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'O experimento liberal no Brasil foi um fracasso retumbante', afirmam economistas de seis universidades

Manifesto que faz um balanço da economia brasileira será entregue a todos os candidatos a presidente da República

Publicado em 19/05/2022
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Um grupo de pesquisadores de seis universidades brasileiras concluiu um estudo sobre a economia brasileira dos últimos dez anos em que comprova, por meio de rigoroso diagnóstico, a estagnação econômica do país da última década.

O artigo-manifesto "A Crônica da Subordinação Consentida", que será entregue aos candidatos a presidente da República nas eleições de 2022, é resultado das discussões entre professores e pesquisadores de diversas Instituições de Ensino Superior (públicas e privadas).

A maioria deles participa do grupo de pesquisa "Macroeconomia Estruturalista do Desenvolvimento", do Departamento de Economia da Universidade de Brasília (UnB).

"Esse trabalho faz um diagnóstico que diverge fundamentalmente da narrativa neoliberal, que atribui a uma alegada 'nova matriz macroeconômica' – vagamente definida como um excesso de intervenção do Estado na economia após a crise financeira internacional de 2008 – a responsabilidade tanto pela grande recessão de 2014-2016, como pelo crescimento medíocre que se seguiu a mesma", resumem os pesquisadores.

No entanto, os economistas acreditam que tais problemas são decorrência, de um lado, de um processo de regressão produtiva da economia brasileira, em função de desindustrialização prematura e da reprimarização da pauta de exportações.

De outro lado, afirmam que agenda de reformas – previdência, teto de gastos, reforma trabalhista – além de não resolver o problema de regressão produtiva, procura elevar a taxa de retorno do capital por intermédio de mecanismos de sobre-exploração do trabalho, devastação ambiental e redução da carga tributária por intermédio da redução do Estado do bem-estar social.

"Essa agenda não é condizente com o desenvolvimento econômico e social do Brasil. Ao contrário, trata-se de um programa consciente de subordinação consentida da nação brasileira aos interesses do grande capital, nacional e internacional", diz o manifesto.

Pressão sobre o meio ambiente

O agravamento do problema ambiental – pressão crescente sobre o meio ambiente e recursos naturais e o nível de devastação alarmante, como recentemente revelou os dados publicados pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) – é o outro lado da moeda da reprimarização da pauta de exportações e da desindustrialização precoce da economia brasileira.

Essa percepção dos analistas é notória e convincente porque a produção e exportação de produtos primários é altamente rentável, mas intensiva na ocupação de terras; o que tem levado a fronteira agrícola do país para dentro dos limites da floresta amazônica, o que se traduz, muitas vezes, em desflorestamento e queimadas ilegais.

Nova matriz macroeconômica

A profunda mudança estrutural negativa, a qual os economistas novo-desenvolvimentistas denominam de "regressão produtiva", esteve associada a uma redução do crescimento potencial da economia brasileira.

A média móvel de 10 anos da taxa de crescimento da economia brasileira, após alcançar um pico de 4,03%, em 2013, durante o primeiro mandato da presidente Dilma Rousseff, começou a apresentar um declínio acentuado, atingindo a ridícula marca de 0,36% no terceiro ano do governo de Jair Messias Bolsonaro.

Para os economistas liberais, esses dois fatos são (não correlacionados): o problema da estagnação da economia brasileira dos últimos 10 anos se deve a uma alegada "nova matriz macroeconômica".

Essa "expressão infeliz", criada pelo secretário de política econômica do primeiro governo Dilma Rousseff, Márcio Holland, produziu um excesso de intervenção do governo na economia, levando a uma má-alocação dos fatores de produção, o que seria a causa do baixo crescimento recente.

Agenda de reformas

Esse grupo de economistas liberais vem advogando, desde 2016, a adoção de uma agenda de reformas econômicas como a reforma trabalhista, a reforma da previdência e o teto de gastos, a qual supostamente devolveria o dinamismo da economia brasileira, fazendo com que o "PIB privado" liderasse o crescimento econômico ao invés do "PIB do governo" como fora realizado durante as administrações petistas.

Os economistas liberais propõem alterar, de um lado, as políticas públicas com a redução dos gastos sociais e dos impostos, de outro, as regras do mercado de trabalho que possibilitariam diminuir a renumeração do trabalho e, assim, aumentar a renumeração do capital.

"Todavia, o fracasso dessa agenda liberal pode ser observado à luz das reformas já realizadas".

PEC do teto de gastos

Em 2016, foi aprovada uma Proposta de Emenda Constitucional de "Teto dos Gastos", mecanismo que estabeleceu um teto fixo em termos reais para os gastos primários (excluindo-se do teto, portanto, os gastos com o pagamento de juros da dívida pública) do governo federal por um período de 20 anos.

Percebe-se, claramente, que logo após a aprovação dessa emenda constitucional do "Teto de Gastos" produziu-se, em âmbito nacional, uma redução significativa dos gastos federais nas áreas de saúde e educação.

Porém, com o início da pandemia da Covid-19 em 2020, a vigência do "Teto de Gastos" foi temporariamente revogada por intermédio de uma nova emenda constitucional que estabelecia a suspenção das regras fiscais durante o estado de calamidade pública, vigente até 31 de dezembro do ano passado.

Reforma trabalhista x desemprego

Por sua vez, em 2017 foi realizada a reforma trabalhista, ação defendida como sendo a solução redentora do problema do desemprego no Brasil, uma vez que bastaria faze-la que imediatamente milhões de empregos seriam criados no país.

Na verdade, o que se viu desde então foi uma taxa de desemprego duradoura e em patamares bastante elevados, a qual tem flutuado, desde então, em torno de 12% da força de trabalho.

Se a esse contingente foram acrescidos os trabalhadores que fazem bicos por não conseguirem uma jornada de trabalho integral e os trabalhadores desalentados (aqueles que procuram emprego, não encontram e acabam desistindo) chega-se a um montante de aproximadamente um terço da População Economicamente Atividade (PEA) do país.

Isso significa dizer que a reforma trabalhista resultou numa brutal precarização do mercado de trabalho brasileiro, ou seja, um grande engodo para a classe trabalhadora e um alento temporário à recuperação das taxas de lucros.

Desmonte da seguridade social

Por fim, realizou-se a reforma da Previdência Social entre os anos de 2018-2019 levando ao desmonte do Sistema de Seguridade Social aprovado na Constituição de 1988.

Por meio do mecanismo de Desvinculação das Receitas da União (a chamada DRU) ampliou-se o percentual de desvinculação de 20% para 30%.

Em termos monetários, apenas no ano de 2016 essa ampliação significou a retirada de R$ 126 bilhões da receita da Seguridade Social. Por outro lado, as desonerações fiscais, implementadas ainda no primeiro governo Dilma, afetaram negativamente a receita do sistema de Seguridade Social em, aproximadamente, R$ 90 bilhões ao ano.

Acrescente-se a isso os impactos negativos sobre a receita do Sistema de Seguridade Social derivados das dívidas crescentes, especialmente das grandes empresas, dos grandes bancos e dos times de futebol, cujo montante relativo ao ano de 2019, divulgado pelo sindicato nacional dos auditores fiscais do INSS, atingiu R$ 500 bilhões.

"A nosso ver, esses são elementos centrais que levaram ao colapso da saúde financeira do Sistema de Seguridade Social, por mais que se insista em discutir o problema apenas pela ótica do gasto, ou seja, do pagamento dos benefícios".

Seis anos depois

Passados seis anos da adoção do novo modelo de crescimento para a economia brasileira (2016-2021), os resultados foram decepcionantes, para dizer o mínimo.

Enquanto a média de crescimento do PIB brasileiro foi de 2,64% a.a, entre 1980 e 2014, o crescimento médio no período 2017-2019 (período no qual a política econômica do Brasil foi conduzida totalmente pelos economistas liberais) foi de apenas 1,44% a.a, valor que corresponde a apenas 54,6% do crescimento do período 1980-2014.

Os dados não permitem chegar a outra conclusão que não seja dizer em alto e bom som: o experimento liberal no Brasil foi um fracasso retumbante.

Quando confrontados com a realidade inescapável do seu fracasso, os economistas liberais reagem afirmando que o Brasil ainda não adotou todas as reformas necessárias para a retomada do crescimento econômico ou foram insuficientes aquelas levadas a cabo.

Choque de privatização

Além das reformas já mencionadas, voltaram a afirmar que ainda é necessário um choque de privatizações, com a venda do que resta das empresas estatais brasileiras, especialmente da Petrobras e do Sistema Eletrobras, os bancos do Brasil e Caixa Econômica, além da adoção de uma reforma administrativa que modernize o setor público brasileiro.

A onda de privatizações nos países desenvolvidos foi largamente revertida no período 2000-2017, ou seja, verificou-se um intenso movimento de reestatização devido as ineficiências manifestas das empresas privatizadas, as quais aumentaram os preços dos seus produtos ao mesmo tempo em que reduziram a qualidade dos respectivos serviços prestados.

Reforma administrativa

Na análise dos economistas, a reforma administrativa prevista pela PEC 32 (Proposta de Emenda Constitucional) não tem por objetivo modernizar o serviço público no Brasil, mas tornar os servidores públicos em serviçais dos políticos de plantão; uma vez que a reforma cria novos meios de acesso ao serviço público e tende a reduzir, fortemente, os cargos em que deve haver estabilidade.

Segundo eles, a reforma propõe, também, a criação dos cargos de liderança e assessoramento, algo na linha contrária a tudo o que foi feito no Brasil desde 1930, quando se passou a priorizar a estabilidade dos servidores públicos como forma de incrementar a profissionalização das atividades de Estado.

Por fim, ela abre possibilidade para acumulação de cargos em carreiras menos prestigiadas, o que aumenta a possibilidade de interferências privadas e conflitos de interesses para esses cargos.

"Portanto, se a reforma administrativa for aprovada, o Estado brasileiro irá retornar aos padrões prevalecentes na "República Velha", um retrocesso de quase um século, uma reinserção ao Estado pré-moderno", diz o manifesto dos economistas.

Pouco a comemorar no bicentenário

Nesse contexto, os acadêmicos afirmam que, no aniversário de 200 anos da independência do Brasil, temos pouco a comemorar. Isto porque o modelo econômico, adotado nas últimas três décadas, abandonou o projeto "Varguista" de desenvolvimento econômico como instrumento para garantir a soberania e a independência de fato do Brasil.

Na visão dos pesquisadores, os conselhos dados pelos economistas liberais não têm por objetivo tornar o Brasil uma nação rica e soberana; mas apenas reforçar os laços coloniais que o país voltou a ter a partir dos anos 1990 com as "reformas liberais" implementadas pelos governos Collor e FHC.

Desde 2016, as rédeas da política econômica no Brasil têm estado com os economistas liberais, os quais depois de um período de serviços prestados ao colonialismo, exercendo altos cargos na administração pública, são regiamente recompensados com postos de trabalho altamente remunerados no setor financeiro privado.

"Infelizmente, muito pouco teremos a comemorar no dia 07 de setembro de 2022. Contudo, mantido o processo democrático, o Brasil continuará sendo o país do futuro", dizem os oito economistas.

O artigo-manifesto é assinado pelos professores José Luís Oreiro (UnB/UPV/CNPq), Luiz Fernando Rodrigues de Paula (IE-UFRJ, CNPq), Lauro Mattei (UFSC/NECAT), Fábio Guedes Gomes (UFAL), Maurício Weiss (UFRGS), Kalinka Martins da Silva (IFG/Campus Luziânia), Adalmir Marquetti (PUCRS) e Daniel Moura da Costa Teixeira (PPGECO/UnB).

Fonte: + Brasil News

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Antônio Paulo Santos
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