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EUA prejudicaram a Petrobrás ao transformar pré-sal em regime de exploração colonial, diz Coutinho ao Sputnik Brasil

Pré-sal comemora 15 anos batendo recordes de exportação, mas também de frustração entre setores sociais brasileiros. Pressões dos EUA e do capital estrangeiro levaram o "passaporte para o futuro" se transformar em exploração colonial.

Publicado em 15/09/2023
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O mês de setembro marca os 15 anos da exploração de petróleo na camada do pré-sal brasileira, reserva que alçou o país a 10º produtor mundial e maior exportador da América Latina.

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Extraído pela primeira vez em setembro de 2008, o pré-sal já produziu mais de 5,5 bilhões de barris de petróleo e hoje responde por 78% da produção estatal do Brasil.

Apesar dos dados positivos, setores da sociedade brasileira expressam frustração quanto ao papel que o "ouro negro" teve no desenvolvimento nacional.

"Os resultados poderiam, sim, ter sido muito melhores", disse o vice-presidente da Associação dos Engenheiros da Petrobrás (AEPET), Felipe Coutinho, à Sputnik Brasil. "Mas, na ocasião da descoberta, se projetou um potencial de desenvolvimento irrealista."

A consultora da FGV Energia e diretora da Agência Nacional de Petróleo (ANP) entre 2012 e 2016, Magda Chambriard, concorda que as expectativas sobre as reservas foram superdimensionadas.

"A sociedade auferiu benefícios, ainda que não na velocidade que pretendeu", disse Chambriard à Sputnik Brasil. "Temos que incluir nessa conta fatores como a crise econômica mundial e a queda no preço do petróleo durante esse período."
O otimismo exacerbado quanto ao potencial das reservas se aliou à ideia equivocada de que a exportação de petróleo cru seria suficiente para o desenvolvimento de uma economia complexa como a brasileira.

"Não é possível desenvolver um país de dimensões continentais como o Brasil exportando uma matéria-prima como o petróleo cru, muito menos quando essa exportação é feita por multinacionais estrangeiras", explicou o engenheiro e vice-presidente da AEPET.

Atualmente, o Brasil exporta volumes recordes de petróleo cru, que atingem os 1,5 milhão de barris diários, o equivalente a 45% da produção nacional. Cerca de 60% dessa exportação são realizadas por empresas estrangeiras, com destaque para a britânica Shell.

Para Coutinho, a exploração do pré-sal se assemelha aos demais ciclos econômicos coloniais da história do Brasil: apresenta uma fase de ascensão, seguida por apropriação da produção por número reduzido de pessoas ou empresas, levando à exaustão e redução da exploração do recurso primário.

"Assim como os ciclos que o Brasil experienciou no período colonial e pós-colonial, o ciclo da exploração do petróleo do pré-sal caminha para o mesmo destino, infelizmente", disse o engenheiro.

EUA e retirada da Petrobrás como operadora única

O regime de exploração do pré-sal pensado na ocasião do seu descobrimento foi modificado, em função da pressão do capital internacional sobre o governo brasileiro. Uma das alterações mais significativas – e polêmicas – foi a retirada da Petrobras da condição de operadora única.

"Antes, os consórcios precisavam contar com a Petrobras como operadora única, com participação mínima de 30%. Isso dava para o Brasil a oportunidade de reter boa parte da renda petrolífera, porque a Petrobras poderia adotar políticas de conteúdo nacional e de contratação de bens e serviços no país”, explicou Coutinho.

Documentos divulgados pelo Wikileaks denunciam conluio entre o então senador José Serra e autoridades norte-americanas no Brasil para mudar as regras da exploração do pré-sal, em detrimento dos interesses brasileiros.

Telegramas emitidos pelo Consulado dos EUA em São Paulo relatam o comprometimento de Serra com uma executiva da empresa norte-americana Chevron para alterar as regras de exploração de petróleo do pré-sal.
No período final do segundo mandato de Dilma Rousseff (2015-2016), o então senador José Serra apresenta projeto para retirar a Petrobras do regime de operadora única, "atendendo aos interesses das multinacionais do petróleo, em especial aquelas sediadas nos EUA", relatou Coutinho.

Apesar de ter condições de fazer oposição ao projeto, o governo cede e aprova emenda na qual a Petrobras passava a gozar somente de regime "preferencial".

"O próprio governo Dilma recuou da manutenção da Petrobras como operadora única. Se o governo da época tinha a intenção de ceder ao capital internacional para se manter no poder, a história mostrou que não foi o suficiente", lamentou Coutinho.

Para Magda Chambriard, o papel da Petrobras em projetos complexos como o do pré-sal é fundamental, dado o alto nível de comprometimento da empresa com projetos sediados no Brasil.

"Acredito que as empresas estatais assumem mais riscos no Brasil do que as estrangeiras", considerou Chambriard. "Para mim, o dilema não é entre operação exclusiva ou não exclusiva. Mas o que vejo são as estatais se comprometendo mais com seus países – e isso é uma realidade na atuação das empresas estatais no geral, não é um comportamento exclusivo da Petrobras."

A retirada da Petrobras do regime de operadora única comprometeu a viabilidade da política de conteúdo local, que buscava garantir que as necessidades da exploração do pré-sal fossem atendidas por produtos e serviços oferecidos pela sociedade brasileira.

"Por outro lado, aprendemos que o pré-sal era grande demais para a indústria brasileira", notou Chambriard. "A indústria pretendia fornecer, mas não atendia a demanda. Foi um bônus grande demais, que se transformou em um ônus para a indústria nacional."

Os governos de Michel Temer (2016-2018) e Jair Bolsonaro (2019-2022) aprofundam as contradições do modelo de exploração do pré-sal ao acelerar a exploração dos recursos, sem considerar o consumo nacional.

"Esses governos aceleraram a entrega das reservas do pré-sal ao capital estrangeiro, de maneira desproporcional à demanda brasileira, gerando esse gigantesco excedente de petróleo cru que está sendo exportado, em sua maior parte, por multinacionais", lamentou Coutinho.

Correção de rumos

Para o vice-presidente da AEPET, ainda há tempo de corrigir os rumos e retomar um modelo exploratório mais benéfico aos interesses nacionais.

"É necessário rever a política e ritmo exploratório do pré-sal e recolocar a Petrobras como operadora única", disse Coutinho. "Também é importante fazer a exploração na medida em que o Brasil possa consumir esse petróleo ou angariar valor a ele."

Para Coutinho, o governo atual não deve se abster do debate, alegando falta de vontade política no Congresso Nacional para conduzir mudanças.

"Se você assume que não há potencial político para recolocar a Petrobras, está capitulando. Uma liderança política deve mobilizar seus recursos e pautar o seu público em favor de projetos que considera benéficos para a sociedade, como esse", notou o engenheiro.

Para ele, "a passividade é uma desculpa de quem está aceitando que o país continue nessa estrutura colonial. Essas pessoas estão dentre aquela diminuta parcela privilegiada da sociedade, que se comportam como administradores coloniais".

Apesar do discurso em favor de mudanças na Petrobras e na exploração do pré-sal, o governo Lula ainda não modificou políticas dos governos anteriores, como o ritmo de distribuição de dividendos da Petrobras, tampouco reverteu a privatização de ativos importantes da empresa, como a BR Distribuidora.

"É muito fácil criticar durante a campanha. Na hora que você vai de fato enfrentar os interesses do capital estrangeiro e do imperialismo, a postura muda", concluiu Coutinho.

Fonte(s) / Referência(s):

Jornalismo AEPET
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