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Thierry Meyssan

Propaganda ocidental contra a Turquia

O problema não é, de modo nenhum, o dos confrontos com o Exército russo em Idleb, nem a sorte das famílias dos jihadistas, Ele é muito mais

Publicado em 10/03/2020
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O problema não é, de modo nenhum, o dos confrontos com o Exército russo em Idleb, nem a sorte das famílias dos jihadistas, Ele é muito mais grave. O mundo é cruel. Não é fingindo não ver que se poderá ir em socorro das populações ameaçadas.

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“Pelo menos 33 soldados turcos foram mortos, quinta-feira 27 de Fevereiro, em Idlib, no Noroeste da Síria, pelas forças de Bashar al-Assad, apoiadas pela aviação russa
- Em represália Ancara bombardeou posições sírias e ameaça os Europeus de permitir um afluxo de refugiados em direcção ao Ocidente
- Cerca de 900. 000 pessoas, das quais 80 % de mulheres e crianças, fugiram dos combates na região de Idleb desde Dezembro de 2019”.
Segundo a imprensa ocidental, sobe o tom entre as forças turcas e russas levando a temer uma «perigosa escalada em torno de Idleb». A maneira como ela trata este assunto está em total contradição com aquilo que, a propósito, dizem os atores. Esta contradição é para nós a ocasião de expor o nosso método de análise. Para nos fazermos compreender, tomamos o exemplo do «quotidiano francês de referência» (sic), Le Monde.

O ponto de vista franco-alemão
Na sua edição datada de 29 de Fevereiro de 2020, o Le Monde coloca em destaque três pontos :
- «os soldados de Bashar al-Assad» apoiados pela aviação russa mataram 33 soldados turcos ;
- «em represália», Ancara bombardeou posições sírias e ameaça os Europeus ;
- nos últimos três meses, 900. 000 pessoas fugiram dos combates.

No seu editorial, o quotidiano destaca uma coluna de opinião de 14 ministros dos Negócios Estrangeiros (Relações Exteriores-br) europeus, entre os quais o Francês e o Alemão, pedindo «ao governo sírio e aos seus aliados, russo e iraniano, para por fim à sua ofensiva e regressar aos termos do acordo de cessar-fogo de 2018, concluído em Sochi».

Uma operação de desinformação
Aqui impõem-se várias notas prévias : – Os soldados sírios não são de Bashar al-Assad, mas da República Árabe da Síria. O Presidente al-Assad é, claro, o seu Comandante-em-chefe, não em seu nome pessoal, mas como Presidente eleito democraticamente por uma esmagadora maioria dos seus concidadãos. Não passaria pela mente de algum jornalista falar do Exército francês como «o Exército de Emmanuel Macron».
- Os 33 soldados turcos que foram mortos não estão na origem da crise. Essa começou, em 1 de Fevereiro, com o assassinato numa emboscada turca de quatro oficiais russos do FSB em Alepo; um acontecimento ao qual o diário jamais fez qualquer referência, mas que fez as manchetes da imprensa russa. Desde então, a Turquia multiplica as provocações face à Rússia
- O número de 900.000 pessoas que teriam fugido dos combates é puramente fantasioso.

Desde o início da guerra contra a Síria (a meio de 2012, após a desestabilização da «Primavera Árabe»), a imprensa ocidental divulgou números assustadores que foram desmentidos pelos factos. Assim, durante a crise da Ghuta ela afirmava, com descaro, que o número de pessoas presas no enclave era 10 vezes superior ao número que havia saído aquando da rendição dos jiadistas. Na realidade, não é possível num país em guerra compilar estatísticas. Estas só podem ser estabelecidas uma vez regressada a paz. Ninguém é capaz, hoje em dia, de quantificar a população presente na província de Idleb.

Como se essa propaganda não bastasse, o editorial destaca uma coluna de opinião de ministros europeus [1]. A primeira observação é que eles são apenas 14 signatários e não 27. Deles, 13 recusaram-se a esta associação. Além disso, a maioria dos signatários, descontentes por terem sido forçados a isso, abstiveram-se de a mandar traduzir para a sua língua e publicá-la no seu país.

Estes ministros pedem à Síria, à Rússia e ao Irão para por fim à sua ofensiva. Em primeiro lugar, o Irão não participa nesses combates, no entanto estes ministros dirigem-se-lhe e atribuem-lhe uma responsabilidade. Em segundo lugar, estes ministros instam a Síria a não libertar o seu território dos jihadistas estrangeiros que, precisamente, eles Europeus apoiavam militarmente até há pouco tempo ainda, sob a denominação de «islamitas moderados». Finalmente, estes ministros fazem referência ao cessar-fogo de Sochi, o qual nunca foi aplicado pela Turquia. Com efeito, ele previa que ela separasse a «oposição síria» dos jihadistas, a fim de que se pudesse proteger os primeiros e combater os segundos. Mas aqui, como em outros lugares, não parece haver nenhuma «oposição síria», apenas jihadistas.

O resto do editorial é uma tomada de posição que permite compreender melhor o pensamento simplista do jornal. Fala-se aí da «determinação das democracias ocidentais, [dos] seus valores e [da] sua capacidade para traduzir as suas ambições em atos militares»; dos Estados Unidos que «lavaram as mãos do problema sírio»; e da paralisia do Conselho de Segurança onde «a Rússia, muitas vezes com o apoio da China», opõe «sistematicamente» o seu veto. Quer dizer : nós os Europeus somos Santos, os Estados Unidos são uns Pôncio Pilatos, a Rússia e a China são o Mal.

De passagem, o Le Monde acusa a Turquia de ameaçar «não reter mais os refugiados da Síria, dos quais abriga já 3,5 milhões», o que é falso. A Turquia ameaçou não mais reter os seus refugiados, incluindo não só os Sírios, mas também as 800.000 pessoas que fugiram da destruição do Afeganistão e do Iraque pelos Ocidentais.

Por fim o editorial termina com um pedido de desculpas pela posição francesa, a qual «começa finalmente a denunciar com todos os nomes o comportamento das forças russas, (…) culpadas de repetidos crimes de guerra, cobrindo igualmente com as suas mentiras o do Exército sírio». As populações que gramaram com os jihadistas, antropófagos «moderados» (sic) e outros cortadores de cabeças, durante oito anos, apreciariam.

A metodologia
O jornalismo não consiste em dizer o que se vê (deste ponto de vista, quase tudo o que relata aqui o Le Monde é exato, salvo os números e as responsabilidades), mas em torná-lo compreensível ao público. O que é exatamente o contrário do que faz a redação do «quotidiano francês de referência» (re-sic). Desde há décadas, este jornal —à imagem da classe dirigente que serve— mascara deliberadamente informações essenciais aos seus leitores e manipula os outros.

É impossível compreender seja o que for sem estudar previamente, e continuar a analisar, o contexto regional dos acontecimentos e da história de cada interveniente. Como em todas as ciências, deve constantemente por-se em questão o que se crê ter percebido e voltar atrás para corrigir os erros. Por fim, daqui decorre naturalmente que durante este trabalho é preciso uma abstração das simpatias por um ou outro dos protagonistas.

O que o Le Monde esconde aos seus leitores
Passemos por cima de duas décadas de incompetência ou de má fé: desde os atentados do 11 de Setembro de 2001, os Estados Unidos conduzem uma «guerra sem fim», segundo os termos do Presidente Bush, não contra inimigos, mas contra um método de combate, o terrorismo. No Afeganistão (2001), no Iraque (2003), na Líbia (2011), na Síria (2012), no Iémene (2015), tinham excelentes razões para enviar dinheiro, armas, mercenários e, às vezes, soldados, para derrubar forças que descreviam como ilegítimas. No entanto, todos podem constatar que longe de desaparecer, o terrorismo não cessa de se amplificar e que por todo o lado onde derrubaram um adversário, a situação só piorou.

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O mapa da “remodelagem” do Médio-Oriente estabelecido pelo Pentágono em 2001, mas apenas publicado pelo Coronel Peters em 2006.

Após a publicação do mapa de «remodelação do Médio-Oriente» estabelecido pelo Pentágono, todos os Estados da região (salvo Israel e a Jordânia, que não são visados) sabem que o seu melhor aliado os deseja dissecar vivos. A Turquia, membro da OTAN, não é excepção a isto.

Desde a sua criação, a Turquia dispõe de uma administração poderosa e eficaz herdada do Império Otomano. A sua população é originária das hordas mongóis que invadiram a região, e o seu fundador, Mustafa Kemal, foi um chefe de guerra vitorioso, de tal modo que o Exército dispõe ainda hoje em dia de um prestígio e de um poder superiores ao dos civis. É por isso que a totalidade de reviravoltas da política externa da Turquia, depois que ela soube dos planos dos EUA, visa proteger o país da voracidade do seu melhor aliado [2].

O Estado-Maior turco está hoje persuadido —sem razão ou com ela, não é a questão— que, depois ter destruído a Síria, o Pentágono vai atirar-se à sua pátria, a Turquia. No meio da urgência, do pânico e do desespero, concebeu uma resposta consistindo em ameaçar todos os seus aliados da OTAN com uma catástrofe iminente se eles permitissem a destruição da Turquia e em oferecer-lhe um outro campo de batalha, o mais longe possível, na Líbia [3].

A Turquia não sabe quem é. Ela não aceita as suas fronteiras (o juramento nacional de Atatürk) e a sua história (nega ter cometido o genocídio de não-muçulmanos), mas não quer morrer. Atormentada, ela chora, grita, uiva como uma criança encurralada.

Os ataques deliberados contra a Rússia (assassinato de oficiais do FSB em 1 de Fevereiro, encontro com o chefe da milícia Tártara, encontro com os partidários banderistas anti-Russos na Ucrânia, confrontos com o Exército russo em Idleb, disparos contra aviões de reconhecimento russo, ataque de drones contra a base de Hmeimim, interpelação de jornalistas da agência de notícias russa na Turquia) não são dirigidos contra Moscovo (Moscou-br) [4]. São apenas maneiras de ameaçar os Estados Unidos com o pior cataclismo imaginável: uma Terceira Guerra Mundial, se eles não recuarem.

As ameaças de lançar colunas de refugiados sobre as estradas da União Europeia não visam desestabilizar a UE. São pedidos de ajuda: em caso de destruição da Turquia, estes fluxos de migrantes serão inevitáveis; tratai, portanto, de agir antes que seja tarde demais!

Se o Presidente Erdoğan quisesse entrar em guerra contra a Rússia, não teria tomado a iniciativa de telefonar ao Presidente Putin nos dias 4, 12, 21 e 28 de Fevereiro e não tentaria o possível e impossível para se encontrar com ele.

O mesmo Presidente Erdoğan, que não é um militar, mas um simples civil saído de uma milícia islamista, não disse outra coisa que não confirmasse a nossa análise, de 29 de Fevereiro de 2020, aos deputados que reunira no Palácio de Dolmabahçe. (a antiga residência do sultão): _ “O alvo real do cenário com que somos confrontados não é a Síria, mas, sim a Turquia. Aqueles que obtenham o que querem na Síria voltarão de imediato o seu olhar para a Turquia. Pior do que ser imprudente é pensar que aqueles que efetivamente dividiram a Síria em três partes respeitarão a integridade territorial da Turquia”.

Claro, não será o Le Monde, que não parou de apoiar as ambições coloniais de uma certa elite francesa e de fazer crer numa revolução na Síria, quem reescreverá esta denuncia direta da estratégia dos EUA.

As escolhas do Ocidente
Sem contrariar a redação do Le Monde, aqui a questão não é, de forma nenhuma, a «escalada em torno de Idleb», essa pode parar instantaneamente, mas saber se os Estados membros da Otan vão deixar destruir a Turquia ou não.

É hora de parar de choramingar sobre os azares das famílias dos jihadistas e assumir as suas responsabilidade antes que um novo país seja desfeito.

Thierry Meyssan
Tradução
Alva

Fonte: Orientemidia.org

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