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Pedro Henrique Pedreira Campos

A agenda internacional anticorrupção, a operação Lava Jato e os impactos sobre as empreiteiras brasileiras

As recentes revelações divulgadas pelo portal The Intercept comprovam antigas suspeitasde que a Operação Lava Jato atuava enqu

Publicado em 08/08/2019
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As recentes revelações divulgadas pelo portal The Intercept comprovam antigas suspeitas de que a Operação Lava Jato atuava enquanto um partido político, servindo a um projeto de poder que possuía inclusive horizontes de ação de nível extranacional. Para além da atuação de cunho político-partidário dos agentes da operação, as últimas mensagens expostas pela “Vaza-jato” indicam que a força-tarefa agia como uma quadrilha, com práticas criminosas, inclusive para enriquecimento pessoal de alguns de seus integrantes (1). O dano desferido pela operação já está consumado. A Lava Jato forneceu subsídios a um golpe de Estado, desmantelou setores inteiros da economia brasileira e pavimentou a chegada do fascismo ao poder.

No segmento da indústria da construção, os efeitos da Lava Jato foram devastadores. Sob o pretexto de “combater a corrupção”, a operação paralisou empresas, consumiu milhares de empregos e atrofiou a cadeia produtiva do ramo econômico a uma fração ínfima do que subsistia anteriormente. As maiores construtoras do país – Odebrecht, Andrade Gutierrez, Camargo Corrêa, Queiroz Galvão, Galvão Engenharia, UTC e Constran – tiveram perdas de 85% de sua receita entre 2015 e 2018, passando de um faturamento conjunto de R$ 71 bilhões para apenas R$ 10,8 bilhões. Mais graves são as estatísticas de desemprego. Nesse mesmo período, a construção pesada fechou um milhão A agenda internacional anticorrupção, a operação Lava Jato e os impactos sobre as empreiteiras brasileiras de postos de trabalho no país, o equivalente a 40% das vagas de emprego perdidas na economia.

A maior empresa brasileira de engenharia, a Odebrecht, entrou em recuperação judicial, acumulando uma dívida total de R$ 98 bilhões. Só nesse grupo as vagas de trabalho retrocederam de 274 mil para 48 mil postos entre 2015 e 2019. A OAS, que atualmente está em recuperação judicial e em possível caminho para a falência, outrora teve 127 mil empregados e hoje contabiliza apenas 19 mil. (2)

As obras de infraestrutura constituem mecanismo comum para geração de empregos, formação de demanda e ampliação dos investimentos, o que é conduzido historicamente no Brasil por agências e recursos estatais. Hoje o que se vê no país são obras paradas, com os efeitos sociais negativos gerados pelo desemprego elevado.

Não é possível compreender a desmobilização da engenharia brasileira e a operação Lava Jato apenas como uma iniciativa isolada de procuradores e juízes do Paraná guiados por projetos próprios de varrer a corrupção e moralizar o país. A luta contra a corrupção se configurou enquanto uma agenda internacional nas últimas décadas.

As origens dessa pauta global remontam ao Foreign Corrupt Pratices Act (FCPA) – fundado em 1977 nos EUA e reformulado em 1988 –, que internacionalizou a bandeira do combate à corrupção. Peter Bratsis indica como o tema ganhou força no período pós-Guerra Fria, abraçado por organismos internacionais como Transparência Internacional, The Open Society Institute, Bird, FMI, OCDE e OEA. Esse autor sinaliza a diretriz do Banco Mundial sobre a questão:

“Combater a corrupção tornou-se prioridade política para a comunidade internacional em desenvolvimento ao longo das últimas duas décadas e extensos esforços de reforma nesse sentido foram empreendidos. Tais reformas apoiam-se na ideia de que a corrupção é uma disfunção da administração pública que surge na presença do monopólio e do sigilo, o que, por sua vez, pode ser controlado promovendo-se prestação de contas e transparência” (3).

Algumas mensagens divulgadas por Glenn Greenwald e sua equipe dão conta de estreitas relações mantidas entre promotores da Lava Jato e agentes da Transparência Internacional4. A bandeira do combate à corrupção foi canalizada por essa e outras organizações globais, com a prescrição de práticas e regras, particularmente em países periféricos. O governo brasileiro subscreveu tratados e aprovou leis defendidas por esses organismos. Alguns desses regulamentos proporcionaram instrumentos de ação para a Lava Jato. Antes disso, integrantes da operação, como SergioMoro, fizeram cursos sobre o assunto oferecidos por agências do governo norte-americano na sua embaixada no Brasil. (5)

No que tange ao segmento de obras de infraestrutura, a operação cumpriu o papel de fragilizar as maiores construtoras nacionais do setor, abrindo o mercado doméstico para empresas estrangeiras. Assim, a bandeira do combate à corrupção foi conveniente para desbaratar grupos econômicos brasileiros, abrindo ao capital externo setores como o de petróleo e gás, eletricidade, construção e administração de rodovias, aeroportos e outros equipamentos de infraestrutura. Walfrido Warde alerta para os males derivados de certo enfrentamento da corrupção, criticando a criminalização da política, a espetacularização e a desmoralização das instituições. Nos seus aspectos econômicos, o autor aponta que “o combate à corrupção é um negócio, talvez uma técnica de demolição de economias nacionais e de desestabilização política, uma estratégia concorrencial, um meio, jamais um fim.” (6)

Historicamente a denúncia da corrupção no Brasil tem sido instrumentalizada para finalidades políticas, geralmente de forma seletiva. A polissemia e imprecisão do termo auxiliam na sua exploração pela mídia, de maneira novelizada, sem a problematização das origens e dos aspectos estruturais que resultam na “corrupção”. (7)

O seu sentido atual é derivado de uma concepção ideológica liberal de separação do público e do privado, típica do Estado capitalista, servindo para omitir o viés de classe do Estado. (8)

A forma como grupos empresariais de comunicação trata a questão serve à produção de um discurso que assimila a “corrupção” ao Estado e o mercado ao não-corrupto, apoiando a causa da privatização. Sua difusão no senso comum se dá de forma simplificada, omitindo-se outras práticas ilegais que poderiam ser consideradas “corruptas”, como a sonegação de impostos, que envolve valores bem superiores aos “escândalos” explorados pela imprensa. De forma similar, mecanismos legais, mas eticamente questionáveis e injustos como os salários dos agentes do sistema judicial, nossa estrutura tributária ou a administração da dívida pública não são identificados com a “corrupção”. Resta que a temática é explorada com certas finalidades, o que faz secundarizar outras questões mais graves. Como afirma o especialista Marcos Bezerra:

“[...] o combate à corrupção tem servido para diferentes fins que não estritamente o controle das práticas tidas como de corrupção. Dito de outro modo, ele tem se prestado a usos sociais distintos: regulamentação de relações políticas e comerciais, deslegitimação de governos e governantes, mobilizações sociais, lutas políticas etc.” (9)

O uso da agenda anticorrupção parece constituir forma atualizada e sofisticada de romper barreiras protecionistas e abrir espaço para o avanço do grande capital internacional sobre mercados promissores antes restritos a grupos econômicos específicos.


Dessa forma, a Lava Jato parece ter sido um rotundo êxito, por ter rompido a proteção que garantia às empresas domésticas a exploração do mercado de infraestrutura nacional e, no cenário de uma disputa intercapitalista de ordem global, ter ajudado a promover o enquadramento do capitalismo brasileiro, desmantelando algumas das suas principais empresas e neutralizando alguns dos seus principais líderes.


* Pedro Henrique Pedreira Campos é professor do Departamento de História da UFRRJ.

1 Folha de S. Paulo. Deltan fez plano de lucrar com imagem da Lava Jato. Ediçãode 14/7/2019.

2 Valor Econômico. Edição de 1/7/19, página C5.

3 Citado por BRATSIS, Peter. “A corrupção política na era do capital transnacional”. Crítica Marxista. Campinas, n. 44, 2017, p. 21.

4 The Intercept. “Caraaaca”. Disponível em: https://theintercept.com/2019/ 07/07/lava-jato-vazamento-delacao-venezuela/ publicado em 7/7/19.

5 KANAAN, Gabriel Lecznieski. O Brasil na mira do tio Sam: a atuação da embaixada dos EUA durante o governo Lula. Dissertação de mestrado em História. Florianópolis: UFSC, 2019.

6 WARDE, Walfrido. Espetáculo da Corrupção: como um sistema corrupto e o modo de combatê-lo estão destruindo o país. São Paulo: Leya, 2018, p. 10.

7 Conforme SOUZA, Jessé. Radiografia do Golpe. Rio de Janeiro: Leya, 2016. Ver também PINTO, Eduardo Costa et al. “A guerra de todos contra todos: a crise brasileira”. Texto para discussão IE-UFRJ. Rio de Janeiro: UFRJ, 2017.

8 Ver BOITO Júnior, Armado. “A corrupção como ideologia”. Crítica Marxista. Campinas, n. 44, p. 9-19, 2017.

9 BEZERRA, Marcos Otávio. Corrupção: um estudo sobre poder político e relações pessoais no Brasil. 2ª ed. Rio de Janeiro: Papeis Selvagens, 2018, p. 16.

Fonte: Jornal do Corecon-RJ

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