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Posições da AEPET embasam trabalho acadêmico

A jovem Emanuela Caciatori, graduanda em Direito pela Universidade do Extremo Sul Catarinense (Unesc),

Publicado em 08/07/2019
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escolheu como tema de trabalho de conclusão de curso “A dependência brasileira no contexto da globalização: uma abordagem desde a política de preços da Petrobrás adotada a partir de outubro de 2016” e usou como uma das fontes de pesquisa os textos publicados pela AEPET.

Emanuela foi bolsista de Iniciação Científica PIBIC/UNESC/CNPq e pesquisadora do Grupo Pensamento Jurídico Crítico Latino-americano, na linha de Direitos Humanos, Constitucionalismo Crítico e processos constituintes na América Latina - Universidade do Extremos Sul Catarinense-UNESC. Monitora de Processo Constitucional no Curso de Direito da Universidade do Extremo Sul Catarinense - UNESC. Autora do livro (em coautoria com Lucas Machado Fagundes e Ághata July Goularte Patricio) "Pluralismo jurídico no processo constituinte boliviano" (2019).
Leia abaixo uma entrevista com Emanuela sobre as motivações do seu trabalho de conclusão de curso:

1- Fale-nos sobre seu trabalho de conclusão do curso de Direito. Como a dependência brasileira e a política de preços da Petrobras se correlacionam?

Antes de decidir que iria pesquisar a política de preços da Petrobras, eu já havia começado os estudos sobre a dependência, mais especificamente na vertente da Teoria Marxista da Dependência. A Teoria Marxista da Dependência foi o marco teórico do meu trabalho, que me deu os suportes teóricos para conseguir compreender o local que a América Latina, em geral, e o Brasil, em específico, ocupam dentro da sistemática do poder capitalista mundial.

Contudo, ainda me faltava um objeto concreto para analisar a dependência brasileira no contexto atual. Lembro que foi mais ou menos na época em que ocorreu a Greve dos Caminhoneiros que eu acabei me interessando por investigar a política de preços da companhia, já que diversos analistas, inclusive a economista Laura Carvalho, que gosto muito, atribuíram a paralisação como uma das consequências da política de preços adotada em 2016, e radicalizada em junho de 2017. E foi buscando compreender melhor a política de preços e suas implicações que eu conheci a AEPET, inclusive. Logo de cara, eu já identifiquei elementos na política que potencialmente reprodutores da dependência, por atrelar diretamente o preço praticado nas refinarias com a volatilidade do mercado internacional.

Nesse ponto, eu explorei bastante o livro “A Era do Capital Improdutivo” (2018), do economista Ladislau Dowbor, que dedica um capítulo inteiro para tratar sobre o tema do controle financeiro das commodities. Dowbor demonstra que hoje, na conjuntura de uma globalização financeira, a precificação das commodities obedece muito mais às especulações do mercado financeiro, que funciona em forma de oligopólio (Dowbor demonstra que 16 grupos controlam a precificação de commodities, por exemplo), do que aos mecanismos tradicionais do mercado como oferta e demanda. No caso, a produção e consumo do petróleo tem se mantido bastante estável nos últimos anos, não obstante os preços oscilem de forma muito freqüente. A análise que se faz, portanto, é que essa oscilação, ao passo que beneficia os grupos financeiros (maioria localizados em países europeus ou norte-americanos, e que guardam seus recursos em paraísos fiscais) e os acionistas, prejudica toda a cadeia de produtores e consumidores, que acabam reféns desses mecanismos que são incontroláveis do ponto de vista democrático. E é justamente a essa lógica oligopólica e financeirizada que a Petrobras se submete ao adotar praticamente como único critério de precificação a volatilidade internacional.

No contexto de a economia global ser totalmente dependente dos combustíveis fósseis, e tratando especialmente do caso brasileiro, onde grande parte de todos os produtos são escoados pela malha rodoviária, a situação se torna ainda mais emblemática, na medida em que toda a sociedade é afetada de forma muito direta pela revisão de preço de diesel e gasolina.

E isso é só a ponta do iceberg, na verdade, porque as demais consequências da adoção da política de preços também são bastante problemáticas deste a perspectiva da soberania nacional e do desenvolvimento autônomo do país, já que se concretizam justamente na linha das previsões que os teóricos da dependência fazem: da reprimarização e da desindustrialização das economias dependentes. Os teóricos da dependência assinalam como consequência e desdobramento da divisão internacional do trabalho justamente que as economias latino-americanas, e nisso inclui-se a brasileira, ainda que tenha tido uma industrialização mais pujante que seus pares latino-americanos, que as economias sejam pautadas na exportação de matéria-prima, com a preponderância do setor primário-exportador (o que também reproduz o nexo de colonialidade, já que historicamente, desde os períodos de colonização e conquista, é o lugar que a América Latina ocupa, de exportar bens primários para os centros de poder, ao passo que necessita importar produtos de maior valor agregado).

Desde a adoção da política de preços que atualmente vigora na Petrobras, se verificou uma disparada na importação de derivados, especialmente de refinarias norte-americanas, o que levou ao aumento da ociosidade das refinarias da Petrobras. Isso porque, na prática, a companhia passou a praticar preços acima do mercado internacional (ao adicionar, ainda, o custo para “proteger dos riscos inerentes à operação”), o que tornou a Petrobras menos competitiva no mercado interno e fortaleceu as concorrentes. Assim, a Petrobras perdeu força no mercado interno, em detrimento do fortalecimento de importadoras privadas, o que paulatinamente diminui a força que a companhia teria para ditar os preços dos combustíveis no Brasil. Além disso, no mesmo período, o Brasil passou a exportar mais petróleo bruto, matéria-prima. Todos esses movimentos e consequências (estar refém do mercado financeiro, aumentar a importação de derivados, disparar a exportação de petróleo cru, perda do mercado interno e aumento da ociosidade das refinarias) apontam para a reprodução da dependência brasileira.

Para mim, o ponto central é compreender que isso não acontece de forma isolada no Brasil, senão que é uma lógica que está imbricada num processo maior, global, de expansão e reprodução do capitalismo mundial, que reserva para as sociedades dependentes um local específico dentro da divisão internacional do trabalho; entender que o desenvolvimento de uns e o subdesenvolvimento de outros faz parte do mesmo processo, e que isso é uma contradição inerente ao modelo socioeconômico que hoje vigora. O grande desafio é articular-se para conseguir delinear estratégias de combate a essa lógica, da qual muitos saem perdendo para que poucos possam sair ganhando. Também é necessário entender que os efeitos da adoção da política de preços extrapolam, e muito, o aspecto estritamente econômico, e que afetam o social, o político, o cultural, etc. Eu acho de valioso sentido o que Ruy Mauro Marini (brasileiro e um dos principais expoentes da Teoria Marxista da Dependência) nos ensina: “[…] é nesse sentido que a questão econômica tornou-se hoje, mais do que nunca, uma questão política ou, o que é o mesmo, que a luta contra a dependência não pode ser divorciada da luta pela democracia.” (MARINI, 2015, p. 270, tradução livre).

2- Qual o papel do Estado na dependência do Brasil?

Primeiro, acho importante distinguir que, pra Teoria Marxista da Dependência, não apenas o Estado é dependente, mas toda a sociedade, de modo que, ao fazer parte de uma totalidade, não seria possível analisar esses elementos de forma totalmente separada. Mas eu considero bastante importante, e até central, discutir o papel que o Estado desempenha – e pode desempenhar -, especialmente num cenário de globalização, onde se verifica de forma cada vez mais evidente o empoderamento de organismos privados de caráter financeiro e internacional, ao passo em que o poder estatal se vê diluído e fragmentado. Acredito que o primeiro passo perpassa, necessariamente, por uma maior democratização das relações sociais e pelo combate à desigualdade social, para que, a partir disso, seja possível discutir de forma franca, com a sociedade em geral, e não com pequenos setores corporativistas, qual o tipo de Estado, e qual a proposta de país que se tem para o Brasil. Historicamente, os interesses gerais da população são deixados de lado para beneficiar e priorizar interesses de pequenas elites que comandam o país e atuam, na prática, como “sócios menores” do empresariado estrangeiro, para utilizar-se a alcunha de Vânia Bambirra (2015, p. 133).

No meu trabalho, eu proponho que o Estado hoje é refém do capital financeiro, e isso ocorre de forma mais transparente nas sociedades dependentes, como é o caso brasileiro. Não acredito em soluções, para problemáticas estruturais e tão complexas como a dependência, que pareçam receita de bolo de tão simplórias. No entanto, acho que podem ser assinaladas algumas estratégias que o Estado brasileiro poderia incorporar para enfrentar a dependência brasileira, ao menos de forma paliativa - a Teoria Marxista da Dependência entende que não há alternativa dentro do capitalismo, que a produção simultânea de subdesenvolvimento e desenvolvimento é uma característica intrínseca desse sistema, e que a única forma de superar a dependência, que é um problema de origem estrutural, seria superando o modelo econômico que atualmente vige -. Tais medidas, no entanto, demandariam uma gigantesca vontade política, pois mexem com privilégios e setores que possuem gigantesco poder político e econômico, e pautas que extrapolam o âmbito nacional, especialmente nesse contexto de globalização econômica. Nesse sentido, o economista Ladislau Dowbor (2018) aponta como alternativas, e eu concordo com ele, que é necessário retomar a regulação sobre o sistema financeiro nacional (hoje, na prática, as instituições financeiras podem praticar as taxas de juros que bem entender, pois foi revogado o dispositivo constitucional que limitava as taxas de juros anuais; temos um grau altíssimo de endividamento da população e isso impacta a capacidade de consumo, a qualidade de vida, etc.), bem como realizar-se uma reforma tributária capaz de corrigir as distorções geradas pelo atual sistema tributário brasileiro, que na prática é regressivo e, proporcionalmente, recai de forma mais pesada sobre os mais pobres, alimentando a desigualdade social que tão gravemente assola nosso país. Além disso, necessário faz-se cumprir o art. 174 da Constituição Federal, e resgatar o poder regulador do Estado, a fim de que se reduza a possibilidade de que as corporações oligopólicas ditem as regras do jogo.

Além disso, dentro da conjuntura de um mundo que vivencia fenômenos de globalização, não há como simplesmente virar-se de costas e ignorar o cenário externo, o que não se pode, contudo, é observar o cenário internacional sem antes considerar as demandas internas e as necessidades nacionais. Assim, o sociólogo Carlos Eduardo Martins (2011) também delineia algumas alternativas para a América Latina (e aí se pode recortar pra realidade brasileira) enfrentar as próximas décadas e propor um novo padrão de desenvolvimento regional, que passe por uma articulação com o mercado internacional, mas que tenha o mercado interno e a integração regional como prioridades. Nisso inclui-se a necessidade de se investir em capacitação local e desenvolvimento tecnológico, para que o Brasil não fique dependente de importar tecnologias de ponta; que o país são se restrinja à reprimarização da economia, pautando-se na exportação de commodities quando se tenha períodos de alta nos preços internacionais dessa classe de produtos; que o Estado proteja os setores produtivos, especialmente os tecnológicos e estratégicos, tais quais os energéticos, de alimentos, etc.; que o Estado implemente políticas fiscais a fim de evitar a fuga de capital, passe a tributar monopólios, altas rendas, e a estimular a expansão do mercado interno; que o Estado realize uma reforma agrária, conciliando os ciclos de desenvolvimento com políticas que considerem o meio-ambiente, etc.

Enfim, existe uma série de propostas factíveis, mas que estão longe de serem de fácil implementação. A problemática se intensifica uma vez que, ao que tudo indica e se demonstra até o presente momento, os rumos que o atual governo vem adotando sejam justamente no sentido contrário às políticas assinaladas como chaves para o enfrentamento da dependência brasileira.

3- Seu trabalho cita diversos documentos da AEPET. Como você avalia a função da associação e sua utilidade para o entendimento e a transformação da realidade brasileira?

A AEPET foi crucial para o desenvolvimento do meu trabalho. Assim que ocorreu a greve dos caminhoneiros, e o tema da política de preços da Petrobras sempre era citado nesse contexto, eu me pus a pesquisar um pouco mais sobre a política de preços, e o local onde encontrei informações mais completas, detalhadas e com referências sobre o tema foi o portal da AEPET. Ainda, eu considero a Associação muito acessível à população em geral, não se restringindo a um portal que interesse apenas os engenheiros ou funcionários da estatal, pois assim que enviei um e-mail, pedindo indicações e referências sobre o tema da pesquisa que ia desenvolver, prontamente fui respondida com uma série de materiais.

Além disso, a gama de assuntos abordados pela AEPET é bastante extensa, sendo muito relevante para todos que se interessam por um projeto diferente de país, que queiram discutir e debater a soberania nacional, a democracia, etc. Até então, eu não tinha tido contato direto com a discussão sobre a questão petrolífera nacional, sobre os dados e números da Petrobras e sobre as implicações diretas que a companhia tem para o cenário nacional, política, social e economicamente. Logo, o trabalho da AEPET tornou-se fundamental para que eu pudesse compreender com maior clareza a complexa teia que imbrica todos os fatores e elementos que circundam a questão energética brasileira.

Nesse sentido, parabenizo a atuação da associação, pela postura não somente informativa, mas também propositiva no que tange à realidade brasileira. Acredito que a AEPET cumpra um papel muito importante no que diz respeito à democratização da informação relativa a assuntos tão importantes para o país, e cuja discussão, infelizmente, costuma ficar restrita a áreas técnicas e especializadas no tema. No entanto, por tratar-se de um segmento tão estratégico para o Brasil, e por ter desdobramentos que afetam a sociedade da maneira geral, acredito que o caminho passe justamente por maior propagação de informes sobre o tema, e vejo que a AEPET tem potencial e alcance para auxiliar a empreender essa tarefa.

Clique aqui para ler a íntegra do trabalho acadêmico

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