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Requião: “Não desisto e nem me recolho”

"Enquanto respirar viverei pelo Brasil"

Publicado em 14/12/2018
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O senador Roberto Requião fez, na última terça-feira (11), no plenário, um balanço de seu mandato e assumiu o compromisso de não abandonar a política: “Enquanto respirar, viverei pelo Brasil, fiel, intransigentemente fiel à utopia que me embala desde a meninice. O sonho de um país soberano, desenvolvido e bom, para todos”.

O senador manifestou também preocupação com o envolvimento político das Forças Armadas com o próximo governo. Requião disse que não dá para entender como poderão viver sob o mesmo teto os ultraliberais entreguistas da equipe de Paulo Guedes.

O discurso de Requião foi aparteado por diversos senadores, todos cumprimentando-o pela coragem e pela qualidade de seu mandato.

A seguir, vídeo e texto com o discurso:
https://www.youtube.com/watch?v=fWSh2DL31NE 


A casa vai cair: sobre a convivência dos militares com os ultraliberais de Paulo Guedes


Talvez este seja o meu último discurso ou um dos últimos discursos que faço no Senado Federal. Então, inicio solicitando um pouco de tolerância com o tempo.

À conta de preâmbulo, para deixar registrado o meu inconformismo com a expulsão dos médicos cubanos do Brasil; sim, expulsão! Não há outra palavra para classificar a iniciativa extemporânea do futuro Governo, já que sequer se empossou para tomar tão grave decisão sobre o setor que mais demanda atenção estatal e que agora desguarnece-se dramaticamente.

À conta de preâmbulo, dizia, faço uma pergunta: mais do que razões ideológicas, mais do que a bobagem anticomunista, mais do que o esforço para, na visão do futuro chanceler, agradar o salvador do ocidente cristão Donald Trump, mais do que tudo isso, o que pesou mesmo para a expulsão dos médicos cubanos não teria sido a cor da pele deles?

Quase todos pretos!

E onde se viu, que ousadia é essa de preto exibir anel de doutor, ainda mais doutor médico, ainda mais preto comunista? Além do que, a quem esses pretos estrangeiros atendiam aqui na Pátria amada? A outros pretos! Ora, que desperdício!

Na verdade, a expulsão dos médicos cubanos é uma paráfrase da grande meta do bolsonarismo, que é a expulsão do Brasil de todos os estrangeiros indesejáveis. E, no caso, entenda-se por estrangeiro todo brasileiro que se oponha ao novo Governo, às ideias do novo Governo, tanto no plano dos costumes quanto às propostas na área econômica, educacional e de política externa.

A ressurreição de consignas como "Ame-o ou deixe-o", "Pra Frente Brasil", "Ninguém Segura este País", sob a trilha de Dom & Ravel, a mesma trilha usada nas sessões de tortura, talvez queira criar um clima, incentivar manifestações, dar continuidade às mobilizações eleitorais via redes sociais em favor da "purificação" do País, libertando-o dos comunistas, prendendo-os ou expulsando-os.

Um dos filhos do presidente eleito fez até mesmo um cálculo: talvez seja preciso prender e expulsar, como se estrangeiros fossem, uns 100 mil desses brasileiros indesejáveis, para "limpar o Brasil". Na fala desse rapaz o que mais me assustou foi uma referência que ele fez à Indonésia, como exemplo de país que criminaliza as "atividades comunistas". Mas sabe ele à custa de quê, Senador Raupp? À custa da chacina, do massacre de mais de um milhão de indonésios considerados comunistas.

É de arrepiar! Mas esta é a ideia: se você for a favor, bem-vindo ao Brasil de encantos mil, salve a seleção! Se você for oposição, você é um estrangeiro indesejável, passível de punição.

Pois é, nós que defendemos o Brasil contra a pilhagem de suas riquezas, especialmente a pilhagem do petróleo; nós que somos contra a privatização da Petrobras, da Eletrobras; que somos contra a entrega da Base de Alcântara para os Estados Unidos; que somos contra a absorção da Embraer pela Boeing; que nos opomos à doação do nióbio e outros metais preciosos; que discordamos radicalmente da venda de terras para os estrangeiros; que somos contra a privatização da água, das florestas, do ar e do mar territorial; nós que combatemos a desindustrialização do País; que lutamos pela ciência e pela tecnologia nacional; nós somos os indesejáveis, para eles nós somos os estrangeiros.

E quem são os brasileiros? Quem são os brasileiros, Senador Paulo Rocha? Paulo Guedes, Castello Branco, Roberto Campos Neto, Sergio Moro, Onyx Lorenzoni, ou os indicados de Olavo de Carvalho, Ricardo Vélez Rodriguez e Ernesto Araújo? Ou seriam Pedro Guimarães e Rubem Novaes? Esses são os brasileiros?
 
Feito o introito, vamos à missa.

Sras. e Srs. Senadores, brasileiros que nos acompanham pelo sistema de comunicação do Senado, encerra-se no dia 31 de janeiro meu mandato de Senador. Se fizesse uma retrospectiva do que foram esses oito anos, não encontraria nada do que me arrependesse. Cumpri com honra, dedicação e brasilidade o mandato que os paranaenses me deram.

E, caso alguém se desse ao trabalho de compulsar os discursos que fiz nesta Casa, veria neles, de um lado, a insistência sobre o mesmo tema: soberania nacional, construção do Estado nacional brasileiro e, como pressuposto disso, o combate permanente, radical à financeirização da economia, à globalização sob o domínio do capital financeiro ao reino dos bancos, ao império de Mamon. De outro, haveria de constatar a também insistente, radical defesa dos trabalhadores, de seus direitos, de suas conquistas civilizatórias, ao lado da defesa do capital produtivo nacional em oposição ao sibaritas do mercado financeiro, de onde, aliás, procede toda a equipe econômica do próximo Governo.

Um parêntese. Temos à vista uma frente inusitada, um bando de especuladores e de agiotas, ultraliberais entreguistas e traidores da Pátria, ombro a ombro com as Forças Armadas. Eu até poderia estender a adesão da teologia da prosperidade de Edir Macedo, de R.R. Soares, de Malafaia, de Valdemiro Santiago, do impagável Agenor Duque e outros ao neoliberalismo, afinal essas igrejas não seriam nada sem o jogo do mercado, das ilusões capitalistas, sem os negócios dos milagres, mas as Forças Armadas... Aí não entendo mesmo. Fecho o parêntese.

O tempo todo, dizia, enquanto esta Casa fartava-se de assuntos absolutamente secundários, de demandas corporativas, da cassação de direitos dos trabalhadores, da redução de direitos sociais, da entrega do petróleo, da renúncia à soberania ou de arremedos de reforma política, ocupei-me daquilo que, para mim, deveria ser a essência de nossos mandatos: um projeto para o Brasil, os fundamentos básicos para a construção do Brasil-Nação, a contraposição entre Brasil, um país para os seus, e Brasil, um mercado para os outros.

Nesses oito anos, foi a minha obsessão, na verdade, uma obsessão de toda uma vida. Inúmeras vezes, desta tribuna, da Comissão de Economia, em seminários e debates onde quer que fosse, aqui ou lá fora, foi o meu canto de uma nota só: um projeto de desenvolvimento nacionalista, democrático e popular. Não se tratava de uma pregação sectária, fundamentalista. Tratava-se, isso, sim, de ter os olhos e a mente abertos...

Tratava-se, isso sim, de ter os olhos e a mente abertos para a realidade das coisas. Tratava-se de não se deixar cegar pela religiosidade, pelo dogmatismo, pelo preconceito ideológico dos liberais. Esta é a verdade: não existe nada mais ultramontano, primitivo, tosco que o neoliberalismo, ainda mais na sua leitura brasileira, que consegue reunir em um só embornal banqueiros, o alto escalão das Forças Armadas, os setores atrasados no agronegócio, representados pela ressurrecta UDR, os cruzados da luta contra a corrupção, os evangélicos da teoria da prosperidade, os barões da mídia, os moralistas, tipo Alexandre Frota e Pastor Feliciano.

Já pensaram, reunidos sob o mesmo teto Paulo Guedes, Gen. Heleno, Edir Macedo, Olavo de Carvalho, Sergio Moro, Joice Hasselmann, Kim Kataguiri, a Família Buscapé, os Setúbals, os Moreiras Sales, os Trabucos? Vão viver sob o mesmo teto até que a casa caia.

O que teremos, como tudo indica, é um governo para o mercado, ao invés de um governo apesar do mercado. E governo para mercado significa necessariamente um governo antinacional, antidemocrático, antipovo e, por isso mesmo, um governo corrupto, já que a alma, a essência do neoliberalismo é venal, degenerada, ímproba.

Não sabia disso, Juiz Moro? Não sabia até agora?

Afinal, não há ética, não há moralidade, não há cristianismo, não há espiritismo, não há judaísmo, não há islamismo, não há budismo – tomando a essência, a medula, a substância dos ensinamentos dessas religiões – em um regime que não coloque o homem em sua integralidade, no centro de suas ações.

Basta ver o que o Paulo Guedes, cuja ignorância sobre as instituições públicas é alarmante e embaraçosa, andou dizendo sobre a necessidade de sepultar de vez as heranças da social-democracia brasileira. Deus meu! Quando houve um regime social-democrata no Brasil, tomando como paradigma a social-democracia europeia? Nunca, Senador Cristovam. Ou o keinesianismo praticado por Roosevelt, nos Estados Unidos, nos anos 30, 40? Nunca. O que tivemos sob Getúlio, Juscelino, Goulart, Sarney, Itamar e, principalmente, sob os governos do PT, o que tivemos foram algumas concessões, algumas velas acesas ao povo, enquanto queimavam-se tochas em adoração a Mamon. Social-democracia no Brasil quando? Até as migalhas distribuídas incomodam essa gente tenebrosa e desumana. É aterradora a inconformidade dessa gente com a abolição da escravatura.

Daí que, ainda mais uma vez, manifesto a minha estupefação por ver as Forças Armadas metidas nessa cumbuca. É um envolvimento perigoso.

E não me venham com esta conversa mole de que são alguns militares da reserva que farão parte do chamado núcleo duro do próximo Governo e não a instituição. Balela! É a instituição, toda ela, contaminada pela política. A política invadiu os quartéis. Ou o General Villas Bôas vai dizer, como Sergio Moro, que os militares, no Governo, são técnicos?

Já que não há como o próximo Governo dar certo, pois não há como o ultraliberalismo triunfar sobre a sociedade brasileira a não ser reprimindo-a, massacrando-a, calando-a, as Forças Armadas sairão, outra vez, chamuscadas da aventura. E não adianta desviar a atenção a perseguir fantasmas de 83 anos atrás. Não vai dar certo!

Se neste, que talvez possa ser o meu último pronunciamento, Senador Ataídes – por isso, insisto com a tolerância do tempo –, reservei tanto espaço para as idas e vindas das Forças Armadas, é porque meus sentimentos patrióticos, nacionalistas, desenvolvimentistas sempre fizeram polifonia, justaposição com a tradição de patriotismo, nacionalismo e desenvolvimentismo...

Em nome dessa tradição e como ex-aluno do antigo CPOR, faço mais uma pergunta aos militares: o que eles acham das declarações dos ministros que Bolsonaro indicou para as Relações Exteriores, Agricultura e Economia sobre América Latina, Cuba, África e China, espelhando, por exemplo, essas declarações na política externa de Orlando Geisel?

Os escalões superiores das Forças Armadas, tão envolvidos com o próximo Governo e tão apressados em também amaldiçoar a chamada herança petista, mostram-se ignorantes, indoutos sobre as raízes de nossa política exterior: foi sob Geisel que o Brasil reatou com Cuba e China; foi sob Geisel que o Brasil começou a sua aproximação e cooperação com a África; foi sob Geisel que reconhecemos Angola, Moçambique, Guiné-Bissau, Cabo Verde, São Tomé e Príncipe, ex-colônias portuguesas; foi Geisel que deu uma banana para os Estados Unidos e firmou o acordo nuclear com a Alemanha; foi ainda sob o regime dos generais que o Brasil se aproximou dos países árabes e passou a ter uma política independente nos conflitos do Oriente Médio. E jamais ocorreria a Geisel ou a qualquer outro dos Presidentes militares bater continência a um tipo como John Bolton. Embaixada do Brasil em Jerusalém? Nem pensar!

Como se vê, sequer no fogo ardente, Senador Ataídes, da guerra fria, o Brasil submeteu-se a um alinhamento automático com os Estados Unidos – sequer naquele momento terrível da guerra fria.

Os senhores militares esqueceram-se disso tudo? Não se lembram mais de que, para realizar os nossos objetivos nacionais permanentes, para isso, é essencial que sejamos um País soberano, dono do seu próprio nariz, que não se envolva nessa ideologização estúpida, atrasada, provinciana em que Guedes, Araújo e Vélez Rodriguez querem nos meter?

Militares, aprendam com Geisel, se não querem dar o braço a torcer para os críticos do novo Governo!

Ora, terceiro-mundismo é a vovozinha de quem disse!

E, por falar em objetivos nacionais permanentes, gostaria de lembrá-los – aos que já esqueceram –, Senadores que estão à Mesa: democracia, paz social, desenvolvimento, soberania, integração nacional e integridade do patrimônio nacional. Pergunto eu: o que esses arrivistas – tipo Paulo Guedes, Joaquim Levy, Roberto Campos Neto, Rubem Novaes, Pedro Guimarães, Carlos von Dollinger e Ernesto Araújo – têm a ver com objetivos nacionais permanentes? Senhores das Forças Armadas, a vocês eu me dirijo.

Talvez para relembrar minha trajetória nesta Casa nesses oito anos, eu tenha feito, Senador Ataídes, uma digressão longa demais. É que pretendia refletir, espelhar as posições de toda uma vida nos tormentosos dias que se aproximam, mas não me vejam como pessimista ou cético. Ninguém tem o direito de ser pessimista no Brasil, não com um povo como o nosso que, há mais de 500 anos, suporta as consequências que ter uma elite predadora, inculta, trapaceira, corrupta e venal lhe ocasiona, mas que segue em frente.

Daqui a algumas semanas, encerra-se o meu mandato de Senador. Não me recolho à vida privada, não tenho também esse direito.

Enquanto respirar, viverei pelo Brasil, fiel, intransigentemente fiel, à utopia que me embala desde a meninice: o sonho de um País soberano, desenvolvido e bom para todos.

Brasileiros, contem sempre comigo enquanto eu viver. (Palmas.)

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