Os gerentes da Petrobrás que jogam contra o Brasil
A Petrobrás movimenta mais de 70% de todas as cargas transportadas na nossa cabotagem,
Em sua passagem pela Gerência Executiva de Logística da Petrobrás, Rafael Noac mereceu reconhecimento pelo significativo aumento da frota da AET (ex-American Eagle Tankers), braço de logística de petróleo da Misc, operadora de FPSOs que pertence ao grupo estatal Petronas, da Malásia.
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No segundo semestre de 2022, a revista digital Oil&Gas Brasil repercutiu a notícia da cerimônia de batismo do DPST Eagle Crato, na Coreia do Sul, divulgada no site da AET. Rafael Noac, que aparece nas fotos vestindo imaculadas luvas brancas, representou a Petrobrás, fez discurso e recebeu os agradecimentos do armador de Singapura. A então gerente-geral de Afretamento, Ana Paula D’Orleans, foi homenageada na ocasião, recebendo o título de madrinha do navio.
Naquele 28 de julho, a AET celebrava o lançamento de seu terceiro navio-tanque Suezmax de segunda geração de posicionamento dinâmico (DP2), construído para um contrato de afretamento de longo prazo com a Petrobrás. Juntava-se aos seus navios-irmãos Eagle Colatina e Eagle Cambe, e a outros seis DPSTs que a AET já operava para a Petrobrás. Sem dúvida, uma conquista ímpar para uma empresa do setor marítimo em qualquer parte do mundo.
Lamentavelmente, para os trabalhadores no Brasil não houve – e até os dias atuais não há – motivos para comemoração. As orientações do terceiro governo Lula para retomada da construção de navios em estaleiros brasileiros até chegaram a ser assimiladas pela Transpetro, que apresentou um plano para construção de 25 navios (TP25). Todavia, um grupo de gerentes da Petrobras tem se posicionado sistematicamente de forma contrária à existência de uma frota brasileira, não escondendo a preferência pelo afretamento de navios estrangeiros e desprezando os ganhos em escala que poderiam representar para o Brasil a construção e a operação de navios por trabalhadores brasileiros, assim como os impactos positivos que essa medida teria na atividade econômica e na sociedade como um todo.
Fato é que a Petrobrás não deveria estar contratando navios para serem operados por empresas de fora. A Lei 9.478/1997, em seu Art. 65, estabelece: “A Petrobrás deverá constituir uma subsidiária com atribuições específicas de operar e construir seus dutos, terminais marítimos e embarcações para transporte de petróleo, seus derivados e gás natural, ficando facultado a essa subsidiária associar-se, majoritária ou minoritariamente, a outras empresas.” A subsidiária criada pela Lei é a Transpetro.
Os navios da AET contratados pela estatal possuem contratos de longo prazo bastante lucrativos, que garantem previsibilidade e retorno financeiro ao armador estrangeiro durante praticamente toda a vida útil das embarcações. A expectativa é de que elas permaneçam em águas brasileiras nessas condições por até 20 anos, mas a Petrobrás não se preocupou em propor contrapartidas equilibradas, como a geração de empregos na construção naval no Brasil durante o contrato e o emprego significativo de marítimos nacionais, considerando que as operações se desenvolvem na nossa cabotagem.
Este é apenas mais um exemplo da preferência inequívoca dos escalões gerenciais mais baixos da Petrobrás pelo afretamento de navios de outras bandeiras, em detrimento da frota própria em bandeira brasileira. Circula no meio marítimo a informação de que esses contratos de longa duração incluíram cláusulas extremamente benéficas para os armadores estrangeiros, em condições muito mais favoráveis do que aquelas praticadas nos navios operados por sua própria subsidiária Transpetro, ou por qualquer armador brasileiro da iniciativa privada.
Fontes da Petrobrás com conhecimento do processo revelam que a empresa deverá manter os DPSTs em contrato até mesmo durante as viagens entre o Brasil e Singapura por ocasião das docagens periódicas para manutenção e classificação dos navios, uma benesse nada desprezível, estimada em US$ 9 milhões a cada docagem.
Essas embarcações foram construídas em estaleiros da Coreia do Sul, injetando importantes recursos na economia sul-coreana e estimulando o desenvolvimento de novas tecnologias naquele país. O contrato de longo prazo com a Petrobrás e as docagens na Ásia asseguram a continuidade de empregos de boa qualidade na indústria naval daquele continente. É compreensível, portanto, que o armador fique satisfeito e se sinta motivado a homenagear gerentes e diretores da Petrobrás, convidando-os a participar de suas comemorações. Já os trabalhadores brasileiros, literalmente ficaram a ver navios.
A Petrobrás movimenta mais de 70% de todas as cargas transportadas na nossa cabotagem, fazendo com que as decisões tomadas em seu plano estratégico sobre construção e operação de navios impactem de modo decisivo as possibilidades de crescimento e desenvolvimento do Brasil neste setor. Essas decisões, portanto, deveriam estar sendo tomadas em esfera política mais elevada, por sua importância estratégica para o Brasil, e não por um grupo de gerentes de terceiro nível dentro da Petrobrás.
Atualmente, Rafael Noac é gerente-geral de Logística e um dos executivos da estatal que mais articula contra a construção e a operação de navios por trabalhadores brasileiros, a despeito dos estudos realizados pela Transpetro que indicam a viabilidade técnica de construção dos navios do TP25 no Brasil, por metalúrgicos brasileiros, e das projeções econômicas de lucratividade na operação desses navios em bandeira brasileira, tripulados por marítimos nacionais.
Em razão dessas decisões equivocadas, a cadeia de suprimentos da Petrobrás vem utilizando intensivamente mais de uma centena de navios de outras bandeiras em nossas águas, sem que a estatal contribua como poderia (e deveria) para o desenvolvimento nacional e retenção de capacidade logística em bandeira nacional, sem depender de outros países.
É essencial que ocorram mudanças na mentalidade estratégica da Petrobrás. O Brasil não pode continuar padecendo com a desindustrialização e o baixo crescimento econômico enquanto a Petrobrás, sob as decisões de um grupo de gerentes de terceiro nível, considera mais “interessante” gerar emprego, renda e desenvolvimento em outros países.
O falecido comandante Severino Almeida Filho, um dos maiores dirigentes sindicais marítimos do mundo no último século, orgulhosamente brasileiro, volta e meia costumava lembrar que construir e operar navios em bandeira nacional é uma decisão política. E que os países cujos governos compreendem e praticam essa máxima não por acaso são os que têm condições efetivas de definir os rumos em que o mundo navega.
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