Nota do Cofecon – Por um novo arcabouço fiscal
Atual modelo reduz dimensões do Estado, escolha política que não deveria estar embutida em regras fiscais
No Brasil, atualmente muito mais que no resto do mundo, uma narrativa sobre equilíbrio fiscal, com forte apelo às experiências dos orçamentos familiares, mantém-se como senso comum. Para as famílias, assumir uma receita constante e apenas despesas com consumo é bastante razoável. Assim, gastos além da receita exigirão endividamento, cujas prestações futuras reduzirão os recursos para consumo. No caso das empresas, a restrição é menor, pois elas têm mais oportunidades de investir e de aumentar suas receitas para pagar o próprio endividamento.
O Estado pode contar com o aumento da tributação, assim como com emissões de moeda e títulos que venham elevar a atividade econômica e com ela a arrecadação, como fontes de financiamento para o próprio endividamento, mas sobretudo para despesas, muitas delas essenciais e urgentes, quando destinadas a manter o pleno emprego, transferências aos mais vulneráveis e ampliações de oportunidades. Embora parte das despesas públicas seja com privilégios, desperdícios e desvios, a redução do Estado, como solução, também comprometeria, ou mesmo impediria, o custeio das essenciais e urgentes. É mais sensato aprimorar o controle e aumentar a transparência, ainda que a necessidade de regras e limites permaneça.
Gastos públicos são um adicional de demanda sobre a capacidade produtiva da economia, que é limitada no curto prazo, com efeito final dependendo de sua modalidade, que determinará a parcela poupada e, portanto, esterilizada. Assim, gastos com efeitos acima do que se consegue produzir vão pressionar os preços, reduzindo o poder de compra, mais ainda dos que têm menos poder de recompor suas rendas, enquanto efeitos abaixo do que se consegue produzir vão aumentar o número de desempregados, tirando-lhes a possibilidade de gerarem a própria renda.
As regras fiscais atualmente em vigor no Brasil são muitas – metas para o resultado fiscal primário, que exclui as amortizações e os juros sobre a dívida; limites para a dívida pública; limites para despesas com pessoal; medidas de ajuste fiscal compulsório em algumas circunstâncias; regra de ouro, que impede o endividamento para financiar despesas correntes – destacando-se o teto para os gastos públicos. Instituído pela Emenda Constitucional Nº95/2016, para vigorar partir de 2017, o teto seria reajustado apenas pela inflação e limitaria os gastos primários, com algumas exceções, por vinte anos, com possibilidade de revisão após dez anos.
Com a chegada da pandemia, os dramáticos impactos sobre o emprego exigiram aprovação de orçamento de guerra e calamidade pública, para permitir gastos acima do teto; para 2021, as despesas com saúde e o auxílio emergencial foram autorizados a ficar fora do limite e, para 2022, foram realizadas alterações casuísticas na regra de reajuste do teto pela inflação e o adiamento do pagamento de grande parte dos precatórios. Todas essas medidas foram formas de contornar o teto, em função de sua inadequação às necessidades da política econômica.
Não menos impróprio é o desvio de finalidade do atual teto de gastos, ao não ser corrigido também pelo crescimento real do PIB – que aumentaria a capacidade de financiamento das políticas públicas – e da população – que aumentaria as necessidades dessas políticas. Trata-se de uma forma de redução das dimensões do Estado, uma escolha política que não deveria estar embutida em regras fiscais. Tais circunstâncias mostram a necessidade de uma política fiscal ativa, com as devidas regras, desde que possua flexibilidade para manter o máximo de empregos sem pressão inflacionária e ainda incentivos para a elevação da produção, da produtividade e da qualidade de vida.
Fonte: Cofecon
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