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Guilherme Estrella contribui com o projeto Memória Oral narrando a descoberta do Pré-Sal

“O grande crime que cometeram foi que com a fragmentação da Petrobras, destruíram o sistema industrial integrado da Petróleo Brasileiro SA, que gerenciava o Brasil inteiro."

Publicado em 31/01/2024
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Guilherme Estrela
Foto: ABR
O ex-diretor de Exploração da Petrobras Guilherme Estrella, ajudou a esclarecer um episódio marcante da história recente do Brasil, ao contar para o projeto Memória Oral como foi o processo de descoberta do Pré-Sal. Tendo em vista o grande volume de petróleo produzido nessa região hoje em dia, a confirmação dos poços foi um avanço gigantesco para o país, que só foi possível graças ao entrosamento de geólogos e engenheiros, que souberam com maestria cruzar informações e conhecimentos acadêmicos com os dados mais imediatos das perfurações in loco.

Por estar à frente da diretoria que conseguiu esse feito em 2006, o geólogo e conselheiro do Clube é considerado o “pai do Pré-Sal”. Por ter no próprio nome a designação do corpo celeste já popularmente associado à sorte, para muitos ela pode ter ajudado a obter esse sucesso. No entanto, o depoimento mostrou que o encontro desses depósitos em águas ultraprofundas esteve longe de ser fruto de boa fortuna, mas resultado de décadas de acúmulo de experiências e conhecimento, bem como da vontade política de investir em prol da soberania nacional sobre os recursos naturais e a energia.

“O presidente Lula e a presidenta Dilma disseram que o Pré-Sal foi o bilhete de loteria que nós ganhamos. Pera lá, não é bilhete de loteria. Sorte é na Megasena. Tem toda uma história de estudos geocientíficos e não é sorte do Estrella”, contou o geólogo, que é fanático torcedor do Botafogo, time que coincidentemente tem a estrela como símbolo.

Sempre bem-humorado, Estrella contou também sobre como a interação entre profissionais da engenharia e da geologia nas pesquisas do Pré-Sal, envolvendo tanto o Cenpes (Centro de Pesquisas da Petrobras) quanto o pessoal operacional foi frutífera. Essa troca não foi algo tão simples, tendo em vista os diferentes modelos que os técnicos haviam produzido ao longo dos estudos e da carreira. Mas o espírito de colaboração prevaleceu, gerando maior assertividade através de análises probabilísticas e na precisão das sondagens.

História de Estrella se confunde com a exploração do petróleo no Brasil

“Há uma rixa entre geólogos e engenheiros. Na Petrobras, onde muitos trabalham juntos, há sempre uma gozação. Os engenheiros dizem que passamos a vida contando história, enquanto eles têm que conhecer as equações matemáticas, cálculo integral, para ganhar a vida. Então, se tiver que fazer uma reportagem, não procure um geólogo, porque ele vai começar a contar a história a partir de 3,5 bilhões de anos, que é o conhecimento que temos o planeta”, ironizou Estrella.

Por pouco, o próprio Estrella não virou engenheiro, pois conforme ele contou no depoimento, essa era sua opção preferida na época em que cursou o antigo curso Científico. No início da década de 1960, a Universidade do Brasil (atual UFRJ) estava iniciando o curso de Geologia e a orientação para a busca dessa então nova profissão veio de um diretor do colégio da Ilha do Governador, onde morava. A escolha acabou sendo boa para ele e para o país, que carecia desses profissionais, sobretudo para os estudos para a descoberta de petróleo.

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Não foi à toa que fez o concurso para a Petrobras logo depois de formado, já que era promissor para um jovem a carreira na estatal, que ainda tinha muito a descobrir sobre o potencial do território brasileiro. Na época, o país ainda sofria com o desencanto provocado pelos relatórios feitos pelo geólogo americano Walter Link, que não apontou grande potencial na exploração terrestre. Mas ainda assim, havia esperança de jazidas com potencial econômico no Recôncavo Baiano e em Sergipe. Como estava prestes a se casar, se mudar para o Nordeste não foi problema para Estrella, que fez parte de um seleto grupo de geólogos que participou das pesquisas geofísicas iniciais na plataforma continental na altura desses dois estados. Foi justamente em Guaricema (SE) que se deu a primeira descoberta em águas rasas e, mesmo não havendo certeza do potencial econômico do poço, o então presidente da estatal em 1968, Ernesto Geisel, decidiu pela exploração a fim de dar ao país essa capacitação.

Outro desafio de Estrella foi na Bacia de Campos, no litoral Norte do Estado do Rio, onde a dificuldade era encontrar a permeabilidade ideal na rocha geradora, mesmo em águas rasas. Essa frente exploratória foi a partir da década de 1970 a mais rica em petróleo do Brasil e contribui inclusive com o atingimento da autossuficiência volumétrica, quase na mesma época do Pré-Sal. Estrella comenta com orgulho sobre essas conquistas, não só por ter participado diretamente dos projetos, mas por acreditar que o investimento feito pelo país na Petrobras, principalmente através de pesquisas científicas, é condizente com a grandeza do país e contribui para uma melhor qualidade de vida para a população.

Depois de dominada a tecnologia de exploração em águas rasas, a estatal partiu para a extração em pontos mais distantes da costa, em profundidades maiores. O desafio era, conforme conta Estrella, como realizar a manutenção dessas plataformas de petróleo em níveis que mergulhadores não alcançavam e diminuir os riscos de corrosão dos equipamentos. O trabalho de pesquisa e desenvolvimento foi intenso e contou com abundantes recursos financeiros, o que rendeu à companhia notoriedade nesse campo e premiações internacionais.

Esses avanços ocorreram em grande parte no período do monopólio da Petrobras, quebrado no governo Fernando Henrique, em 1997, o que Estrella lamenta. Ele conta que vieram em seguida projetos em parceria com multinacionais, como a anglo-holandesa Shell, mas a própria petrolífera brasileira já era outra. Não havia mais o interesse em assumir riscos em nome do interesse nacional e o principal objetivo era render dividendos. Tanto que a companhia abandonou pesquisa no campo de Tupi, que depois foi confirmado como o maior do Brasil.

“O Fernando Henrique transformou a Petrobras num banco. Mas o presidente Lula determinou que a Petrobras tem que assumir o protagonismo. Uma sonda custa um milhão de dólares por dia e gastamos 200 milhões até encontrarmos rocha porosa e permeável”, conta Estrella, explicando como se chegou à camada do Pré-Sal.

O geólogo não reconhece mais na atual Petrobras o sistema que foi montado e que ajudou não só na industrialização do país, como em avanços sociais. Para ele, é fundamental a retomada da presença da companhia na distribuição como a recuperação das refinarias vendidas. O conselheiro do Clube também defende a volta do sistema de partilha, em que a União continua proprietária do petróleo e com isso consegue auferir maior renda, que pode ser investida na área social.

“O grande crime que cometeram foi que com a fragmentação da Petrobras, destruíram o sistema industrial integrado da Petróleo Brasileiro SA, que gerenciava o Brasil inteiro. Dava lucro, atendendo o país e dando condições de investir”, argumentou Estrella.

O geólogo não se furtou de comentar esses temas atuais, como os efeitos da operação Lava Jato sobre a engenharia brasileira, desmantelando grandes empresas. Também abordou seu ponto de vista sobre a nova fronteira exploratória na Margem Equatorial. Segundo ele, a região tem condições ambientais próprias que precisam ser avaliadas pela Petrobras em comunhão com o Ibama, que deve ter sua autoridade respeitada.

“No mundo atual multipolar, o domínio das riquezas naturais na mão do Estado é fundamental para a soberania e para a competição com as outras nações”, conclui Estrella.

Clique aqui para assistir a íntegra da entrevista

Fonte(s) / Referência(s):

Jornalismo AEPET
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