A tentativa de se apropriarem de Campos e da Cessão Onerosa
que permite a entrega de até 70% dos campos supergigantes da Cessão Onerosa para as multinacionais de petróleo e gás e facilita a venda de at
que permite a entrega de até 70% dos campos supergigantes da Cessão Onerosa para as multinacionais de petróleo e gás e facilita a venda de ativos das estatais
A nossa ignorância da história nos torna reféns de interesses escusos aos nacionais.
Preâmbulos
Os anos 70 foram marcados pelas nacionalizações de produção e reservas em importantes países produtores . O primeiro país a nacionalizar o petróleo foi o México em 1938. As nacionalizações já vinham acontecendo nas décadas de 50 (Irã em 1951 sofre golpe promovido por Reino Unido e Estados Unidos em 1953 e reverte-se a nacionalização desta vez dividindo o butim entre britânicos e americanos) e 60 (Iraque em 1961, Burma e Egito em 1962, Argentina em 1963, Indonésia em 1963, e Peru em 1968). Mas nos anos 70 importantes produtores nacionalizaram o petróleo (Líbia em 1970, Iraque em 1972, Venezuela em 1976, Irã renacionaliza em 1979 com a revolução islâmica).
Foi nesta década que ocorreram dois choques do petróleo. O primeiro deles ocorreu em 1973 com o embargo aos aliados de Israel na Guerra do Yom Kippur, Estados Unidos, Holanda e Dinamarca. Até aquele momento, a OPEP criada em 1960 havia sido subestimada pelas multinacionais e seus países. O segundo foi durante a Revolução Islâmica em 1979/1980. Interessante que à época desta segunda crise dos preços coincide com a tentativa de mudança nas regras do contrato de risco. Interessante lembrar também que à época da revolução islâmica quem assistisse às televisões brasileiras não receberia nenhuma informação sobre a origem do desgaste da relação entre os iranianos e os norte-americanos.
Ninguém falava aos brasileiros que os iranianos estavam simplesmente reagindo após viverem subjugados pela tirania do regime do Xá desde o golpe executado por britânicos e americanos em 1953 para reverter a nacionalização do petróleo e gás iranianos em 1951 pelo primeiro-ministro eleito Mohammed Mossadeq. Os EUA eram apresentados como vítima e os Irã como seu carrasco bárbaro.
Com isto, as multinacionais de petróleo e gás estavam pressionadas a encontrarem outras áreas para explorar e produzir. Uma destas novas áreas foi o Mar do Norte cuja descoberta do primeiro campo, Ekofisk , ocorrera na plataforma continental norueguesa em fins de 1969. Em 1971 a americana Phillips Petroleum (atualmente Conoco Phillips) estava produzindo o primeiro óleo de Ekofisk. O governo norueguês quando percebeu o impacto que a indústria de petróleo e gás teria na economia de um país que na ocasião tinha como uma de suas principais atividades econômicas a pesca, tomou medidas para garantir que o povo norueguês fosse beneficiado pela geração da riqueza advinda do petróleo e gás: criou sua companhia estatal de petróleo e gás a Statoil (atualmente Equinor) e estabeleceu uma participação de 50% do Estado em todas as licenças de produção. Os noruegueses estavam sinalizando para as multinacionais que eles ditariam as regras do desenvolvimento daquela poderosa indústria em seu território.
As multinacionais voltaram-se então para a Bacia de Campos recém descoberta na margem leste brasileira.
No Brasil, após Garoupa em 1974 uma sucessão de campos era descoberta na Bacia de Campos despertando a cobiça das multinacionais...
E aqui no Brasil, o que ocorria? Em 1974 tivemos nossa primeira descoberta na Bacia de Campos (BC), Garoupa. Em 1975 três outros campos foram descobertos na BC: Pargo, Namorado e Badejo. Namorado merece destaque pois um relatório (Nehring, 1978 ) feito para a Central de Inteligência Americana (CIA) sobre os campos gigantes descobertos no mundo até 75, apontava-o como o primeiro gigante brasileiro a depender do resultado dos poços de extensão. Ignoravam os espiões norte-americanos que nós tínhamos descoberto nosso primeiro campo gigante já em 1963 com Carmópolis na Bacia de Sergipe e Alagoas no nordeste do país. Uma descoberta resultante da reavaliação das bacias feita em 1961 em resposta ao relatório Link por dois brasileiros Pedro de Moura e Décio Oddone , avô materno do atual Diretora-Geral da ANP, Décio Oddone.
Os contratos de risco foram arrancados em 1975 dos militares pressionados por uma dívida externa onde a participação da importação de petróleo aumentava de forma galopante depois do choque do petróleo. Assim no final de 1975, Geisel aprovou a assinatura dos contratos de risco que começaram a ser assinados em 1976. Em 1975 a participação da importação de petróleo na dívida era sete vezes maior do que em 1972 (Tabela 1).
No Brasil dos anos 70, o milagre econômico já tinha ocorrido e as rodovias ou BRs estavam lotadas de carros fabricados pelas indústrias automobilísticas que haviam se instalado no Brasil na era JK aproveitando a infraestrutura iniciada por Vargas. E o mundo perplexo, havia assistido ao primeiro choque do petróleo da década de 70 em 1973 quando em retaliação ao apoio aos israelenses na Guerra do Yom Kippur, os países produtores reunidos na OPEP mostraram pela primeira vez sua força através de um embargo aos EUA, Países Baixos e Dinamarca. O preço do barril de petróleo quadruplicou. Não houve racionamento no Brasil, mas nos EUA foram históricos aqueles dias com os americanos em filas quilométricas para abastecerem seus carros nos postos de gasolina.
Entre 1976 e 1979 as multinacionais perfuraram vários poços nas outras áreas que lhes couberam, mas tiveram um resultado pífio. Principalmente quando comparadas com a Petrobrás que descobrira Enchova e Bicudo em 1976, iniciara a produção de Enchova em 1977, e descobrira Linguado, Viola e Corvina em 1978. Assim em 1979 talvez se aproveitando de um cenário onde o preço do petróleo tinha mais que dobrado entre abril de 1978 e abril de 1979 , elas conseguiram fazer-se ouvir no Governo do General Figueiredo.
A tentativa de mudar as regras do contrato de risco por meio de um telegrama
No dia 29 de dezembro de 1979, entre os feriados de Natal e Ano Novo, o então ministro das Minas e Energia César Cals, por sinal um militar, enviou um telegrama à direção da Petrobrás onde afirmava falar em nome do general João Figueiredo, o presidente da república à época. No telegrama ele afirmava: que as regras do contrato de risco estavam mudando a partir de então por efeito daquele instrumento; que as multinacionais poderiam escolher as áreas que bem quisessem para desenvolver suas atividades; que estas atividades poderiam doravante incluir a produção de petróleo; e que a Petrobrás deveria entregar os estudos já realizados por seu corpo técnico.
O homem que recebeu o telegrama do outro lado foi o então Diretor de Exploração que havia comandado a ida para o mar, Carlos Walter Marinho Campos. O que se passou então pareceu enredo de filme de ação e suspense e permanece desconhecido da maior parte da população brasileira, inclusive da maior parte do corpo técnico da estatal. Apenas um pequeno grupo de exploracionistas que participaram do aniversário de 50 anos da Exploração da Petrobrás no auditório central do BNDES em 2004 ouviram brevemente parte de um relato em vídeo feito para o programa Memória Petrobrás pelo geólogo Frederico Pereira Laier.
Um Carlos Walter profundamente indignado com a ordem de entregar as áreas que as multinacionais quisessem, incluindo a Bacia de Campos, chamou em sua sala no dia 10 de abril de 1980, uma quinta-feira, o geólogo Francisco Celso Ponte , grande expoente da geologia da Petrobrás com cargo de gerência na Exploração, que era na época também o presidente nacional da Sociedade Brasileira de Geologia (SBG) e sugeriu-lhe que fizesse a denúncia para tentar evitar aquela catástrofe para a Petrobrás. Em um momento em que o chefe “camaradamente” saiu da sala, Celso xerocopiou o telegrama.
No dia seguinte Celso perguntou ao amigo e também geólogo da Petrobrás, Frederico Pereira Laier, se ele teria alguma sugestão sobre quem poderia ser contactado para apresentar a denúncia à sociedade brasileira. Frederico sugeriu então o nome do senador Teotônio Vilela, já então uma liderança política em ascensão no país. Os geólogos conseguiram falar por telefone com o senador Teotônio que convencido da gravidade da denúncia resolveu vir ao Rio no sábado 12 de abril para conversar pessoalmente com os mesmos. No encontro o geólogo Celso fez uma apresentação detalhada ao senador Teotônio sobre o processo exploratório, os levantamentos sísmicos e os estudos de interpretação já realizados por técnicos da Petrobrás que envolviam também estruturas mapeadas em água profunda da Bacia de Campos.
De posse do dossiê organizado pelo geólogo, Teotônio foi para Brasília no domingo 13 de abril. Na segunda feira dia 14 de abril de 1980, Teotônio pediu a palavra no Senado e proferiu vigoroso discurso contra a tentativa de mudança das regras do contrato de risco passando por cima do Congresso, apresentando a denúncia documentada com o próprio telegrama (Figura 1). Em seguida houve um acalorado debate, visto que entre os senadores da república também havia os defensores do contrato de risco, os “entreguistas”. Mas o tom geral entre os senadores era de indignação quanto às mudanças propostas nas regras do contrato de risco.
Figura 1- Reprodução do telegrama enviado pelo então ministro César Cals à direção da Petrobrás em 29 de dezembro de 1979 (Fonte: Diário do Congresso Nacional – 1980 – Livro 3 – Página 888).
A repercussão da denúncia na mídia, nos meios militares e políticos
No dia seguinte, terça-feira 15 de abril de 1980 o discurso de Teotônio e o debate que se seguiu entre os senadores foram registrados no Diário do Congresso Nacional. Uma grande parte da mídia calou-se perante fato de tamanha importância, mas a Tribuna da Imprensa, jornal carioca pertencente ao jornalista Hélio Fernandes deu a manchete na capa do jornal “Villela convoca os militares para conter Cesar Cals”. Nas palavras do próprio Teotônio “as adaptações determinadas pelo ministro, resultantes de entendimentos mantidos com o presidente da República, representam o fim da Petrobrás como empresa de petróleo”.
Figura 2 - Reprodução parcial da capa do jornal Tribuna da Imprensa do jornalista Hélio Fernandes em 15 de Abril de 1980.
O general Antônio Carlos Andrada Serpa veio socorrer à pátria em defesa das riquezas nacionais. Na quarta-feira dia 16 de abril de 1980, a Tribuna publicava outra manchete igualmente contundente: “General diz que é crime entregar o país às multis (multinacionais) ”. Serpa defendeu mudanças na política energética, afirmou que “se não existisse a Petrobrás, estaríamos pagando de 30 a 40 dólares, o barril de petróleo para as Sete Irmãs” e repetiu uma frase que já havia dito publicamente “energia é poder, e a tradição brasileira é conservar em mãos dos nacionais as fontes de poder”.
Além da matéria sobre a posição nacionalista do general, Hélio Fernandes publicara também na capa um editorial intitulado “O álcool como combustível e a força das multinacionais”, onde citava a posição nacionalista de outro general, o general Ernani Ayrosa contrário à participação das multinacionais no pró-álcool.
O Jornal do Brasil de 16 de abril trazia em seu interior a notícia “PTB é contra a mudança no risco” com a reação nacionalista da liderança do partido na Câmara, o deputado Alceu Colares. “A nossa esperança, diz o líder do PTB, “de que esse setor, um dos mais dinâmicos e certamente mais produtivos da economia nacional não seja entregue às multinacionais reside na reação de segmentos da sociedade e nos pronunciamentos de eminentes nacionalistas, de ilustres membros das nossas Forças Armadas”.
O general Antônio Carlos Andrada Serpa foi exonerado por telefone da chefia do Departamento Geral de Pessoal (DGP) do Exército ainda na tarde de quarta-feira. No dia seguinte, a quinta-feira 17 a manchete da Tribuna era “Poder das multinacionais derruba Antrada Serpa ”. Em seu editorial de capa intitulado “Os generais finalmente na luta contra as multis”, Hélio Fernandes destacava: “Antônio Carlos Andrada Serpa – há muito vem se destacando pela clareza, pela firmeza e pela lucidez com que se manifesta a favor do controle das riquezas brasileiras por brasileiros e não por multinacionais.”
Figura 4 - Reprodução parcial da capa da Tribuna da Imprensa do jornalista Hélio Fernandes em 17 de abril de 1980.
Segundo o jornal, o clima no Congresso era de desânimo e apreensão com a saída do general Serpa. A reação do PMDB à exoneração de Serpa foi pontuada na mesma edição do jornal por Ulisses Guimarãoes: “É dever das Forças Armadas a proteção da soberania nacionai, de suas fronteiras físicas e também econômicas...Nós, do PMDB, endossamos a defesa da necessidade da distribuição da riqueza nacional e não penetração das multinacionais no Pro-álcool. Concordamos com a defesa da Petrobrás, que está sofrendo mais um atentado que propriamente, invalida o monopólio estatal”.
Ainda na edição da Tribuna da Imprensa de quinta-feira 17 de abril de 1980, o então presidente da Petrobrás, Shigeaki Ueki confirmava a intenção de entregar as águas profundas da Bacia de Campos às multinacionais estrangeiras: “Áreas que podemos considerar de risco – e assinar os contratos -, são por exemplo, as mais profundas, situadas além de 300 metros de lâmina d’água. Não há exemplo no mundo que se encontrou petróleo além de 300 metros”.
O jornal informava ainda que a Secretaria de Comunicação da Presidência (SECOM) em nota justificava as modificações do contrato de risco com o “agravamento dos preços do petróleo importado”. A nota confirmava que pelas novas regras, as multinacionais desenvolveriam os campos que descobrissem e poderiam ser ressarcidas em dinheiro ou em petróleo, e afirmava que isto não significava a quebra do monopólio do petróleo.
Além da Tribuna, o Jornal do Brasil também publicou sobre o assunto naquela semana. Na edição do dia 17, o JB trouxe duas notícias relacionadas na página 24 do 1º caderno. A primeira intitulada “Ueki diz que Brasil não pretende reduzir compra de petróleo” repetia a já mencionada declaração de que Ueki não via problemas em entregar as águas profundas: “para a exploração além dos 300 metros rasos, onde não temos tecnologia e não existe exemplo de descoberta em nenhuma parte do mundo, podemos aplicar os contratos de risco”. A segunda intitulada “Deputado acusa Governo de querer esvaziar CPI”, detalhava a tentativa do Governo de impedir certos depoimentos à CPI da Petrobrás. O relator da CPI, deputado João Cunha (SP, sem partido) queria ouvir Shigeaki Ueki sobre as novas cláusulas do contrato de risco que ele considerava “crime lesa-pátria e atentado à soberania nacional”.
Na sexta-feira 18 de abril, o Jornal do Brasil publicava na página 17, sessão de Economia, a matéria “Contratantes de risco querem área onde já foi descoberto óleo”, onde o então superintendente de contratos de risco da Petrobrás, Lauro Vieira, confirmava que as multinacionais haviam solicitado “a abertura para exploração, por estas empresas, das Bacias onde a Petrobrás já identificou a presença de óleo, sob o argumento de apressar deste modo as descobertas e aumentar a produção de petróleo no país” .
No sábado 19, em matéria também do JB, um assessor do ministro César Cals confirmava que Ueki não voltaria a depor na CPI como desejavam os congressistas. A batalha entre os entreguistas neste episódio representados dentre outros, por Shigeaki Ueki e César Cals, e os nacionalistas representados pelo general Andrada Serpa, dentre outros militares, e pelos congressistas Teotônio Vilela, Alceu Collares, João Cunha, Ulysses Guimarãoes e muitos outros continuou por algum tempo, mas ao final os brasileiros saíram vencedores e foi preservada a Bacia de Campos para a Petrobrás.
Um susto que passou
Em 1988 ao narrar sua carreira na Petrobrás em uma série de entrevistas ao CPDOC da Fundação Getúlio Vargas, Carlos Walter referiu-se ao episódio da tentativa das multinacionais de abocanharem as áreas da Bacia de Campos :
“Só em uma ocasião eu andei me trancando, porque vieram com umas teorias de trazer o contrato de risco para a bacia de Campos. Aí, vou lhe contar, eu me encostei na parede: "O que é isso? Isso já é demais!" [Risos] E com o revólver na mão para atirar no primeiro que aparecesse. "Isso já é demais."
O que teríamos perdido se a Bacia de Campos tivesse sido entregue às multinacionais em abril de 1980
Graças às reações civil e militar, aquela tentativa fracassou. Mas o que poderia ter nos custado a entrega da Bacia de Campos? Muito! Ainda na primeira metade dos 80 a Petrobrás deu início à sucessão de descobertas de gigantes no pós-sal (Tabela 2) que só parou temporariamente com a descoberta de Roncador, o maior gigante do pós-sal de Campos, em 1996, ano anterior ao da quebra do monopólio por FHC. Estes cinco primeiros gigantes da Bacia de Campos foram Albacora (1984), Marlim (1985), Albacora Leste (1986), Marlim Sul (1987) e Marlim Leste (1987) produziram para o Brasil mais de 5 bilhões de barris.
Tabela 2 - Tabela com os 5 primeiros campos gigantes (campos com volume de óleo equivalente recuperável ou reservas superiores ou iguais a 500 milhões de barris) descobertos no pós-sal da Bacia de Campos.
O petróleo produzido pelos gigantes da Bacia de Campos trouxe a autossuficiência volumétrica em 2006. No dia 21 de abril, dia de Tiradentes nosso herói da independência, Lula inaugurava a P-50 no campo de Albacora Leste com capacidade de produção de 180 mil b/d. Enfim, produziríamos pela primeira vez em volume de petróleo bruto, o volume que consumíamos em derivados de petróleo, e isto em um cenário de aumento dos preços do ouro negro. Na época a Bacia de Campos respondia por 90% da produção nacional. Até 2010 quando inicia a produção definitiva do Pré-Sal de Lula, os campos da BC reinavam. Vale recordar que a produção do primeiro óleo no Pré-Sal foi no Campo de Jubarte em 2008. Na ocasião o diretor Guilherme Estrella declarou ao jornal O Globo: “O início da produção efetiva do primeiro óleo do pré-sal é um novo marco na história da indústria do petróleo no Brasil e no exterior. Ele é um poço importantíssimo para nós na medida em que possibilitará a coleta de dados que vai ser complementada no ano que vem com entrada em produção do primeiro poço de Tupi, que será responsável pelo Teste de Longa Duração (TLD)”.
A importância do Controle da Produção e Reservas –
O exemplo Norueguês, país capitalista e rico onde a indústria de petróleo e gás tem como característica a forte presença estatal
A rápida expansão da produção norueguesa nos anos 80 foi um dos fatores que levou aos baixos preços do início dos anos 90 conforme mostram Höök & Aleklett (2008) em um artigo intitulado “Um estudo da taxa de declínio da produção de petróleo norueguesa” .
Um exame das receitas geradas pela indústria de petróleo e gás para a Coroa Norueguesa (Figura 5) e distribuídas para a sociedade norueguesa mostra que:
• As receitas são constituídas por 5 fontes: impostos, impostos ambientais, fluxo de caixa líquido do State’s Direct Financial Interest (SDFI) in the petroleum industry, royalties e outras taxas, dividendos da Equinor (antiga Statoil, estatal de petróleo e gás norueguesa criada em 1972).
• O SDFI criado em 1985 pode ser traduzido como Participação Direta Financeira do Estado. O estado é dono de percentuais nas licenças de produção, arcando com os investimentos na proporção de seus percentuais.
• As menores parcelas são representadas pelos royalties, cuja importância foi sendo reduzida ao longo do tempo, os impostos ambientais e os dividendos da Equinor, enquanto as maiores parcelas são constituídas pelo fluxo de caixa do SDFI e pelos impostos sobre a produção de petróleo e gás. Importante salientar que quem vende o petróleo e gás do Estado é a Equinor. A Petoro, uma empresa 100% estatal administra a participação do Estado nos campos de petróleo e gás.
• O montante aumentou muito a partir de 2000, isto reflete um aumento do preço do barril de petróleo.
Figura 5 - Receitas da Coroa Norueguesa geradas pela Indústria do Petróleo e Gás (sem incluir serviços...)
Assim quando o diretor geral da ANP, Décio Oddone fala que é preciso voltar ao regime de concessão isto demonstra um grau de desconhecimento sobre a otimização de recursos gerados pela indústria do petróleo e gás para a sociedade do modelo norueguês com forte presença estatal (SDFI, impostos, Equinor, Petoro).
A cobiça estrangeira sobre o pré-sal tem paralelo com a tentativa de mudança das regras dos contratos de risco em 1979/1980 promovida pelas multinacionais para se apoderarem das águas profundas da Bacia de Campos
Ao longo destas quatro décadas que separam a tentativa fracassada das multinacionais de se apossarem da Bacia de Campos e a tentativa bem sucedida até o momento das mesmas multinacionais de se apossarem do pré-sal das bacias de Santos e Campos foram marcadas pelo declínio das descobertas mundiais de campos supergigantes e gigantes de petróleo.
Na contra-mão desta tendência, as descobertas da província do pré-sal foram ainda mais formidáveis do que as do pós-sal da Bacia de Campos. Em Santos tivemos nosso primeiro supergigante com Tupi que deu origem a Lula, hoje o maior produtor nacional, produzindo cerca de 800 mil b/d. O segundo supergigante descoberto em 2010 foi Franco, que deu origem a Búzios, o maior supergigante do pré-sal e o principal alvo da cobiça pela Cessão Onerosa e seu excedente. Afinal além dos 3,056 bilhões de barris contratados pela Cessão Onerosa, Búzios sozinho tem um excedente calculado em 2014 pela ANP como variando entre 6,5 e 10 bilhões de barris de petróleo. O terceiro e até o momento último supergigante foi o complexo de oito campos nos quais foram divididas as três jazidas que ocupavam as antigas áreas de Iara sob Concessão e Entorno de Iara sob a Cessão Onerosa, que quando da declaração de comercialidade conjunta em dezembro de 2014 tiveram um volume de óleo equivalente recuperável pela Petrobrás superior a 5 bilhões de barris. Recentemente em uma destas áreas, Sururu, foi perfurado um poço que encontrou a maior de coluna de petróleo do pré-sal de Santos até o presente momento com uma altura de 530m . Para se ter uma idéia da magnitude desta coluna de petróleo podemos compará-la com a altura do Irmão Maior do Morro Dois Irmãos na zona sul do Rio de Janeiro (altitude de 539 m). Além dos supergigantes, a Cessão Onerosa tem ainda os campos gigantes de Sépia e Itapu, ambos com expressivos excedentes de petróleo que são da ordem de centenas de milhões de barris!! É também pelo excedente que equivale de duas a três vezes o volume contratado na Cessão Onerosa, que as multinacionais cobiçam a Cessão Onerosa . Na lei e no contrato estas áreas são intransferíveis. Como em cada campo não há separação física entre os volumes contratado e excedente, só metendo a mão na Cessão Onerosa para ter seu excedente.
A tentativa de tomar a Bacia de Campos da Petrobrás é análoga à esta tentativa que vem tendo sucesso de nos tomar o pré-sal. A desnacionalização do pré-sal teve início com o fim da operação exclusiva da Petrobrás e continuidade com a realização de 4 Rodadas da Partilha consecutivas entre 2017 e 2018. Nas áreas leiloadas, as multinacionais terão que gastar vultosos recursos (bilhões de dólares!!). E a Petrobrás com a excelência que caracteriza seu corpo técnico desde sua fundação em 1953 fez o seu trabalho brilhantemente e adquiriu as melhores áreas nas 3ª (Peroba) e 4ª (Uirapuru, Dois Irmãos e Três Marias) rodadas.
Nas áreas leiloadas há a possibilidade de se encontrar campos de petróleo, mas os volumes in situ calculados pela ANP são menores do que os volumes in situ dos campos sob Concessão e Cessão Onerosa que já existem. Fica fácil entender a proposição do projeto do deputado aleluia que será posto em votação hoje no Senado, o PLC 78/2018 finalizando a entrega através da permissão para a venda de até 70% dos campos da Cessão Onerosa e facilitando a venda de ativos das estatais. A apresentação Cessão Onerosa, O que é? Quanto vale? mostra a grandiosidade dos nossos campos “gigantes pela própria natureza” geológica.
O projeto já aprovado pela câmara não deve passar no Senado. Que esta casa relembre os dias em que defendeu a Bacia de Campos para o Brasil e compreenda o crime lesa-pátria que é entregar os melhores campos do pré-sal para as multinacionais estrangeiras. Que dentre os militares também se manifeste o verdadeiro nacionalismo que é aquele que não vende e nem entrega nossas riquezas!
https://en.wikipedia.org/wiki/Nationalization_of_oil_supplies
https://www.norskpetroleum.no/en/framework/norways-petroleum-history/
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http://memoria.petrobras.com.br/
http://www.unesp.br/aci/jornal/194/geologia.php
Tribuna da Imprensa, edição nº 09341, em
http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=154083_04&PagFis=1129
Tribuna da Imprensa, edição nº 09342, em
http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=154083_04&PagFis=1133
Matéria publicada na página 17 do Jornal do Brasil de 18 de abril de 1980 disponível em https://news.google.com/newspapers?nid=0qX8s2k1IRwC&dat=19800418&printsec=frontpage&hl=pt-BR
Trecho reproduzido encontra-se na página 189 do documento CAMPOS, Carlos Walter Marinho. Carlos Walter Marinho Campos (depoimento; 1988). Rio de Janeiro, CPDOC/FGVSERCOM/Petrobrás, 1988. 198 p. dat.("projeto Memória da Petrobrás") em http://www.fgv.br/cpdoc/historal/arq/Entrevista67.pdf
https://noticias.uol.com.br/ultnot/2006/04/21/ult1767u65550.jhtm
http://www.diva-portal.org/smash/get/diva2:211401/FULLTEXT01.pdf
https://www.norskpetroleum.no/en/economy/governments-revenues/
https://www.norskpetroleum.no/en/economy/governments-revenues/
https://www.valor.com.br/opiniao/5987971/nova-velha-agenda-do-setor-de-petroleo-e-gas-natural
https://br.reuters.com/article/businessNews/idBRKBN1KO2LI-OBRBS
http://www.educacaopublica.rj.gov.br/oficinas/geologia/hidrografia_rj/06.html
https://www.conversaafiada.com.br/economia/petrobras-bolsonaro-e-temer-vao-destruir-a-cessão-onerosa
https://drive.google.com/file/d/1T7ouDCMPnEW14eKBp70IxNZ7HCNk8oJU/view
Referências Bibliográficas:
BUENO, Ricardo. A Farsa do petróleo: por que querem destruir a Petrobrás. 1ª Edição. Petrópolis: Editora Vozes, 1980. ISBN: 85-3261-222-9.
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