, a valor presente, referente aos 30 bilhões de barris a serem produzidos sob o regime de concessão, aos 15 bilhões de barris dos excedentes da cessão onerosa e aos 30 bilhões a serem produzidos sob o regime de partilha de produção totalizam R$ 1,270 trilhão.

Dessa potencial perda de arrecadação de IRPJ e CSLL de R$ 1,270 trilhão, R$ 933,847 milhões será redução de IRPJ e R$ 336,185 milhões será redução de CSLL.

Como 24,5% do IRPJ são destinados ao Fundo de Participação dos Municípios (FPM), todos os Municípios brasileiros podem perder R$ 228,793 bilhões. A perda de arrecadação do Fundo de Participação dos Estados e Distrito Federal (FPE) pode chegar a R$ 200,777 bilhões, pois esse Fundo recebe 21,5% da arrecadação de IRPJ.

Nesse contexto, a Lei nº 13.586/2017 precisa ser rediscutida. Caso contrário, o baixo padrão de arrecadação desses tributos vai continuar nas próximas décadas com graves consequências para os entes federativos, especialmente Estados e Municípios.

Referências:

LIMA, P. C. R. Divergências relativas à Medida Provisória nº 795, de 2017, convertida na Lei nº 13.586, de 2017. Estudo Técnico. Consultoria Legislativa da Câmara dos Deputados, 2018.

MARTÉN I., WHITTAKER P. e BOURIO, Á. M. Government Take in Upstream Oil and Gas - Framing a More Balanced Dialogue. The Boston Consulting Group. December 2015.

1-Disponível em https://www.ifrs.org/-/media/project/leases/ifrs/published-documents/ifrs16-effects-analysis.pdf. Acesso em 22 de setembro de 2019.

2-Disponível em https://www2.deloitte.com/content/dam/Deloitte/global/Documents/Energy-and-Resources/gx-er-oilandgas-indonesia.pdf. Acesso em 29 de janeiro de 2018.

3-Disponível em http://www.aepet.org.br/w3/images/2018/02/docs/PClima.pdf. Acesso em 30 de setembro de 2019.

4-Disponível em https://www.valor.com.br/valor1000/2019/ranking1000maiores. Acesso em 4 de outubro de 2019.
5-Idem.

6-Disponível em https://www.valor.com.br/valor1000/2019/ranking1000maiores/Petr%C3%B3leo_e_G%C3%A1s. Acesso em 3 de outubro de 2019.

7-Disponível em http://www.anp.gov.br/images/Royalties-e-outras-participacoes/Participacao_Especial/relatorio-distribuicao-pe/4trimestre-2018.pdf e 1º, 2º 2 3º trimestres de 2018. Acesso em 5 de outubro de 2019.

8-Disponível em https://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/comissoes/comissoes-permanentes/cdeic/audiencias/audiencias-publicas-2019. Acesso em 4 de outubro de 2019.
American Deposit Receipts

9-American Deposit Receipts 

10-Disponível em https://www.marketwatch.com/investing/stock/rds.a/financials. Acesso em 4 de outubro de 2019.

Disponível em https://app.vanmeursenergy.com/documents/free/68401001.pdf. Acesso em 4 de outubro de 2019.

 

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