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Luis Nassif

É hora de aprimorar a regulamentação do mercado financeiro

Agenda propõe criar barreiras claras entre agentes fiduciários e corretores comissionados, visando mitigar a venda de produtos tóxicos.

Publicado em 28/11/2025
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1. Sistema financeiro brasileiro cria arquitetura de exploração via crédito consignado, com remuneração por volume e flexibilização regulatória.

2. Resoluções CVM 178 e 179 melhoram transparência, mas mantêm conflitos de interesse. Países avançados adotam medidas mais rigorosas.

3. Recomendações incluem inversão do ônus em KYC, AIR obrigatória e transparência em tempo real para combater fraudes e conflitos de interesse.

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Por outro lado, um sistema de remuneração aos consultores que privilegia a venda de produtos de difícil colocação, colocando os interesses das instituições – e dos consultores – acima dos interesses dos investidores.

Em cima dessas falhas, fiz uma pesquisa ampla na legislação internacional utilizando ferramentas de Inteligência Artificial.

Vamos às principais conclusões.

SÍNTESE EXECUTIVA

O Problema em 3 Parágrafos

O sistema financeiro brasileiro criou uma arquitetura de exploração sistemática de beneficiários sociais através do crédito consignado, facilitada por três pilares:

(1) modelo de remuneração que transforma consultores em vendedores pagos por volume, não por qualidade;

(2) flexibilização regulatória (KYC simplificado) que, embora promova inclusão, facilitou fraudes industrializadas com contas laranjas movimentando bilhões;

3) omissões regulatórias deliberadas, como a dispensa de Análise de Impacto Regulatório pelo Banco Central, blindando mudanças do escrutínio democrático.

As Resoluções CVM 178 e 179 representam avanço em transparência, mas preservam o problema fundamental: conflitos de interesse estruturais. Consultores podem divulgar suas comissões, mas continuam ganhando mais vendendo o produto X do que Y. Internacionalmente, jurisdições avançadas foram além: Austrália impõe dever fiduciário obrigatório desde 2013 com risco de prisão; Reino Unido eliminou comissões sobre investimentos; EUA distingue claramente entre fiduciários (RIAs) e vendedores (brokers). O Brasil caminha na direção oposta, flexibilizando controles.

A resistência institucional se manifesta em omissões calculadas: bancos driblam AIR classificando normas como “consolidatórias”; executivos pagam multas de centenas de milhares para arquivar processos sobre centenas de milhões em irregularidades; e punições criminais permanecem raras apesar de prejuízos de R$ 2,5 bilhões só em 2022. A mudança de paradigma proposta — tratar vulnerabilidade financeira como questão de proteção social, não “liberdade econômica” — confronta décadas de captura regulatória.

Recomendações Prioritárias

Imediatas (0-6 meses)

  1. Inversão do Ônus em KYC: Banco Central regulamentar que instituições devem provar eficácia de controles antifraude, não apenas apresentar documentação. KYC é a sigla de Know Your Customer — Conheça Seu Cliente. É um conjunto de procedimentos obrigatórios que bancos, fintechs, corretoras, seguradoras, casas de câmbio, plataformas de investimentos e cripto usam para:
  2. 2. Identificar, verificar e monitorar quem está usando seus serviços, para prevenir fraudes, lavagem de dinheiro e financiamento ilícito.
  3. AIR Obrigatória: Eliminar exceções; toda norma com impacto econômico significativo deve passar por AIR com consulta pública
  4. 4. Transparência em Tempo Real: Substituir extratos trimestrais (CVM 179) por notificações em tempo real de comissões sobre cada operação

Curto Prazo (6-18 meses)

  1. 5 Separação Estrutural: Criar categoria regulatória distinta:
    • Consultores Fiduciários: Remuneração exclusivamente por fee, dever fiduciário pleno
    • Vendedores: Podem receber comissões, mas sem usar título “consultor”
  2. 6 Responsabilização Pessoal: Alteração legislativa para permitir responsabilização criminal de executivos em fraudes sistêmicas (modelo australiano)
  3. 7 Revisão do KYC Simplificado: Manter inclusão, mas com controles reforçados:
    • Limite de movimentação nos primeiros 90 dias
    • Biometria facial obrigatória
    • Análise comportamental por IA desde primeira transação

Médio Prazo (18-36 meses)

  1. 8  Reforma do Consignado: Limitar percentual da margem consignável e proibir empréstimos sobre benefícios assistenciais (BPC)
  2. 9  Registro Nacional de Fraudes: Criar base unificada de contas e CPFs envolvidos em fraudes, acessível a todas instituições
  3. 10 Educação Financeira Obrigatória: Programa nacional específico para beneficiários sociais antes de acesso a crédito

Indicadores de Sucesso

Indicadores de Resultado:

  • Redução de 50% em contas laranjas identificadas (prazo: 24 meses)
  • Aumento de 30% na recuperação de valores fraudados (prazo: 18 meses)
  • Redução de 40% no endividamento de beneficiários sociais (prazo: 36 meses)

Indicadores de Processo:

  • 100% das normas regulatórias com AIR publicada (prazo: 12 meses)
  • Pelo menos 3 casos de responsabilização criminal de executivos (prazo: 24 meses)
  • 1.000+ consultores certificados como fiduciários (prazo: 18 meses)

Riscos e Resistências Esperadas

Resistência do Setor Financeiro:

  • Argumento: “Aumenta custos, reduz competitividade”
  • Contraposição: Custos sociais atuais (R$ 2,5 bi/ano em fraudes) excedem custos de conformidade

Resistência Ideológica:

  • Argumento: “Paternalismo estatal, limita liberdade econômica”
  • Contraposição: Não há liberdade sem simetria informacional; vulneráveis não escolhem livremente

Risco de Exclusão:

  • Controles mais rígidos podem reduzir inclusão financeira
  • Mitigação: Manter KYC simplificado com salvaguardas, não eliminar

Captura Regulatória:

  • Histórico de flexibilizações sugere influência do setor sobre reguladores
  • Mitigação: Transparência radical, participação social, AIR obrigatória

Conclusão: Mudança de Paradigma Necessária

O atual modelo trata vulnerabilidade financeira como oportunidade de mercado. O paradigma proposto a trata como questão de integridade sistêmica e direitos humanos. Isso não significa eliminar mercado, mas redefinir seus limites:

  • De: “Tudo é permitido se divulgado”
  • Para: “Conflitos estruturais devem ser eliminados, não gerenciados”
  • De: “Punições pecuniárias para instituições”
  • Para: “Responsabilização pessoal para executivos”
  • De: “Regulação reativa (pós-crise)”
  • Para: “Regulação preventiva (análise de impacto obrigatória)”

A resistência institucional documentada — omissão de AIR, blindagem contra avaliação, seletividade punitiva — demonstra que mudanças incrementais são insuficientes. É necessária ruptura regulatória similar à que ocorreu em outras jurisdições:

  • Austrália: Dever fiduciário obrigatório (2013)
  • Reino Unido: Fim das comissões em investimentos (2012)
  • Europa: MiFID II harmonização (2018)

O Brasil está uma década atrasado nessa agenda. O custo social da inação — medido em endividamento forçado, aposentadorias comprometidas, vidas destruídas — justifica ação urgente e estrutural.

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